sábado, 29 de setembro de 2012

O primeiro ex-Beatle


É realmente singular a história de Stuart Sutcliffe, o primeiro baixista dos Beatles. Ele fazia parte da formação original da banda na turnê de Hamburgo, em 1960, mas não seguiu com os demais para ficar com a nova namorada alemã e dedicar-se à pintura, sua verdadeira paixão. 
O mais comovente nessa história foi o triste fim do rapaz, morto meses depois, vítima de um derrame cerebral, ainda aos 21 anos. Na verdade, a morte de jovens é sempre um assunto que me sensibiliza particularmente. Como não podemos saber em que se transformariam, fica sempre uma aura de mistério e encanto em torno desses personagens.
No mais, é curioso como algumas pessoas, a exemplo de Sutcliffe, que acabou não integrando a formação definitiva da banda mais popular de todos os tempos, se tornam famosas e entram para a história justamente pelo que deixaram de fazer.



Paul McCartney e Stuart Sutcliffe na fase inicial da banda

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Arte e Virtude


Ao ouvir "As Quatro Últimas Canções", bela e comovente obra composta por Richard Strauss já no fim da vida, aos 84 anos, pensei em como, desgraçadamente, alguns grandes artistas acabam manchando suas biografias, por ação ou omissão, em períodos sombrios da história.
Em relação à música, há vários exemplos de compositores, músicos e regentes que estiveram associados ao nazismo durante a 2ª Guerra. Por certo, alguns não chegaram a se envolver diretamente com o regime, mas também não tiveram coragem suficiente para se opor publicamente ao movimento, passando a desfrutar de eventuais benefícios concedidos pelos nazistas. Tudo isso, claro, concedendo um necessário "desconto" relativo às circunstâncias da época, quando a vida de opositores do regime valia muito pouco.
No caso particular de Richard Strauss, ele teria aceitado a nomeação para o cargo de diretor musical do III Reich e, mais tarde, dedicado uma canção a Joseph Goebbels, então ministro da propaganda de Hitler. O fato é que, hoje em dia, raramente lemos algo sobre Strauss sem que nos deparemos com referências críticas a sua associação com o nazismo, o que é perfeitamente natural, já que é (quase) tudo verdade e faz parte da História.
Por outro lado, também é lamentável porque se trata de um compositor de rara inspiração, que nos deixou um precioso legado musical, com destaque para as óperas "Salomé", "Elektra" e "O Cavaleiro da Rosa", além dos poemas sinfônicos "Morte e Transfiguração" (meu preferido) e "Assim falou Zaratustra", este último celebrizado pela utilização na sequência de abertura do filme "2001: Uma Odisseia no Espaço".
Na verdade, posturas equivocadas, por medo ou convicção, não são um monopólio de gente ligada à música. Na década de 50, nos EUA, durante o período do macarthismo, muitos intelectuais e artistas consagrados do cinema sucumbiram à febre anticomunista promovida pelo senador Joseph McCarthy, delatando colegas, a maioria para evitar perseguição e boicote profissional.
O que nos serve de alento, ou nos redime, é que, apesar dos riscos, muitas vezes de morte ou de privação da liberdade, há aqueles que reagem às injustiças e ao terror. Em Hollywood, Humphrey Bogart e John Huston, dentre outros, resistiram às pressões para delação de companheiros, ao contrário do diretor Elia Kazan, que entregou vários nomes ao comitê do senador McCarthy. Já no caso da música, o regente italiano Arturo Toscanini, por exemplo, nunca se rendeu aos fascistas e a Mussolini, tendo desafiado o ditador várias vezes enquanto trabalhou na Itália.
Como os artistas, acima de tudo, são seres humanos, arte e virtude, para o bem ou para o mal, nem sempre caminham juntas.

