sexta-feira, 26 de novembro de 2021

A herança de Carpeaux!

 

O livro "O Canto do Violino" reúne 27 artigos sobre música publicados por Otto Maria Carpeaux (1900-1978) em jornais brasileiros entre 1948 e 1958.
Carpeaux nasceu em Viena, mas, com a escalada do nazismo na Europa, emigrou para o Brasil em 1939, onde se estabeleceu definitivamente.
Autor da gigantesca "História da Literatura Ocidental", em 10 volumes, publicada em 1959 e ainda sem paralelo no mercado editorial brasileiro, Otto Maria Carpeaux foi um dos mais brilhantes intelectuais do século XX, deixando um legado extraordinário em nosso idioma. Infelizmente, ao lado de sua inegável erudição, o homem destilou também preconceitos de toda natureza em sua extensa obra sobre música. A despeito de seu profundo conhecimento sobre a cultura e a natureza humanas, Carpeaux era um homem do seu tempo, sujeito, portanto, a ideias e valores que evoluem com o passar dos anos. Como nenhum de nós foge a isso, vamos dar um desconto e celebrar seu melhor legado.

Resistir é preciso!

A ameaça de despejo do Estação Net Rio, em Botafogo, um dos poucos cinemas de rua que resistem na cidade, me faz lembrar de meus tempos de Cinema na UFF, nos anos 1980.
As aulas de "Linguagem Cinematográfica", com João Luiz Vieira, eram as mais estimulantes. Eu adorava, ia bem e até recebia elogios do professor. Mas a cadeira de "Cinema Brasileiro", com o professor Antônio Carlos, também tinha aulas muito concorridas porque eram realizadas assistindo aos filmes no Cine Arte UFF. Depois da sessão, claro, o debate rolava solto. Era uma festa. Imagina estudar assistindo a filmes!!
Um dos colegas de curso acabou fazendo parte da equipe que dirigiu (ou ainda dirige) o Estação Botafogo por muitos anos. Não sei o que foi feito dele e dos demais. Fazer Cinema nesse país era e continua sendo um verdadeiro "ato de resistência". Não sei quantos se formaram e seguiram a carreira.
De minha parte, como já era formado em Jornalismo, acabei trancando a matrícula para ingressar no IBGE, onde me aposentei depois de 35 anos de trabalho. Uma trajetória que considero vitoriosa e da qual não me arrependo.
O fato é que nunca mais vi qualquer um dos colegas. Espero que pelo menos alguns tenham realizado seus sonhos de fazer cinema.
Bons tempos aqueles...



quinta-feira, 11 de novembro de 2021

A "Idade do Homem"!

O documentário "Humana Idade: Água", que acabo de assistir no canal "Smithsonian", denuncia de maneira didática a relação predatória do homem com a natureza, revelando o quanto o aquecimento global e a exploração exaustiva dos recursos naturais ameaçam a sobrevivência da fauna, da flora e da própria espécie humana.
Nunca o bicho homem prejudicou tanto a Vida no planeta. No passado, a ignorância poderia até nos absolver, mas o que a Ciência nos permite conhecer hoje certamente nos condenará no futuro (se houver!) se não mudarmos o rumo dessa história.
Um documentário fundamental e oportuno transmitido justamente no período de realização da "Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas" (COP26), em Glasgow, na Escócia.
Por último, não é a primeira vez que esse canal me surpreende com programas educativos de excelente nível. As escolas deveriam obter autorização para exibi-los.

Meu Beethoven preferido!

Talvez o concerto n.5 (Imperador) seja mais popular, mas eu prefiro o n.4. Neste, Beethoven dá literalmente asas à imaginação e ao próprio piano.
O primeiro movimento se inicia solene, logo avança para o lírico, mas acaba fluindo como um "exercício" despretensioso, uma brincadeira, embora requeira relativo virtuosismo por parte do intérprete.
No lento e contido segundo movimento (andante com moto), o "silêncio" fala tão alto quanto as próprias notas com as quais rivaliza. Genial!
O terceiro movimento é um "gran finale" apoteótico que consagra de vez a obra como um dos mais belos concertos para piano do repertório.

Na despedida de Richard Strauss, a celebração da vida!


Apesar da excelência do legado de Schumann e Schubert no gênero, minhas canções preferidas são as quatro últimas compostas por Richard Strauss, aos 84 anos, um ano antes de falecer.
Com letras de Herrmann Hesse e Joseph Eichendorff (abaixo), as quatro canções, em comovente tom de despedida, tratam da transitoriedade da vida e da inexorabilidade da morte, oferecendo uma visão poética da existência, desde o olhar romântico e otimista da juventude (primavera) até a resignação diante da proximidade do fim (pôr do sol).
O ciclo completo é uma das obras-primas do compositor, que, infelizmente, não viveu para ouvir.

Frühling (Primavera)
Letra: Herrmann Hesse
Em cavernas sombrias
sonhei longamente
com suas flores e céus azuis,
com seus odores e cantos de pássaros.
Agora você está revelada
com todo o brilho e adorno,
inundada de luzes
como um milagre diante de mim.
Você me reconhece novamente,
você me atrai docemente,
todos os meus membros tremem
com sua bem-aventurada presença!

September (Setembro)
Letra: Herrmann Hesse
O jardim está de luto.
A chuva cai fria sobre as flores.
O verão estremece em silêncio,
aguardando o seu fim.
Douradas, folha após folha caem
do alto pé de acácia.
O verão sorri, surpreso e lânguido,
no sonho moribundo do jardim.
Muito tempo ainda junto às rosas
ele se detém, aspirando ao repouso.
Lentamente ele fecha
seus olhos cansados.

Beim Schlafengehen (Ao adormecer)
Letra: Herrmann Hesse
Agora que o dia me cansou,
serão meus fervorosos desejos
acolhidos gentilmente pela noite estrelada
como uma criança fatigada.
Mãos, parem toda atividade.
Fronte, esqueça todo pensamento.
Todos os meus sentidos agora
querem mergulhar no sono.
E minha alma, sem amarras,
deseja flutuar com as asas livres
para, na esfera mágica da noite,
viver uma vida profunda e múltipla.

Im Abendrot (Ao pôr do sol)
Letra: Joseph von Eichendorff
Através de dores e alegrias,
nós caminhamos de mãos dadas;
agora descansamos da nossa errância
sobre uma terra silenciosa.
Em torno de nós se inclinam os vales
e já escurece o céu.
Apenas duas cotovias alçam voo,
sonhando no ar perfumado.
Aproxime-se e deixe-as voar.
Logo será hora de dormir.
Venha, que não nos percamos
nesta grande solidão.
Ó paz imensa e tranquila
tão profunda no crepúsculo!
Como nós estamos cansados dessa jornada.
Seria talvez isso já a morte?

