domingo, 30 de março de 2014

Ciganos na Europa e a vocação do Brasil


Acampamento cigano na Europa, no séc. XIX

Segundo o site do jornal "El País" (link abaixo), de Madrid, o governo sueco acaba de admitir publicamente que o país perseguiu e esterilizou ciganos, além de raptar suas crianças, ao longo do século passado. O objetivo do atual governo, de acordo com a matéria, é "acertar as contas com o passado para tratar de melhorar o presente". 
Tomara que outros países do continente europeu (e do mundo!), inspirados pelo gesto sueco, resolvam seguir o exemplo, assumindo para as novas gerações e para o mundo que tiveram (ou têm) as mesmas práticas, não apenas em relação aos ciganos, mas também a diversas minorias étnicas e sociais desfavorecidas.
É preciso admitir que arte e cultura milenares e belas paisagens não encobrem o passado (em algumas regiões, o próprio presente) sombrio dos povos da Europa. E é de lá, para o bem ou para o mal, que herdamos tudo que somos e representamos no contexto da cada vez mais questionada e decadente civilização ocidental. 
Por sua diversidade humana, artística e cultural, peculiar exatamente por conter uma mescla de diferentes origens e elementos étnicos, o Brasil pode perfeitamente propor ao mundo caminhos alternativos, pavimentados por um novo e avançado conjunto de valores civilizatórios. Sinceramente, acredito que essa seja a nossa verdadeira vocação, mas ainda não estamos credenciados para tal desafio porque insistimos em chafurdar em mazelas sociais, econômicas e políticas já há muito superadas no mundo mais desenvolvido. Eleições após eleições, caminhamos a passos de cágado (quando não patinamos sem sair do lugar!) em direção ao futuro. Enquanto isso, deixamos de efetivamente fazer a diferença no mundo, sem qualquer pretensão, é claro, de gigantismo ou imperialismo.


Família de ciganos na Sérvia

domingo, 23 de março de 2014

"Cidade das Artes" e o jogo dos incontáveis erros



Estive ontem, pela primeira vez, na "Cidade das Artes", um dos mais novos elefantes brancos do Rio de Janeiro, obra faraônica do período de César Maia na prefeitura da cidade, que custou em torno de 600 milhões de reais!
Convidado por uma amiga, fui lá para assistir ao concerto de abertura do "15xÁustria", evento promovido pela Prefeitura do Rio de Janeiro, em parceria com a Embaixada da Áustria, com as participações da OSB, conduzida pelo maestro titular Roberto Minczuk, e do convidado especial Rainer Honeck, primeiro violinista da Orquestra Filarmônica de Viena. 
Sob o ponto de vista artístico, o programa, que incluiu o concerto para violino de Beethoven e a 1ª sinfonia de Brahms, foi excelente. Gostei bastante da performance da OSB, que parece melhorar a cada ano, e da acústica do local, embora eu não seja especialista nessa área. 
Quanto às instalações da complexo "Cidade das Artes", fiquei profundamente decepcionado com o que vi. Tudo ali parece o jogo, não dos 7, mas dos incontáveis erros. Logo ao chegar nas imediações do local, tivemos dificuldade para encontrar a entrada do estacionamento, tamanha a precariedade da sinalização. Já no interior da "Cidade", também muito mal sinalizado, enfrentamos um calor insuportável enquanto aguardávamos na fila para entrar na sala de concertos. Como o evento era promocional e a entrada livre em todos os setores (à exceção da plateia, reservada para os convidados mais ilustres), escolhemos assistir ao concerto do camarote, em frente ao palco. Péssima ideia! As cadeiras são apertadíssimas e o espaço para as pernas é insuficiente. Para que alguém passe, você precisa se levantar, caso contrário, nada feito! O elevador, embora tenha capacidade para algo em torno de 15 pessoas, estava levando apenas 6, segundo o funcionário da manutenção, por medida de segurança. O pior é o banheiro. Num complexo gigantesco como aquele, no qual podem circular mais de mil pessoas num único evento (só a "Grande Sala", local destinado aos principais concertos, tem 1800 lugares!), há apenas dois mictórios e duas cabines. E só vi um banheiro no andar dos camarotes. Certamente por causa disso, presenciei lá uma cena rara - fila em banheiro masculino. Enfim, há muito mais equívocos naquilo tudo, mas a lista é extensa e cansativa.
Finalmente, devo dizer que não consegui encontrar qualquer justificativa para a aplicação de 600 milhões de reais na construção daquelas instalações. Nada ali parece indicar isso, mas essa matéria é complexa (ou nebulosa) e requer uma apreciação mais criteriosa dos especialistas. 


sexta-feira, 21 de março de 2014

Promessa de novas emoções?