Paisagem idílica da Baviera que inspirou várias obras de Richard Strauss

domingo, 23 de setembro de 2012

"Antes da Meia-Noite"


Segundo o site Deadline, o diretor Richard Linklater confirmou a conclusão das filmagens do terceiro longa-metragem sobre o romance entre Celine (Julie Delpy) e Jesse (Ethan Hawke), protagonistas de "Antes de Amanhecer" (1995) e "Antes do Pôr-do-Sol" (2004). 
"Antes do Amanhecer" teve Viena como cenário para o romance. Já Paris foi a cidade em que o casal se reencontrou 9 anos depois, em "Antes do Pôr-do-Sol". O título do terceiro filme é "Antes da Meia-Noite" e a cidade escolhida para cenário foi Cardamili, na Grécia. Como ocorreu nas duas primeiras produções, o roteiro do terceiro filme foi assinado pelos três, Julie, Ethan e Linklater. 
Quem gostou dos dois primeiros filmes, como eu, deve estar ansioso para assistir a essa sequência, cujo lançamento está previsto para 2013. 


sábado, 22 de setembro de 2012

Ao mestre, com carinho


Jerry Goldsmith, falecido em 2004, compôs um belíssimo score para o filme "Explorers" (1985), ou "Viagem ao Mundo dos Sonhos", título da produção no mercado nacional. Trata-se de uma história bobinha (como tantas outras de Hollywood) que já estava esquecida em minha desbotada memória antes de rever o filme recentemente, mas a música figura entre as mais expressivas da profícua carreira do compositor.
Nascido e criado em Hollywood, Jerry Goldsmith estudou com o mestre Miklós Rozsa (Ben Hur, Quo Vadis, Rei dos Reis etc) e compôs para quase 200 filmes. Seus trabalhos mais destacados foram para "Jornada nas Estrelas", "O Planeta dos Macacos", "A Profecia", "Chinatown", "Patton", "Poltergeist", "O Vingador do Futuro" e "A Múmia". Na verdade, pouquíssimas trilhas de Jerry podem ser consideradas medíocres.
O fato é que em "Explorers" o compositor nos oferece uma obra lírica por excelência. Sua música embala com ternura e sensibilidade a ingênua aventura intergaláctica dos três personagens teens da história. Ao ouvi-la, ainda que sem as imagens, podemos resgatar um pouco a criança que todos fomos um dia, ou que nunca deixamos de ser verdadeiramente. Em especial, destaco o corte "have a nice trip", da cena que encerra o filme, na qual os meninos, com sua fértil imaginação, sobrevoam a cidade. A doce melodia que acompanha as imagens é pura magia musical.
Embora não esteja mais entre nós, agradeço a Jerry Goldsmith pelo mundo de beleza e encantamento que proporcionou a muitos que tiveram a oportunidade de conhecer suas obras. 
O vídeo contém uma excelente coletânea de trabalhos do compositor, que inclui um pequeno trecho da música de “Explorers”. 


O exemplo de Barcelona


A visita que fiz a Barcelona no ano passado, quando levei minha irmã para conhecer pessoalmente os primos espanhóis, serviu para consolidar as melhores impressões que eu já tinha da capital catalã. O ponto alto da cidade é, em minha opinião, o Port Vell, porto antigo que foi completamente reformado para os Jogos Olímpicos de 92, dispondo hoje de cinemas, bares, discotecas, shopping etc. O Paseo de Gracia também é muito bonito, lembrando, sem favor algum, a famosa Champs Elysées de Paris.
Com tudo que vi, fica a preocupação com nosso compromisso olímpico para 2016. É difícil imaginar o Rio oferecendo à comunidade esportiva internacional a invejável infraestrutura esportiva, urbana e de transporte disponível em Barcelona. Não creio que em apenas 4 anos possamos realizar todas as obras necessárias para o evento. Devo esclarecer que minhas reservas não dizem respeito à competência dos brasileiros para fazer e sim à honestidade e à seriedade das autoridades e políticos envolvidos no projeto. Tomara que eu esteja equivocado.
O vídeo abaixo mostra Barcelona antes e depois das Olimpíadas de 1992, revelando as profundas transformações realizadas na cidade para o evento, em apenas 6 anos.