Tradução: Wikipédia.


Nada será como antes...

"Lembrar do passado é como visitar um país estrangeiro..." - L. P. Hartley

Certa vez, o cineasta judeu Roman Polanski, que dirigiu "O Pianista", ambientado no gueto de Varsóvia durante a II Guerra, afirmou que não o fez no gueto de Cracóvia porque foi lá que esteve confinado com a família. Segundo ele, ambientar a história num lugar onde viveu experiências tão traumáticas na infância seria como aviltar ou desonrar as memórias que têm daquele período. A escolha foi pessoal e certamente não se aplica a todos ou a todas a situações, mas talvez ele tenha razão.
Às vezes, eu mesmo me pergunto se devemos revisitar o passado, inclusive os momentos mais felizes. Nos últimos anos, venho me convencendo, a exemplo de Polanski, de que aquilo que ficou para trás, sejam boas ou más lembranças, deve ficar no passado, intocado ou cristalizado.
Já pensei em refazer a primeira viagem, passando pelos mesmos lugares e tentando reproduzir as mesmas emoções que marcaram a minha vida. Bobagem, é melhor deixar tudo "lá". Nada será como antes, e ainda corro o risco de comprometer definitivamente memórias lindas (e idealizadas) que me trouxeram até aqui e pelas quais tenho profundo carinho e gratidão.

Sebos e raridades

 

Esse é o último livro comprado num sebo da Av. Passos, Centro do Rio, que fechou as portas na semana passada.
Tenho uma edição cuja capa eu já tinha restaurado usando até esparadrapo.
Recentemente, resolvi adquirir esse novo volume, em perfeito estado, justamente para substituir o "velho", já bastante manuseado por longos 30 anos.
Editado pela Nova Fronteira em 1990, esse "Guia da Música Sinfônica" com quase 1000 páginas, organizado por François-René Tranchefort, é uma verdadeira "bíblia" para quem gosta ou pretende conhecer o universo das obras sinfônicas dos 200 mais prestigiados compositores da história da música.
Os sebos do Rio dispõem de publicações preciosas, entre livros, cds, dvds e até blu-rays, que não podem mais ser encontradas no mercado tradicional.
Tenho em casa verdadeiras raridades garimpadas ao longo de décadas pelos sebos da cidade. O prazer de encontrá-las, quase sempre a um custo baixo, não está necessariamente no valor pago e sim no conteúdo das obras já esgotadas e fora de catálogo.
Um raro, um raríssimo prazer!

terça-feira, 9 de novembro de 2021

Bruckner e Wand!

 

Finalmente, consegui na "Arquivo Musical" (única loja de clássicos do Rio) a sinfonia n.8 de Anton Bruckner (1824-1896) em sua versão original, com a Filarmônica de Berlim, sob a regência do mago Gunter Wand (1912-2002)
É minha quarta versão em cd dessa obra monumental capaz de quebrar a resistência até dos "detratores" do compositor, em especial o solene e "etéreo" terceiro movimento. Alguns dizem que aqui, nesse longo adágio, Wand teria incorporado o próprio Bruckner na condução da orquestra.
Seja como for, acho que jamais um regente compreendeu tão bem Bruckner como Wand. O andamento que imprime à performance das obras é único e possivelmente revelador do universo mais íntimo do compositor. E estou convencido de que justamente o emprego singular do "rubato" na condução das orquestras seja o segredo de Wand para extrair execuções tão arrebatadoras das sinfonias de Bruckner.
Nesse caso, a Filarmônica de Berlim inteligentemente se submete aos visionários caprichos do regente, que já atingia a idade de 89 anos durante a gravação, realizada em janeiro de 2001. Uma performance que foi eleita pela revista inglesa "Gramophone", especializada em música clássica, como a melhor gravação orquestral do ano e uma das 10 melhores gravações de obras de Bruckner em toda a história da indústria fonográfica.
Infelizmente, Wand morreria meses depois, aos 90 anos, mas deixando um legado inestimável para os amantes da música de Bruckner.

sexta-feira, 22 de outubro de 2021

Schumann, entre a genialidade e a loucura!

 

Os "entendidos" torcem o nariz para as sinfonias de Robert Schumann (1810-1856), com críticas às suas orquestrações "demasiado espessas" e à "mistura de timbres". Mas eu gosto muito, e justamente por isso!
Schumann não é apenas para ser ouvido. A melhor maneira de apreciar suas sinfonias é assistindo à orquestra executando as obras nas salas de concerto ou mesmo em vídeo. É contagiante ver os músicos e os próprios maestros se dedicando de corpo e alma à partitura. Como um bom e típico romântico, Schumann fala direto ao coração, sem intermediários. Bons maestros e músicos compreendem isso perfeitamente. Vê-los executar as sinfonias é como ver e sentir tudo com os olhos e o coração do próprio compositor.
Por tudo isso, e apesar de já dispor das sinfonias em cds, comprei esse blu-ray (foto) com o vídeo dos concertos das 4 sinfonias de Schumann executadas pela prestigiada orquestra "Staatskapelle Dresden", sob a regência de Christian Thielemann, um dos maestros mais requisitados da nova geração. O blu-ray traz ainda uma entrevista de meia hora com Thielemann, que comenta sobre as sinfonias e sua visão das obras.

O triunfo da ignorância?

Hoje em dia, todos falamos sobre tudo ou qualquer assunto. Com o advento da internet e das redes sociais, vivemos uma era de ampla liberdade de expressão como nunca houve na história.
O que nos falta, porém, é o senso de responsabilidade a respeito das consequências de nossas manifestações públicas, muitas vezes no anonimato, o que envolve também uma grave questão moral.
É com essa "fartura" de liberdade nunca desfrutada por outras gerações que precisamos aprender a lidar com responsabilidade.
Certa vez, sabendo do meu longo e profundo interesse por música clássica, e também do conhecimento que acumulei ao longo de décadas sobre o assunto, um grande amigo gentilmente me convidou para dar uma palestra num escola de música para falar da história da música e da vida dos compositores.
Embora sabendo bastante sobre os temas propostos, declinei do convite por achar que meu conhecimento insuficiente de teoria musical me descredenciava para tratar de um assunto tão sério e nobre numa escola destinada justamente ao ensino de música.
Gosto de falar e escrever sobre música e acho até que tenho o que transmitir a quem sabe pouco ou nada, mas não me sinto habilitado para fazê-lo numa escola de música. Ali, não é lugar para improviso ou apenas diletantes. Respeito muito o conhecimento profundo sobre qualquer coisa. Isso é justamente o que se perdeu em meio a tantas imposturas e imprecisões que proliferam na internet. Hoje, todos se sentem autorizados a transmitir sua opinião a respeito de tudo, ainda que não tenha conhecimento suficiente para fazê-lo. No Brasil (mas não só aqui!), vemos até altas autoridades desacreditando a Ciência com objetivos políticos, o que reflete perfeitamente esses tempos sombrios de triunfo da estupidez e da ignorância (ou do pouco conhecimento).