O sorteio, realizado ontem, dos jogos das quartas de final da Liga dos Campeões da Europa, que definiu mais um confronto entre Manchester United e Bayern de Munique na competição, me fez recordar da final antológica de 1999, entre os dois times, disputada no Camp Nou, em Barcelona. 
Na verdade, não há adjetivo que traduza as emoções contidas nos momentos finais daquela partida, que terminou com o placar de 2 a 1 para o time inglês. Durante quase todo o jogo, o Manchester United foi dominado taticamente pelo Bayern de Munique, que fez 1 a 0, sem dar o menor sinal de que teria condições de superar a equipe alemã. Surpreendentemente, o time inglês virou o jogo com dois gols de escanteio, marcados no acréscimo, que representaram a glória suprema para os ingleses e uma tragédia colossal para os alemães. As cenas dos jogadores do Bayern de Munique desabando (e chorando) no gramado do Camp Nou, após o apito final, foram comoventes. Não menos emocionante foi a festa proporcionada por torcedores e jogadores ingleses, dominados por um alegria contagiante. 
Talvez todos os envolvidos no episódio, vencedores e vencidos, não estivessem acreditando no que acabava de acontecer. Tenho certeza de que Barcelona foi palco, naquela noite, de um dos episódios mais memoráveis da história do futebol. Eu mesmo nunca vi nada igual, nem antes, nem depois. Aliás, jornadas como aquelas explicam a paixão avassaladora que este esporte (ainda) desperta em todo o mundo.
O vídeo abaixo mostra os últimos minutos da partida, com transmissão da tv alemã, e a reação de narrador, jogadores e torcedores dos dois times.

terça-feira, 18 de março de 2014

Rivaldo, uma bela carreira que termina no ostracismo






















Após atuar no último domingo pelo modesto Mogi Mirim, do interior de São Paulo, Rivaldo se despediu do futebol, aos 41 anos, realizando o sonho de jogar ao lado do filho Rivaldinho.
A timidez, a simplicidade e o temperamento recluso de Rivaldo acabaram levando-o praticamente ao ostracismo no final da carreira. É uma pena. O jogador merece de todos nós reconhecimento e gratidão por tudo que fez pelo futebol brasileiro. Curiosamente, a única vez que o vi jogar foi no Camp Nou, pelo Barcelona, na última rodada do campeonato espanhol, em 1999, ano em que foi eleito pela FIFA o melhor jogador do mundo. Naquela longínqua tarde de 13 de junho, um domingo, diante de quase 70 mil torcedores, e com o Barça já campeão da Liga por antecipação, ele deu um show de bola contra o Bétis (4 a 1), e ainda fez um gol, coroando uma temporada perfeita no clube catalão.
Mas não podemos esquecer que Rivaldo foi também um dos maiores responsáveis pelo pentacampeonato conquistado pelo Brasil na Copa do Mundo de 2002. Uma bela trajetória (900 jogos!) que não pode ser desprezada pelas novas gerações.