Tributos a um grande artista


Dois vídeos em homenagem a Georges Delerue, compositor francês já falecido que encantou gerações com melodias ternas e delicadas, para filmes de profundo sentimento humanista.
A obra de Delerue é um testemunho de sua extrema sensibilidade e fez dele um artista único em seu tempo.


"Nunca te Amei"


"Nunca te Amei" é uma refilmagem (1994) do clássico inglês "The Browning Version", de 1951. A história trata da iminente aposentadoria de um professor rigoroso (pouco estimado pela maioria dos alunos) e suas relações com a esposa infiel e um aluno sensível. A versão original é a única disponível em dvd no mercado nacional, mas ambas já foram exibidas na Net. Um excelente programa para quem trabalha com educação.
O vídeo contém uma das cenas mais emocionantes do filme, embora aqui esteja fora do contexto.


sexta-feira, 21 de setembro de 2012

"O Boulevard do Crime"


A França produziu nos anos 40 "O Boulevard do Crime", filme dirigido por Marcel Carné, um dos maiores representantes do realismo poético, principal corrente estética do cinema francês no período. E poderia não ter produzido mais nada que, ainda assim, estaria garantido o lugar de honra do país na cinematografia mundial. 
O filme, que faz uma representação ao mesmo tempo poética e cínica da boemia, da cena teatral e dos cabarés de Paris no início do séc. XIX, é uma obra-prima indiscutível, resultado da parceria bem-sucedida do cineasta com o pintor e poeta Jacques Prévert. 
Além da magnífica direção de Carné, a produção conta com performances marcantes de seu triângulo amoroso, formado por Garance (Arletty), Fréderick Lemaitre (Pierre Brasseur) e Baptiste (o mímico, vivido por Jean-Louis Barrault), e com o excelente roteiro de Prévert, que joga o tempo inteiro com os conceitos de ficção/realidade e com os códigos de representação do cinema e do teatro, ignorando inteligentemente suas fronteiras. 
Esses elementos reunidos conferem à produção uma rara excelência, principalmente se considerarmos as enormes dificuldades para sua realização, num período conturbado como foi o início da década de 40, com a França ocupada pelos nazistas e dividida entre os colaboracionistas e a resistência.
Após mais de meio século, "O Boulevard do Crime" continua sendo uma obra complexa e de vários significados, apesar de sua aparente simplicidade. E na era do blu-ray e das restaurações/remasterizações digitais, que operam milagres na recuperação de sons e imagens, o filme merece ser descoberto pelas novas gerações de cinéfilos. 


Uma mulher extraordinária

A história da charmosa livraria "Shakespeare and Company", atualmente localizada à margem esquerda do Sena e bem pertinho da Catedral de Notre Dame, revela uma das personalidades mais interessantes da Europa no século XX.
Frequentado por escritores e intelectuais, entre eles Hemingway, Fitzgerald, Gertrude Stein e James Joyce, o local tornou-se centro da agitação cultural dos anos 20 e 30 em Paris. Sylvia Beach, proprietária e fundadora, foi a primeira editora a publicar "Ulisses", obra singular de James Joyce que até hoje desafia os leitores por sua narrativa extensa, hermética e incomum.
Em dezembro de 1941, durante a ocupação alemã, Beach protagonizou um episódio memorável de resistência ao negar-se a vender a um oficial nazista o último exemplar disponível de "Finnegan's Wake", também de Joyce e assinado pelo autor. Com a ameaça de ter todo o estoque de livros confiscado, ela fechou o estabelecimento e escondeu o acervo. Nunca mais, porém, voltaria às atividades.
A livraria só reabriria em 1951, em outro endereço, por iniciativa do americano George Whitman, sobrinho distante do poeta Walt Whitman. Em homenagem a Beach, que frequentaria o local até morrer (em 1962), o novo proprietário batizou a filha com o nome de Sylvia Beach Whitman.
A trajetória de vida dessa mulher extraordinária me faz lembrar que algumas pessoas vêm ao mundo com uma missão especial que as torna ícones e exemplos para todos nós. O eco de seus pensamentos, palavras e atitudes permanece por gerações, estabelecendo ou consolidando os valores que servem de base para nossa civilização.