A nostalgia dos Cafés!


Em tempos de internet e de alta tecnologia, parece que tudo muda rapidamente no mundo, mas a tradição dos "Cafés" nas capitais europeias permanece viva. Em Viena e Paris, talvez os melhores exemplos, alguns desses estabelecimentos fazem parte do patrimônio cultural das cidades. Atravessam séculos recebendo clientes desejosos apenas de passar um par de horas longe do burburinho e da correria urbana. E não é tão raro flagrar frequentadores mais conservadores lendo livros ou jornais impressos e alheios a tudo em volta. Um hábito mantido há gerações que resiste aos avanços tecnológicos.
O Café da foto, "Les Deux Magots", localizado no bairro parisiense de Saint-Germain-des-Prés e frequentado no passado por grandes escritores e intelectuais, é um dos mais famosos e tradicionais da cidade. Clientes menos apressados podem desfrutar da leitura de jornais impressos e até de livros novos colocados em estantes estrategicamente espalhadas pela área comum.
Parafraseando Ernest Hemingway, Paris continua (ainda bem) sendo uma festa!

Finalmente, a música de "Metrópolis"!

Finalmente, consegui encontrar a célebre trilha sonora composta por Gottfried Huppertz para "Metrópolis", o clássico dirigido por Fritz Lang em 1927, ainda no período do cinema mudo.
Meticulosamente restaurado há alguns anos, o score foi gravado em 2010 pela Orquestra Sinfônica da Rádio de Berlim, sob a direção de Frank Strobel, especialista em recuperação de partituras antigas.
Num tempo em que o cinema não dispunha de diálogos, a música exercia um papel fundamental na narrativa, atuando quase como um "personagem" do filme. Com "Metrópolis", não foi diferente. É a obra-prima de Huppertz que nos conta brilhantemente a história futurista e visionária sobre exploração operária, diferença de classes e "amor impossível", temas clássicos que atravessam gerações sem perder a atualidade.


Nino Rota inesquecível!


"O Leopardo", filme baseado no romance homônimo de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, corresponde, possivelmente, à mais bem-sucedida parceria do cineasta Luchino Visconti com o compositor Nino Rota. O clássico do mestre italiano de tantas obras magníficas, tais como "Roco e seus irmãos", "Morte em Veneza" e "Ludwig", teve a sorte de contar com Nino Rota em seu melhor momento no cinema.
Elaborado em forma de sonata, como uma verdadeira sinfonia, o score composto por Rota para o filme reúne tudo que uma trilha sonora deve oferecer, e muito mais! Lírica, delicada, elegante, majestosa e, quando necessário, vibrante e impetuosa, essa antológica criação de Nino Rota é perfeita, não devendo absolutamente nada aos grandes scores de toda a história do cinema. Por isso mesmo, e não é pouca coisa, está à altura da obra-prima de Visconti sobre a decadência da aristocracia siciliana em meados do século XIX, durante o processo de formação do moderno estado italiano.
O cd da foto, que me permitiu conhecer em detalhes o clássico score de Rota, encontrei no local mais inesperado possível, uma acanhada loja de música em Liubliana, capital da distante e bela Eslovênia, parte da extinta Yugoslávia. Uma das surpresas que as viagens costumam oferecer a quem se propõe a conferir tudo. E eu adoro fazer isso.


Viena e a nostalgia do império!

Esse livro conta a história do fim do maior império que a civilização ocidental conheceu desde a Antiguidade.
As últimas gerações não fazem ideia do gigantismo do império conquistado pelos Habsburg ao longo de mais de 8 séculos, desde o século XIII, que chegou a se estender do norte da Itália, passando pela Europa Central e a Boêmia, até os bálcãs (Bósnia, Sérvia e Croácia).
A história dos Habsburg se confunde com a própria história do continente europeu. Tudo isso ruiu como um castelo de cartas no fim da I Guerra Mundial, em 1918. Só restou Viena, a capital imperial, com sua monumental arquitetura, hoje capital de uma Áustria de dimensões modestas e de importância periférica no mundo.
Numa visita à cidade, é possível perceber uma atmosfera nostálgica permeando as ruas centenárias de uma Viena saudosa de um passado glorioso que não volta mais.


Bruckner em Viena, uma história singular!


Há 125 anos, o mundo perdia Anton Bruckner (1824-1896), um dos compositores mais singulares da história da música, cujas obras e trajetória de vida mais me falam ao coração, ao lado de Beethoven e Sibelius.
Ao contrário de outros grandes músicos que desde muito cedo tiveram consciência (ou convicção) de seu talento incomum, como Bach, Beethoven, Mozart, Mahler e Wagner, esse homem simples e provinciano passou boa parte da vida "implorando" por atenção e reconhecimento, embora tenha produzido obras monumentais tidas hoje como verdadeiras "catedrais sonoras", frutos de sua profunda devoção religiosa.
Em Viena, para onde se mudou somente aos 44 anos, em 1868, Bruckner enfrentou o desprezo de colegas músicos e de críticos locais influentes, ainda que não lhe tenha faltado o apoio de muitos amigos, notadamente no final da vida, quando recebeu várias homenagens. Mas, na capital austríaca, detratores caçoavam do compositor por sua insegurança, postura servil e até mesmo pelo despojamento com que se vestia, pecado mortal numa Viena ainda imponente e imperial do século XIX. Submisso, não raras vezes, o compositor efetuou alterações significativas em suas composições supostamente já concluídas, visando agradar a críticos e músicos mais experientes e conceituados.
Apesar disso, passados 125 anos de sua morte, a importância do legado de Bruckner é reconhecida por todos os amantes da "boa música", entre compositores, intérpretes e público em geral. Suas obras, em especial as 3 missas e o "Te Deum", são impregnadas de sincera e intensa religiosidade e oferecem ao mundo um inegável testemunho de fé.