Rivaldo em ação ao lado do filho Rivaldinho

segunda-feira, 17 de março de 2014

A revisão do passado sombrio de Heidegger




A publicação na Alemanha, nas últimas semanas, dos 8 volumes dos escritos autobiográficos (Cadernos Negros) de Martin Heidegger (1889-1976) promete estimular o debate sobre as relações perigosas do filósofo alemão com o nazismo.
Os textos e as manifestações públicas de Heidegger já conhecidas revelam o antissemitismo do pensador e sua adesão ao regime nazista. Por tudo que li até agora, excluídos os "Cadernos Negros", não acredito que, no caso de Heidegger, se deva aplicar o princípio da contextualização, tão difundido recentemente, com o qual se pretende diminuir ou mesmo retirar a culpa de determinados personagens e setores da sociedade alemã nos tristes episódios da II Guerra, considerando possíveis circunstâncias atenuantes em que se deram os acontecimentos. Aliás, entendo que precisamos ter cuidado com a aplicação dessa tese sem o devido critério. Daqui a pouco, todos acabarão sendo absolvidos por conta disso, até mesmo o líder máximo do III Reich.
Não podemos negligenciar o fato de que um genocídio foi cometido em pleno século XX, ceifando a vida de milhões de inocentes, incluindo judeus, ciganos, homossexuais e deficientes físicos e mentais, entre outras minorias. Logo, trata-se apenas do imperativo de responsabilizar as pessoas que, por ações, omissões ou opiniões, contribuíram para a perpetração daqueles crimes hediondos.
Reconheço que não me agrada nem um pouco essa onda revisionista que vem reavivando os debates sobre o assunto nos últimos anos. Tem muita gente de boa-fé que adota esse discurso sobre pessoas e acontecimentos daquela época, acreditando que uma nova análise, sob uma perspectiva histórica, permite rever alguns conceitos e julgamentos relativos ao episódio. Mas é preciso ressaltar que há também aqueles que se aproveitam disso para tentar, com propósito no mínimo reacionário, distorcer ou empanar os fatos.
Por coincidência, estou lendo o livro "O Trauma Alemão", de Gitta Sereny, que trata também dessa matéria, e com bastante propriedade. Entre tantas que já li, essa obra, que inclui entrevistas realizadas com líderes nazistas e pessoas comuns (vítimas e algozes), é a que mais se aproxima de uma explicação razoável para tudo que ocorreu na Alemanha durante aquele período. Estou na metade da leitura, mas já recomendo.



sábado, 15 de março de 2014

O lado humano de "Cosmos"


Carl Sagan e Neil deGrasse Tyson

Gostei do primeiro episódio da nova série "Cosmos", embora Neil deGrasse Tyson, o atual apresentador, não tenha nem a metade do carisma de Carl Sagan. Bem, é preciso reconhecer também que se torna difícil pra qualquer um competir com o mito em que se transformou Sagan, principalmente após a sua morte. 
Por outro lado, vale destacar que, mais do que todos os conceitos científicos transmitidos no programa, o que me impressionou e comoveu particularmente foi o aspecto humano revelado por Neil Tyson ao descrever seu primeiro encontro com o então já conceituado Carl Sagan, em 1975. Mal saído da adolescência (17 anos), o jovem Tyson foi convidado pelo cientista para conhecer seu local de trabalho. Após acompanhar o rapaz por um dia inteiro pelas instalações do laboratório, Sagan o levou até o ponto de ônibus, deixando com ele o número do seu telefone, e oferecendo a própria casa da família para Tyson passar a noite, caso o ônibus não aparecesse, já que nevava bastante naquele dia. 
Esse singelo evento, que demonstra cuidado e atenção de um profissional já consagrado com um simples estudante, certamente marcou e inspirou Neil Tyson, que fez questão de descrevê-lo, em detalhes, no primeiro episódio do programa. Isso, por si só, já teria sido um belo legado deixado por Carl Sagan, não só para Tyson, mas para todos nós, agora que conhecemos a história, afinal, ninguém precisa escrever um livro, fazer um filme ou mesmo governar um país para fazer a diferença. Esse é, aliás, um bom exemplo de como um simples gesto de amor ao próximo pode mudar a vida de uma pessoa e até o mundo.


segunda-feira, 10 de março de 2014

A "batalha das flores" em Viena e a anexação da Áustria




Um das páginas mais tristes e vergonhosas da história da Áustria, outrora sede de um dos últimos impérios europeus, começou a ser escrita no dia 13 de março, há 76 anos, na que ficou conhecida como blumenkrieg, ou "Batalha das Flores", quando uma multidão de 250 mil austríacos, em delírio e portando flores, recebeu Hitler em Viena. Era o início da anschluss, a anexação da Áustria pelo III Reich alemão.
Por muitos anos, a Áustria preferiu posar de vítima, transferindo toda a responsabilidade do evento para o país vizinho. Somente nas últimas décadas do século passado o país resolveu encarar os fatos e assumir seu triste papel na II Guerra, promovendo na sociedade uma visão mais crítica em relação ao nazismo e à perseguição aos judeus durante o conflito. 
Segundo o austríaco Oliver Rathkolb, professor de História Contemporânea da Universidade de Viena, em entrevista à TV alemã "Deutsche Welle", há ainda na Áustria, e na própria Alemanha, uma forte tendência dos mais jovens de "colocar um ponto final no assunto", o que é até compreensível, já que não tiveram qualquer participação nos eventos infames daquele período. Exatamente por isso, Rathkolb acredita que, a cada dez anos, a dolorosa história protagonizada pelos dois países deve ser "rediscutida e reelaborada para a geração seguinte".