O Menestrel de Deus


Há alguns domingos, resolvi ouvir a sinfonia nº 9 de Anton Bruckner, compositor austríaco cuja peculiar história de vida certamente daria um belo filme. Ao contrário de outros grandes músicos que desde muito cedo tiveram consciência de seu talento incomum, como Bach, Beethoven, Mozart, Mahler e Wagner, esse homem simples do campo, criado e educado por padres num mosteiro, passou a maior parte da vida implorando por atenção e reconhecimento, embora tenha produzido obras monumentais tidas hoje como verdadeiras catedrais sonoras, frutos de sua profunda devoção religiosa. 
Em Viena, para onde se mudou somente aos 44 anos, em 1868, Bruckner enfrentou o desprezo de colegas músicos e de críticos locais influentes. Muitos caçoavam do compositor por sua insegurança, postura servil e até mesmo pelo despojamento com que se vestia, pecado mortal numa Viena ainda imponente e imperial. Submisso, não raras vezes, o compositor efetuou alterações significativas em suas composições já concluídas, visando agradar a críticos e músicos mais experientes e conceituados.
Apesar disso, passados mais de 115 anos de sua morte, a importância do legado de Bruckner é reconhecida por todos os amantes da "boa música", dentre compositores, intérpretes e público em geral. Suas obras, em especial as três últimas sinfonias e o Te Deum, são impregnadas de sincera e intensa religiosidade e oferecem ao mundo um inegável testemunho de fé e amor a Deus. 
Para quem deseja conhecer mais a respeito de Bruckner, além da internet, há no mercado o livro "O Menestrel de Deus", de Lauro Machado Coelho, única obra sobre o compositor publicada no Brasil.

Anton Bruckner

Arte e Ideologia


Recentemente, assisti ao lendário OLYMPIA, documentário dos Jogos Olímpicos de Berlim, de 1936, realizado por Leni Riefenstahl (de O TRIUNFO DA VONTADE), a cineasta de Hitler. Deixando de lado o deplorável aspecto ideológico da obra, já que se trata também de peça de propaganda nazista, não podemos negar a excelência artística e técnica do filme, principalmente se considerarmos os limitados recursos disponíveis na época da produção. 
Com apurado senso estético, a cineasta explora a plasticidade dos movimentos dos atletas, com tomadas de câmera e edição de imagens inovadoras, transformando algumas competições em verdadeiros espetáculos de poesia e dança. A melhor passagem do filme é quando Jesse Owens, atleta negro americano, derrota o alemão Lutz Long, no salto em distância. Uma autêntica bofetada em Hitler, em pleno estádio olímpico de Berlim lotado. 
O fato é que, após 76 anos, o documentário ainda impressiona, a despeito de funcionar também como eficaz e magistral obra de propaganda do III Reich.
Afinal, em que medida uma obra artística adquire vida e qualidade próprias, independentemente do caráter ou da ideologia do autor?


Filarmônica de Berlim ao vivo!


A Filarmônica de Berlim transmite seus concertos pela internet e ao vivo. Na Europa, são exibidos também nos melhores cinemas, como já acontece hoje, inclusive no Brasil, com os espetáculos de ópera do Metropolitan de Nova York.
Conheci a sede da mítica orquestra em 2010. Era o dia do concerto de encerramento da temporada. Todos vestidos elegantemente e eu passeando por ali de mochila, máquina fotográfica na mão, tênis surrado, bermuda e, acreditem, camisa da seleção brasileira! Parece mentira mas bastou pedir e eles me deixaram entrar. Das duas uma, ou eu sou um homem de muita sorte, ou efetivamente eles sabiam com quem estavam lidando.
Vejam o vídeo promocional da melhor orquestra do mundo, fundada em 1882.