Jornalismo e responsabilidade social

Ao optar pelo serviço público, de cuja trajetória me orgulho muito, renunciei ao exercício profissional do Jornalismo, minha formação acadêmica. Apesar disso, e talvez por pura vocação, sempre acompanhei de perto, com visão crítica, a prática diária da disseminação de notícias no Brasil e no mundo.
Lamento profundamente que o jornalismo ético e com responsabilidade social que aprendemos na universidade esteja cada vez mais distante da realidade da profissão, uma verdadeira quimera, mas, apesar dos graves desvios que temos visto nos últimos tempos (jornalismo "militante" ou cooptado pelo poder), ainda acho que o mau jornalismo com liberdade é melhor do que jornalismo amordaçado ou com censura - o triunfo das "fake news"!!
Por tudo isso, o Nobel da Paz concedido a dois jornalistas que enobrecem a profissão com um trabalho corajoso em defesa da liberdade de expressão em sociedades de governos autoritários pode ser um passo importante na valorização do jornalismo como fator de consolidação da Democracia no mundo. Tomara!!


Arte e virtude!

Em que medida uma obra artística adquire vida e qualidade própria, podendo (ou devendo) ser apreciada independentemente do caráter ou das virtudes pessoais do autor?
Wagner, um gênio da música, era declaradamente racista e antissemita, mas suas óperas são quase todas reconhecidas como obras-primas revolucionárias.
O próprio Beethoven, para ficar com a guarda do sobrinho, não hesitou em destruir a reputação da cunhada, num processo longo e doloroso, principalmente para o rapaz, que tentou o suicídio por não suportar a enorme pressão do tio possessivo.
Não faltam exemplos na história de artistas geniais de caráter "duvidoso". Afinal, arte e virtude devem caminhar juntas?


Pepe e Vila Isabel, um tardio caso de amor!


Na foto, Pepe (meu pai), ao lado de Martinho da Vila e de outros integrantes da Vila Isabel, pouco antes da entrada da escola na avenida. Ele passava o ano inteiro esperando por esse momento.
O amor pela "Vila" foi despertado quando mudamos para o bairro, há 40 anos, e só aumentou com o passar do tempo.
O ingresso na ala de compositores e, em seguida, no seleto grupo de beneméritos da escola não demorou muito. Pepe compunha fácil e até de madrugada. Precavido, já dormia com o gravador estrategicamente colocado ao lado da cama, na mesinha de cabeceira. Quando a inspiração surgia no meio da noite, acendia a luz, escrevia os versos e gravava tudo.
Em pouco tempo, passou a competir para a escolha do samba-enredo da escola, chegando à final por duas vezes. Não teve a chance, porém, de realizar o sonho de ouvir seu samba cantado na avenida.
Ao morrer, em maio de 2013, deixou um caderno com centenas de sambas. Um legado de valor apenas afetivo para a família, mas guardado com muito carinho.
Pepe, ou "Sombra da Vila", como gostava de ser chamado, ainda que modestamente, escreveu seu nome na história da tradicional escola do bairro de Noel Rosa, seu maior ídolo, homenageado em vários sambas que compôs.

Alô, alô, Edmo!

Entrevista com meu falecido irmão, Edmo Luís, na revista "Minha Novela", de 2008.
A paixão do Edmo era a "telinha", onde atuou em novelas e séries, quase sempre em papéis secundários, mas, com uma bela voz, fez meteórica carreira como locutor e dublador.
Nos anos 1980, famoso com o sucesso dos programas de rádio que comandava, era frequentemente contratado para a abertura de shows de vários ídolos populares. Certa vez, chegou a reunir uma multidão de fãs nos gramados da Quinta da Boa Vista, todos ouvintes fiéis de seus programas românticos nas rádios cariocas.
Edmo, que nos deixou muito cedo, com 60 anos, foi uma das pessoas mais determinadas e autoconfiantes que conheci. Uma trajetória de vida verdadeiramente inspiradora!


Descobrindo Béla Bartók!


Como eu pude passar a vida inteira ouvindo música clássica sem conhecer Béla Bartók (1881-1945)? Imperdoável!!
"Music for Strings, Percussion and Celesta" pode ser considerada uma das melhores composições "eruditas" dos últimos 100 anos. É certamente uma das obras-primas do compositor. Uma outra, "Concert for Orchestra", felizmente também integra o cd (foto).
Um livro que comprei num sebo nos últimos dias (foto) é que me apresentou a Bartók. O cd eu encontrei em seguida, já "orientado" pelo livro. Adoro e aprendo muito com essas "garimpagens". Passei décadas fazendo isso. Assim como as viagens, combinam prazer e conhecimento como poucas coisas na vida!
Por fim, e apenas como curiosidade já que nada disso realmente tem preço, o livro custou 10 reais e o cd, módicos 3 reais!

Kleiber incomparável!


Segundo muitos especialistas (ou "sabidões", como diz o meu amigo alemão), sob o ponto de vista artístico ou musical, esse cd contém a melhor gravação da 5a. sinfonia de Beethoven. Convenhamos, isso é muito subjetivo, mas não deve estar longe da verdade.
Kleiber não gravou todas as 9 sinfonias de Beethoven. A "Nona", por exemplo, hoje a mais popular, não consta de sua discografia; nem a revolucionária "terceira" (a "Heróica"), outra obra obrigatória na carreira de qualquer regente que se preze.
O repertório reduzido frustrava os fãs e incomodava a indústria fonográfica, mas isso também faz parte do legado de Kleiber.
O cd, claro, eu guardo a sete chaves!

Haydn em Londres

Ótima gravação, com direito a belíssimo livreto ilustrado, das duas últimas sinfonias compostas por Haydn na corte do príncipe Eszterhazy, localizada na aprazível Eisenstadt (que visitei em 2017), próxima de Viena. Em 1791, ano da morte de Mozart, o compositor se transferiu para Londres, onde recebeu excelente acolhida e compôs suas 12 últimas sinfonias, chamadas apropriadamente de "londrinas".
Depois de duas estadas no período de 4 anos na Inglaterra, Haydn retornou definitivamente a Viena em 1795 e lá ainda compôs, além de missas e quartetos de cordas, os oratórios "A Criação" e "As Estações", as derradeiras obras-primas de uma longa, brilhante e profícua carreira.
Em tempo, o cd, em estado de novo e intocado, encontrei essa semana num sebo da Saens Pena. É o que resta no Rio, além da excelente loja "Arquivo Musical", no Centro, para os apreciadores desse gênero musical.


A resposta de Schubert!


Aos 29 anos, perto do final da vida (morreu muito jovem, com 31!), embora já tivesse composto pelo menos 6 sinfonias completas, Franz Schubert (1797-1828) entendia que faltava-lhe criar uma obra extensa que pudesse rivalizar com as grandes sinfonias de Beethoven. A "Nona", também denominada "A Grande", é a resposta que desejava dar a si mesmo e aos contemporâneos. E o resultado está à altura do "desafio"! É uma obra bem-sucedida que ocupa espaço nobre no repertório sinfônico.
A performance da Filarmônica de Viena, sob a regência do saudoso George Solti (1912-1997), é antológica. Um cd precioso!