domingo, 9 de março de 2014

Em Vaduz, por acidente




Em viagem de carro com amigos da Alemanha nas férias do ano passado, ao atravessar os alpes suíços em direção à Áustria, após visitar belíssimas aldeias típicas da região, acabamos, quase que por acaso, encontrando Vaduz, a capital do principado de Liechtenstein. 
Não programamos passar por lá, mas essa é uma das vantagens de "colocar o pé na estrada", sem roteiro muito definido. Depois de horas percorrendo as estradas da região, e sem encontrar qualquer controle de fronteira, acabamos na praça central da cidade, um lugar verdadeiramente "fora desse mundo". Era um final de tarde de verão, mas, como o sol ainda não se punha, aproveitamos a oportunidade para tomar uma cerveja no bar da praça e tirar fotografias. Em seguida, ainda animados com a surpresa da viagem, passeamos um pouco pelas redondezas, explorando o reduzido comércio local, já quase todo fechado em função do horário. Finalmente, resolvemos seguir viagem, impressionados com a beleza e a presumível alta qualidade de vida da cidade e do próprio principado. Uma experiência encantadora que jamais esquecerei, e que devo principalmente aos amigos alemães, que sempre nos levam aos lugares mais surpreendentes e encantadores da Alemanha e da Europa.



segunda-feira, 3 de março de 2014

José Padilha e a carência do cinema nacional



Gostei da entrevista de José Padilha, diretor de "Tropa de Elite" (1 e 2) e do recente "Robocop", para o programa "Almanaque", da Globo News. Além de tratar com propriedade as questões específicas da indústria cinematográfica, aqui e em Hollywood, o diretor revelou um raro bom senso na abordagem de temas mais delicados da nossa sociedade, como a relação entre manifestações de rua, "black blocs" e segurança pública. 
Entretanto, destaco o comentário de Padilha a respeito da carência de bons roteiristas no cinema nacional, ao contrário do que ocorre nos EUA. Segundo ele, isso se deve à diferença da quantidade de profissionais que se dedicam a esse ofício no Brasil e em Hollywood. 
Em minha opinião, com uma indústria cinematográfica estabelecida há quase um século, a carreira de roteirista nos EUA é uma realidade e muitos desejam se inserir nesse mercado cada vez mais competitivo. Como a indústria de cinema no Brasil, apesar dos sucessos de bilheteria dos últimos anos (incluindo os dois "Tropa de Elite" do cineasta), ainda não se consolidou, com limitadas oportunidades e baixa remuneração, poucos aqui se dedicam a essa prática, o que explica, pelo menos em parte, nossa carência na área.




Cinema, música e preconceito



Como já devem ter percebido (aqueles que assistem, é claro), durante a entrega dos prêmios do Oscar, a cada vez que um apresentador/convidado (ou dupla) entra no palco, a produção toca ao fundo um pequeno trecho (entre 5 e 10 segundos) de uma trilha sonora selecionada entre tantas da história do cinema. Isso, na verdade, já é uma tradição na festa, mas uma música em especial me chamou a atenção essa noite. Logo nas primeiras notas, reconheci a bela e injustamente esquecida trilha sonora composta por Elmer Bernstein para o clássico "O Sol é para Todos" (1961), de Robert Mulligan, baseado no romance homônimo de Harper Lee, vencedor do Pulitzer de 1960.
Para quem não se lembra, o filme tem Gregory Peck no papel de um advogado íntegro, viúvo e pai de duas crianças, que resolve defender um homem negro acusado injustamente de estuprar uma jovem branca. Com essa iniciativa corajosa ele desafia os moradores racistas de Maycomb, pequena cidade onde vive no Alabama, nos EUA, no início da década de 1930, que condenam o réu antes de qualquer julgamento.
Como podem ver, preconceito e prejulgamentos são temas que, infelizmente, não perdem a atualidade, e não só nos EUA.
Uma faixa do cd da também clássica (e rara) trilha sonora composta por Elmer Bernstein pode ser ouvida no vídeo abaixo.