A Direção de Arte no Cinema


O que dizer de uma função no cinema que é a maior responsável por tudo que se vê nas telas? Cenários, figurinos, maquiagem, iluminação, fotografia e até efeitos visuais, em maior ou menor medida, estão subordinados à concepção visual de um único profissional (ou equipe) - o desenhista de produção ou diretor de arte. 
Sinceramente, em especial nos filmes de época, acredito que ele seja mais importante do que o próprio diretor. Mas será que a remuneração costuma estar à altura de tamanha responsabilidade? Gostaria de saber!
O vídeo abaixo mostra o trabalho meticuloso da direção de arte realizado para o filme "A Invenção de Hugo Cabret".


A música que salvou "Psicose"

Após as filmagens de "Psicose", insatisfeito com o resultado, Alfred Hitchcock desistiu de lançar o filme no cinema, e reduziu a metragem em 1 hora para transmiti-lo apenas num especial televisivo. Percebendo o grande potencial das imagens, o compositor Bernard Herrmann sugeriu ao diretor que tirasse uns dias de férias e o deixasse trabalhar o material, inserindo a música. O resto da história todos já conhecemos. O filme se transformou no maior sucesso comercial de Hitchcock, um verdadeiro clássico do suspense. Um pouco da mágica produzida por Herrmann, talvez o mais cerebral dos compositores de cinema, pode ser conferida no vídeo abaixo.

Maldade tem limite?

O livro "Apoiando Hitler - Consentimento e Coerção na Alemanha Nazista", de Robert Gellately (Editora Record - 2011), descreve a participação da sociedade alemã na perpetração dos crimes hediondos cometidos pelos nazistas na II Guerra. Apesar de já ter lido bastante sobre o assunto, confesso que fiquei impressionado com os relatos de envolvimento das pessoas comuns, por ação, omissão ou covardia, no processo de legitimização do regime. E realmente fica difícil acreditar que apenas a maldade humana seja capaz de explicar tudo o que ocorreu naquele período. 
Como curiosidade, e para mostrar a que ponto chegaram a estupidez e a insanidade naqueles tempos sombrios, segue a transcrição de um comentário de Hitler (extraído do próprio livro), dirigido a Albert Speer, ministro do Armamento do III Reich, em reunião realizada em março de 1945 para discutir os rumos da guerra no front interno, com o avanço das tropas aliadas: 

- se a guerra for perdida, o povo também estará perdido. Não é necessário se preocupar com o que o povo alemão precisará para a sobrevivência mínima. Pelo contrário, é melhor destruirmos até mesmo essas coisas. Porque a nação terá mostrado ser a mais fraca, e o futuro pertence somente à nação mais forte do leste. De todo modo, apenas aqueles que são inferiores permanecerão após essa luta, porque os bons já terão sido mortos. 

Como os amigos mais próximos sabem, visitei a Alemanha várias vezes nos últimos 15 anos. Devo testemunhar que, em meus passeios e conversas com amigos e conhecidos que vivem por lá, deu para perceber os contínuos esforços da novas gerações no sentido de resgatar a gigantesca dívida histórica do país, que se refletem, principalmente, na extensa produção artística e cultural sobre o tema (filmes, documentários de tv, debates, livros, peças teatrais, museus, monumentos etc.). E como já disse em outras oportunidades, se cada um de nós tem o direito de errar, se redimir e seguir em frente, por que não uma nação inteira?


quarta-feira, 19 de setembro de 2012

A trilha de "Hugo"


A trilha sonora de "A Invenção de Hugo Cabret", de Howard Shore, executada por piano, acordeão e pequena orquestra, é a antítese da música criada pelo compositor para "O Senhor dos Anéis", obra monumental cuja gravação contou com duas grandes orquestras e coro de mais de 100 vozes.
Nada mais natural, tendo em vista que as histórias são bem diferentes. Ao contrário da narrativa épica da trilogia dirigida por Peter Jackson, em Hugo predomina o tom intimista e nostálgico, mais adequado ao argumento do filme, que evoca o pioneirismo do francês Georges Méliès e a aurora do cinema.
"The Thief" (vídeo abaixo), faixa que abre o cd, pode ser considerada uma síntese da bela e delicada obra composta por Shore para o filme de Scorsese. Só não ganhou o Oscar porque concorreu com a "imbatível" música que Ludovic Bource compôs para "O Artista".