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Entre Deus e todos nós!

 


Como comenta um amigo de Carlos Kleiber (1930-2004) no documentário "Estou perdido para o mundo", em termos de música, o maestro teria sido o melhor mediador entre Deus e a humanidade. Para quem já ouviu ou assistiu Kleiber, faz sentido, muito sentido! 
Pena que o artista tenha terminado seus dias solitário e melancólico. Em dezembro de 2003, ao perder sua companheira de décadas e descobrir um câncer de próstata, caiu em profunda depressão. Meses depois, se isolou em Konjsiva, uma aldeia nas montanhas da Eslovênia, onde veio a falecer em julho de 2004.
O casal repousa agora (lado a lado) no cemitério da pequena propriedade eslovena, como revela a comovente cena final do documentário.
Triste fim para um homem singular e um artista extraordinário que jamais se rendeu à indústria fonográfica. Sem fazer concessões, só regeu quando quis e as obras que apreciava. E não foram muitas. Era certamente a antítese de Karajan, a própria personificação da indústria. Talvez por isso mesmo tenha virado lenda!

A difícil gestação de uma obra-prima!

 


Faltava ler essa tradução elogiadíssima de Caetano W. Galindo para "Dublinenses", minha obra favorita de James Joyce.
Com pouco mais de 20 anos, o escritor descreve em 15 belíssimos contos e com precoce maturidade as inquietações de típicos personagens (crianças, jovens e idosos) de Dublin, sua cidade natal, no início do século XX.
Para publicar a obra, Joyce enfrentou uma "via crucis". Após sofrer críticas até do pai, cogitou excluir um dos contos (Um Encontro), empenhou relógio e contratou advogados na tentativa de ver o livro publicado, o que só ocorreu dois anos depois de concluído. Um ano mais tarde, só 379 exemplares haviam sido vendidos, 120 dos quais comprados pelo próprio Joyce.
Mas a obra sobreviveu, atravessando gerações e encantando leitores de várias nacionalidades e culturas.

Entre a vocação autoritária e o anseio democrático.

 


Acabei de assistir, no canal "Curta!", ao documentário "Os Anos JK: Uma Trajetória Política".
Sinceramente, o que mais me entristece e envergonha no nosso país, na verdade, como brasileiro mesmo, não é nem a corrupção sistêmica, um "câncer" que corrói a confiança do povo nas instituições e nos poderes constituídos, mas a falta de tradição democrática, uma constatação óbvia ao estudar a história do Brasil nos últimos 200 anos.
Somos uma nação rica em recursos naturais e com uma extraordinária diversidade humana, uma rara combinação que nos confere um potencial enorme de produção de riquezas e de desenvolvimento econômico e social. Mas a vocação autoritária é uma praga que nos persegue por gerações. As ameaças ao Estado de Direito e à ordem democrática são frequentes ao longo da história, isso quando não estamos já mergulhados em regimes autoritários como foi no Estado Novo, de Getúlio, nos anos 1930, e na ditadura militar, entre 1964 e 1985.
Sempre que avançamos um pouco na tentativa de consolidação de um regime democrático, nossa vocação para o autoritarismo se manifesta em defesa do arbítrio e do retrocesso, como vimos emblematicamente no último dia 7 de setembro.
O estabelecimento de um Estado Democrático de Direito é, portanto, uma luta diária e também um enorme desafio que atravessa gerações no Brasil.
Parece que estamos definitivamente condenados a uma eterna luta entre a vocação autoritária e o anseio democrático.

Stefan Zweig, um homem à frente do seu tempo!

 

Em 1941, em sua passagem pelo Rio de Janeiro, Stefan Zweig sugeriu a Lasar Segall, pintor que conheceu em São Paulo, "uma representação de toda a tragédia dos refugiados de hoje", certamente se referindo às vítimas da guerra em curso na Europa.
Na ocasião, Lasar estava justamente terminando "Navio de Emigrantes" e lhe enviou uma fotografia do quadro. Zweig, então, respondeu: "há nele uma síntese visionária da miséria contemporânea."
Há 80 anos, Zweig já chamava a atenção para o problema dos refugiados originários de regiões conflagradas, crises migratórias que se tornam cada vez mais frequentes num mundo globalizado que elimina fronteiras para o fluxo de produtos e mercadorias, mas que resiste à circulação de pessoas. 

Amor e ódio, vício e virtude!

 

"Da Alemanha", publicado no início do séc. XIX pela francesa Madame de Staël (1766-1817), é uma verdadeira declaração de amor à Alemanha, o que provocou, à epoca, um êxodo da intelectualidade do continente em direção ao país.
O efeito foi tão "devastador" (também por conter críticas à cultura francesa) que levou Napoleão a proibir o livro e a queimar toda a primeira edição.
Quando li trechos na livraria, encontrei uma descrição (ou impressão) da Alemanha que casa perfeitamente com o que sinto desde minha primeira visita ao país e que jamais li em qualquer outro livro ou guia turístico.
Na obra, escrita há mais de 200 anos, Staël já afirmava que faz parte do caráter alemão encarar o cumprimento de uma ordem como um dever.
Isso explica Hitler quase 150 anos depois? Muito provavelmente, mas também o sucesso do país, "reconstruído" em poucas décadas à base de um rigoroso respeito às regras e de muita organização.
Assim como acontece com cada um de nós, as nações, para o bem e para o mal, também colhem os frutos de seus vícios e virtudes.

terça-feira, 31 de agosto de 2021

Afeganistão, uma terra "indomável"!

 

Esse livro da premiada escritora russa Svetlana Aleksiévitch, Nobel de Literatura de 2015, contém relatos comoventes de sobreviventes, inclusive afegãos, da guerra soviética-afegã ocorrida entre 1979 e 1989.
Publicado em 1991, apenas 2 anos após o fim do conflito, o livro provocou controvérsia na Rússia por seu testemunho honesto sobre a realidade da guerra e a vulnerabilidade do país numa operação originalmente destinada à "manutenção da paz".
O título "Meninos de Zinco" é uma referência às legiões de jovens soldados mortos e enviados para casa em caixões de zinco.
Uma leitura indispensável para compreender o contexto em que se deu a ocupação norte-americana no Afeganistão por 20 anos e os últimos acontecimentos relativos à retirada das tropas ocidentais do país asiático.

segunda-feira, 30 de agosto de 2021

Carl Nielsen, uma revelação!

 

O compositor dinamarquês Carl Nielsen adquiriu fama mundial por sua música instrumental, em especial as 6 sinfonias, mas Nielsen é conhecido (e reverenciado) em seu país também por suas belas canções compostas para solistas e coro, obras baseadas em antigas tradições dinamarquesas que se tornaram parte da identidade cultural do país, assim como o próprio compositor.
Patrocinado pela Biblioteca Real da Dinamarca, esse cd (The Unknown Carl Nielsen) oferece justamente a primeira gravação de 26 dessas canções, que evocam a "alma" e a cultura do povo dinamarquês, todas traduzidas para o inglês.
O título do cd naturalmente se refere ao repertório de Nielsen pouco executado fora da Dinamarca. É uma pena!

Nos tempos de um estadista!

 

Com D. Pedro, conquistamos a independência de Portugal, mas foi com seu filho, D. Pedro II, que o Brasil viveria seus melhores dias no período do império, incluindo o fim "oficial", ainda que tardio e "incipiente", da escravatura.
Grande líder político, humanista e defensor das ciências e das artes, D. Pedro II se revelou um verdadeiro estadista, respeitado por artistas, intelectuais e cientistas do mundo inteiro.
Ele viajou por quase toda a Europa, falava 17 idiomas e, estudioso, tinha interesse por todas as áreas de conhecimento. Fez uso dessa erudição em benefício do país, criando instituições públicas que prestam até hoje inestimáveis serviços à nação.
Reconhecido pelo exemplo de liderança e legado humanitário, viveu os últimos anos exilado em Paris, onde faleceu e teve um funeral com merecidas honras de Chefe de Estado.
Espero que essa nova novela da Globo, que retrata justamente o período de reinado de D. Pedro II, revele para as novas gerações ao menos uma fração, ainda que pequena, da enorme contribuição do imperador, certamente o maior (ou talvez único) estadista que esse país já conheceu.
Vale dizer que não tenho a menor simpatia por monarquias, um anacronismo que persiste no mundo, embora reconheça o papel de reis e rainhas na sustentação de algumas monarquias modernas.
Na verdade, sou republicano até a alma. Entendo que todos devam ser iguais perante a lei, ou a Constituição, um compromisso inarredável de qualquer sociedade que se considere verdadeiramente democrática no nosso tempo.

Um Oscar para melhor orquestração!

 

O segredo por trás de algumas das mais belas trilhas sonoras compostas por Danny Elfman está em Steve Bartek, orquestrador dos scores de "Batman" (1 e 2), "Edward, Mãos de Tesoura", "Homem-Aranha" (1 e 2) e muitos outros.
Confesso que às vezes não sei onde termina a inspiração de Elfman e começa a arte de Bartek, talvez o mais brilhante orquestrador de Hollywood nas últimas décadas.
Steve Bartek foi guitarrista da banda de rock californiana "Oingo Boingo", de onde saiu também Elfman antes de se dedicar definitivamente aos scores de filmes.
Com seus pares, certamente Bartek desfruta do merecido reconhecimento, mas penso que ainda falta aos produtores e à Academia de Cinema de Hollywood conferir aos orquestradores o devido destaque na promoção dos filmes e das trilhas sonoras. Nesse sentido, a inclusão da categoria de "melhor orquestrador" na entrega anual do Oscar já seria uma boa e justa medida.
Depois de ouvir scores de filmes por mais de 4 décadas, estou convencido de que alguns desses profissionais podem e devem ser considerados como coautores de trilhas sonoras antológicas da história do cinema.

Saudade...

 


Saudade dos tempos do jornal impresso...
Adquiri o hábito de leitura de jornal ainda criança com meu pai e só o abandonei há poucos anos, aderindo de vez à internet. Mas posso garantir aos mais novos que a notícia "instantânea" na telinha do celular não oferece o mesmo prazer da surpresa ao abrir o jornal buscando "novidades" em cada página, em cada seção.
Nas viagens que fiz sozinho na Europa, a compra do El País" espanhol era obrigatória nas estações de trem. Um companheiro indispensável para percorrer grandes distâncias, alternando belas paisagens pela janela com ótimos artigos de um dos melhores jornais do mundo. Lembro até de alguns artigos de opinião sobre imigração no continente e política interna na Espanha e na Europa.
Hoje em dia, com os sites jornalísticos e a "banalização" (para o bem e para o mal) da notícia na internet, tudo isso virou passado e pura nostalgia.

Lembranças da Floresta

 

O recente incêndio no Parque Nacional da Tijuca me lembrou de uns passeios que eu costumava fazer na Floresta da Tijuca, sempre às segundas-feiras, no final dos anos 1970.
Um amigo de infância tinha folga no trabalho justamente nesse dia. Quando fazia tempo bom, ele me chamava para passear na estradinha que dava acesso à Floresta no Alto da Boa Vista. Confesso que não me lembro muito bem sobre o que conversávamos nas longas caminhadas em meio àquelas árvores e vegetação centenárias. Como éramos muito jovens (em torno de 20 anos), certamente o assunto recorrente eram os planos para o futuro. Ele já empregado e eu, embora cursando Jornalismo, ainda indeciso sobre o que queria e deveria fazer, um sentimento que, preciso admitir, me acompanhou por boa parte da vida.
Depois que me mudei para Vila Isabel, em 1981, só o vi 2 ou 3 vezes, e nunca mais visitei a Floresta da Tijuca. Lá se vão mais de 40 anos.
Soube mais tarde que ele se casou, teve filhos e se mudou para o interior de Minas Gerais, onde deve viver até hoje.
Espero que o amigo tenha realizado seus sonhos de infância e juventude. Da minha parte, não tenho do que me queixar. Sem fazer muitos planos, deixei a vida me levar, e reconheço que o destino acabou sendo muito generoso comigo.

Um filme mudou a minha vida!

 

Quando assisti a esse filme em Speyer, na Alemanha, em agosto de 1998, decidi que deveria dedicar o resto da vida à realização dos meus sonhos mais verdadeiros.
Lembro perfeitamente que, ainda no cinema, fui dominado por uma inquietação em relação à vida que levava, limitado a um trabalho, um endereço, uma cidade e um país, quando meu espírito ansiava por novas descobertas e emoções. Uma ideia de pertencimento ao mundo e não apenas a um lugar ou a uma cultura, ampliando horizontes e atravessando fronteiras físicas e limites pessoais em busca de algo maior e mais transcendental. Um verdadeiro despertar do espírito!
Depois de 23 anos e já aposentado, percebo que ainda falta muito para realizar plenamente tudo que sonhei naquele instante mágico e revelador, mas foi ali que plantei a semente que me levaria a dedicar o resto da vida a viajar, viajar e viajar...
Não vi tudo nesse mundo, muito longe disso, mas agradeço a Deus pelo que aprendi e por todas as experiências que vivi nesses anos todos, o que certamente me tornou uma pessoa mais feliz e realizada.

Brasil, Espanha e uma família reunida!

 

Tive o privilégio e a honra de ter sido o único brasileiro de minha geração na família a conhecer pessoalmente José (primo de meu pai) e a esposa Esther, da Galícia.
Meu pai, meus tios e minhas tias eram crianças ou muito jovens quando partiram da Espanha para o Brasil no início dos anos 1930.
Somente minhas tias Carmen, Áurea e Clélia, já no final da vida e bem idosas, ainda mantinham lembranças vívidas da infância na Galícia. A única imagem que meu pai guardava na memória dos tempos de Espanha era da neve batendo na janela. Pudera, veio para o Brasil com apenas 4 ou 5 anos.
Conheci José e Esther, já falecidos, quando visitei os primos em férias na Galícia. Fui lá 4 vezes, a última em 2003. Sempre recebido com carinho e hospitalidade, guardo boas lembranças daqueles dias na Forja com a família reunida. Quase todos vivem em Barcelona, mas costumam passar o verão na Galícia, uma tradição familiar que atravessa gerações.
Ali passei dias agradáveis conhecendo melhor a história da família e até as casas, já em ruínas, onde meu pai morou. Desde então, mantenho contato regular com os primos, o que restabeleceu relações familiares praticamente suspensas por mais de 6 décadas.
Saber que fui o maior responsável por isso, com a providencial ajuda das lembranças de minha saudosa tia Aurinha, é também um motivo de orgulho pra mim.

quinta-feira, 29 de julho de 2021

O mais popular dos "clássicos"!

 

Peter Tchaikovsky (1840-1893) talvez tenha sido o maior melodista de seu tempo. Não à toa é considerado o mais popular dos compositores "clássicos". Suas obras para balés como "O Quebra-Nozes" e "O Lago dos Cisnes" encantam pessoas de todas as idades e origens há gerações.
Mas Tchaikovsky passou a vida inteira atormentado por sua homossexualidade, naquele tempo punida na Rússia com prisão e exílio de anos na Sibéria. Teve um "casamento de fachada" e se apaixonou pelo próprio sobrinho, a quem dedicou sua última (sexta) e mais célebre sinfonia.
Pressionado pelo escândalo que se formava na corte imperial, Tchaikovsky teria deliberadamente bebido água contaminada, embora alguns estudiosos afirmem que o compositor teria tomado arsênico para dar fim à própria vida.
O fato é que essa triste história se reflete em quase todas as obras do compositor. O último movimento de sua derradeira sinfonia, apropriadamente chamada de "patética", carrega um profundo e comovente tom melancólico, como um verdadeiro réquiem com o qual Tchaikovsky se despedia da vida.
Ainda hoje, muitos russos, inclusive Putin, por puro preconceito, consagram o artista e sua obra, mas desprezam o homem, o ser humano. Uma triste contradição que definitivamente não honra a memória de um dos mais talentosos compositores da história da música.

quarta-feira, 28 de julho de 2021

Um alienígena lá em casa!

 


Esse filme, um clássico, se tornou inesquecível pra mim também por uma experiência pessoal.
Em 1979, por meio do intercâmbio da faculdade da minha irmã, recebemos lá em casa um jovem americano de seus 18 anos que veio ao Brasil para aprender português.
Mark, apesar da pouca idade, já chegou aqui falando alguma coisa do idioma. Adorava feijão com arroz e sempre se mostrou muito educado com todos. Confesso que, à época, ele fugia ao meu conceito sobre os americanos em geral. Aquela foi minha primeira lição sobre os cuidados que devemos ter com clichês e preconceitos. 
Em seu último dia lá em casa, Mark se despedia de todos justamente na hora em que eu saía para ver "Alien" no Cine Palácio, no Centro. Resolvemos ir juntos já que pegaríamos o mesmo ônibus. Durante a viagem, eu comentei que estava indo ao cinema. Como tinha tempo, ele decidiu me fazer companhia para conhecer uma sala de cinema no Brasil. Naquela época, o Palácio era um dos cinemas mais luxuosos do Rio. O carpete, lembro bem, era tão grosso que afundava o pé, sem contar a tela, uma das maiores da cidade. Era um tempo em que a Cinelândia ainda fazia justiça ao nome.
Antes da sessão, paramos num bar da Rua Nilo Peçanha para tomar uma cerveja de despedida, quando conversamos sobre as impressões que ele levava do Rio e um possível retorno ao Brasil no futuro.
Em seguida, já no cinema, ao entrarmos na sala de exibição, Mark, impressionado, perguntou se todos os cinemas do Rio eram como aquele. Não resisti e acabei respondendo que a maioria era porque queria que ele voltasse aos EUA com a melhor impressão do país. Depois do filme, nos despedimos ali mesmo, na porta do cinema.
Com o passar dos anos (não havia internet), minha irmã perdeu o contato com Mark e nunca mais o vi ou soube dele.
Ouvindo agora a belíssima trilha sonora do filme, lembrei desse episódio com Mark, certamente um jovem inteligente, curioso e de espírito aventureiro.
Espero que Mark, (se vivo, e espero que sim!) agora com seus 60 anos, venha tendo uma vida plena de realizações e que guarde boas lembranças da minha família, do Rio e do Brasil. E que ainda tenha com ele a bandeira do Brasil que lhe dei como recordação do país que o acolheu por alguns meses.

segunda-feira, 19 de julho de 2021

Bach, Leipzig, Mahler e a "Sinfonia dos Mil"!

 


Assistindo ao concerto com a "Gewandhausorchester Leipzig" executando a "Sinfonia dos Mil", a oitava de Mahler, sob a regência do titular Riccardo Chailly (foto).
Não posso deixar de lembrar do dia, em maio de 2016, em que estive na sede/sala da orquestra, uma das mais antigas e tradicionais da Alemanha, fundada em 1781. Depois de percorrer as instalações, dei uma passada na loja para cumprir um "ritual" infalível em todas as cidades que visito em minhas viagens - "garimpar" cds clássicos impossíveis de encontrar no Brasil!
Sem novidades a bons preços, comprei esse cd (foto) com uma coletânea de músicas para a noite de Natal (weihnachten), gravadas pela orquestra local e o famoso coro infantil "Thomanerchor", também de Leipzig, criado no longínquo ano de 1212!
Guardo ótimas lembranças daquele dia em Leipzig, quase todo dedicado ao grande mestre Bach. É uma cidade de forte tradição musical. Lá nasceu Richard Wagner e viveram Mendelssohn e o grande mestre Johann Sebastian Bach. Visitei a igreja de St. Thomas, em cujo órgão Bach tocou diversas vezes, o Museu Bach, que reúne instrumentos e partituras originais do compositor e, claro, a sede da tradicionalíssima "Gewandhausorchester".
Foi minha primeira viagem ao leste da Alemanha, que, mesmo após mais de 25 anos da reunificação do país, ainda mantinha em 2016 fortes traços econômicos, arquitetônicos e culturais do longo período em que esteve sob o domínio soviético.
Uma viagem inesquecível!




sábado, 10 de julho de 2021

Barcelona em família!

Hoje faz exatamente 10 anos que deixei Barcelona pela última vez, após a visita aos primos espanhóis. Eu estava acompanhado da minha irmã, numa viagem que incluiu também Alemanha, França, Suíça e Áustria. O voo para o Rio, pela Air France, previsto para as 6 da manhã, tinha conexão em Paris. Era um domingo, e acordamos muito cedo, por volta das 4h. Minha prima, apesar de nossos apelos para que ficasse em casa, fez questão de nos levar ao aeroporto, tirando o marido Rafael da cama em plena madrugada, justamente num dia de descanso.
Foi muita correria. Além da tensão no aeroporto de Barcelona por causa da bagagem de mão que tive que despachar com todos os cds comprados na Europa, o voo atrasou e tivemos que correr muito no aeroporto de Paris para não perder a conexão para o Rio. A lembrança da cena da minha irmã correndo (com maleta e tudo!) me faz rir até hoje. Eu corri na frente na tentativa de "retardar" o voo, dando tempo para ela chegar ao portão de embarque, mas ela achou (e acha até hoje!) que a deixei para trás! Fazer o quê?
No final, deu tudo certo. Encontramos o portão de embarque e nos acomodamos no avião, que ainda levou quase uma hora para decolar, aguardando um outro voo de conexão que estava atrasado. Enquanto isso, eu esperava que minha bagagem de mão com os cds "preciosos" despachada em Barcelona também estivesse devidamente "acomodada" no voo. Só relaxei quando finalmente a recuperei intacta na esteira do "Tom Jobim". Ufa!!
Saudade de tudo aquilo; de cada minuto, de cada emoção, de cada surpresa e até de cada contratempo enfrentado naquela viagem, inesquecível como tantas outras que realizei nos últimos 26 anos.






sexta-feira, 2 de julho de 2021

Beethoven libertário e eterno!

 


Beethoven era um compositor libertário (e visionário!).
Simpatizante da Revolução Francesa (1789), que defendia valores como liberdade, igualdade e fraternidade entre os homens, sua ópera "Fidelio", de 1805, trata justamente da tentativa de libertação de um preso político por sua amada, que se disfarça de homem para ingressar no presídio e promover sua fuga. Uma história de amor permeada de valores humanitários que encontra eco até os nossos dias, num mundo onde os direitos humanos vêm sendo cada vez mais questionados ou negados.
Em Dresden, às vésperas da queda do muro de Berlim, em 1989, após uma récita de "Fidélio", concluída com um belíssimo coro em defesa da liberdade, o público que deixa o teatro resolve aderir às manifestações de rua que pedem reformas democráticas na então Alemanha Oriental. Em poucos dias, o muro de Berlim caía e o próprio bloco soviético se dissolvia para sempre.
Beethoven, portanto, ainda era capaz de falar aos corações e mentes dos homens, inspirando movimentos libertários quase 200 anos após compor sua única ópera.
Em toda a História da música, nenhum outro compositor desempenhou papel semelhante (ou enxergou tão longe!).

terça-feira, 29 de junho de 2021

Football x soccer

 


Faz algum tempo, em artigo publicado na imprensa americana, a jornalista Ann Coulter, de posição política ultraconservadora, afirmou que o aumento da popularidade do futebol nos Estados Unidos é sinal da decadência moral do país. Segundo ela, depõe contra o futebol o fato de que o desempenho individual nesse esporte não seja fator decisivo, ao contrário do que ocorre nos esportes "de verdade". Ela sustentou, ainda, que no futebol o mérito e a culpa são sempre compartilhados, não havendo espaço para um único vencedor ou perdedor, ou seja, não haveria responsabilidades individuais a imputar nos resultados dos jogos. E foi além, afirmando que no final de uma partida de futebol americano os lesionados são levados de ambulância para o hospital; já no futebol "europeu" (é assim que os americanos costumam se referir ao futebol jogado majoritariamente com os pés) os jogadores recebem apenas energéticos.
Diante desses comentários, acredito que a polêmica jornalista, em síntese, deve achar que o futebol popular no mundo inteiro é um esporte civilizado demais para ser praticado e apreciado pelos compatriotas. E não deve ser uma voz solitária na sociedade americana. Sem qualquer julgamento do mérito (certo ou errado), acredito que sua opinião reflita, em grande medida, o papel preponderante do individualismo e da violência na cultura dos EUA.

segunda-feira, 21 de junho de 2021

Paris de todas as tribos musicais!

 

"Psyché and Eros", belo e comovente poema sinfônico de César Franck (1822-1890), está impregnado de um romantismo já há muito perdido no tempo. Infelizmente, é uma das obras mais negligenciadas do período romântico (século XIX) e que raras vezes integra os programas de concerto.
Por sorte, exatamente há 13 anos, em 21 de junho de 2008, tive a oportunidade de assistir a um concerto em Paris com a Orquestra Nacional da França e o Coro da Rádio França, sob a regência do já falecido Kurt Masur, executando justamente essa obra. Foi uma tarde inesquecível no Museu D'Orsay, por ocasião da "Fête de La Musique", festival de música realizado desde 1982 exatamente no dia que abre o verão no hemisfério norte (solstício de verão). Paris para quase que literalmente por conta do evento, que reúne artistas (consagrados e anônimos) de vários gêneros musicais. Ruas, praças, bares, museus, igrejas e até estações de metrô da cidade ficam lotadas de moradores e turistas ávidos por desfrutar, gratuitamente, de alguns momentos de boa música (ao vivo), seja rock, pop, jazz, rap ou clássico.
Passei anos tentando encontrar o cd com a obra de César Franck em minhas viagens, mas acabei conseguindo aqui mesmo no Rio, há alguns anos, num sebo perto da Praça Tiradentes. Um sebo que literalmente foi pelos ares com a explosão de botijões de gás do restaurante ao lado. Ao longo de anos, adquiri ali vários cds raros, talvez dezenas, da minha extensa coleção. Hoje, no Rio, só resta uma loja de clássicos/jazz, a "Arquivo Musical", localizada na Travessa do Ouvidor. Mas a situação em São Paulo não é muito diferente. As únicas lojas de "clássicos" são as da Sala São Paulo e do bairro de Campo Belo, sede da editora que publica a Revista "Concerto". Fora isso, só é possível encontrar cds usados em alguns sebos espalhados pela cidade.