Febre consumista ameaça o planeta


Assisti na Globosat HD (canal 502 da NET) ao documentário "Home: Story of a Journey", escrito e narrado pelo fotógrafo francês Yann Arthus-Bertrand. É melhor do que BBC, National Geographic e Discovery Channel juntos. 
O programa traça um painel abrangente da convivência traumática entre homem e natureza nos quatro cantos do mundo (países ricos e pobres), revelando o quanto a febre consumista e a exploração exaustiva dos recursos naturais ameaçam a sobrevivência do planeta e da própria espécie humana.
Com imagens belíssimas, em alta definição, captadas de um balão, o documentário mostra regiões de Islândia, Groenlândia, Tailândia, Coreia do Sul, China, Brasil, EUA, Canadá, Índia, Nigéria, Nepal etc., quase todas muito diferentes entre si, mas com algo terrível em comum, a degradação da natureza em nome da obsessiva produção de riquezas. Uma tragédia que se revela maior ainda por sabermos que grande parte disso permanece nas mãos de poucos.



"A Árvore da Vida"


Assistindo recentemente "A Árvore da Vida", percebi que o filme também funciona muito bem na telinha da TV (a minha só tem 32''), ainda que o impacto, claro, tenha sido maior no cinema.
E não retiro nada do que afirmei antes sobre as qualidades do filme, com destaque para fotografia, música e direção, todos impecáveis. Reitero, ainda, a impressão de que o filme trata, basicamente, da importância do afeto nas relações (e não só humanas!).
Além disso, a história ousada de Terrence Malick (para alguns, pretensiosa), que vai do surgimento da vida no planeta até supostamente o final dos tempos, acaba por conferir uma dimensão épica à existência de cada um de nós, pobres mortais.


"O Artista"


Finalmente, comprei o dvd do filme "O Artista", ganhador do Oscar 2012.
A produção é uma belíssima homenagem ao cinema, com referências explícitas a (pelo menos) três clássicos: "Cantando na Chuva", "Crepúsculo dos Deuses" e "Um Corpo que Cai", este último lembrado com a utilização do célebre tema de amor composto por Bernard Herrmann.
Para minha surpresa, a Academia de Hollywood teve a ousadia de premiar um filme francês, mudo e em preto e branco como o melhor do ano. Nada mais justo já que tudo funciona muito bem no filme, com destaque para as performances dos protagonistas, direção, roteiro, direção de arte e a antológica trilha sonora de Ludovic Bource, também ganhadora do Oscar, que resgata magistralmente o estilo de música típico do cinema mudo. Lembro que no final da exibição, emocionado, tive vontade de aplaudir.
O curioso é que até hoje, 7 meses após o lançamento do filme nos cinemas brasileiros, ainda não há qualquer previsão para sua estreia nos canais por assinatura.




"O Garoto da Bicicleta"


Mais um dvd para a minha coleção, lançado ontem no mercado nacional, quase 1 ano após a exibição do filme nos cinemas brasileiros.
O fato é que a janela de exibição tem se tornado cada vez maior no Brasil. Nos EUA, os filmes são lançados para venda direta (dvd e blu-ray) 3 ou 4 meses após a exibição nos cinemas, aproveitando que o filme continua vivo na lembrança do público, o que me parece uma boa estratégia. Por que aqui é diferente?
"O Garoto da Bicicleta" é uma coprodução franco-belga vencedora do Grande Prêmio do Juri do Festival de Cannes de 2011. A história do garoto órfão de mãe e rejeitado pelo pai poderia cair facilmente na armadilha do sentimentalismo, recurso amplamente utilizado em filmes americanos do gênero. Apesar das agruras enfrentadas pelo menino, todas elas dolorosamente verossímeis, aqui o tema é tratado de maneira seca e realista, sem dar margem a excessos de qualquer natureza. Um filme honesto que não recorre a uma única lágrima dos personagens para nos emocionar, e que ainda assim nos leva a refletir seriamente sobre as relações humanas. Vale registrar que a narrativa é pontuada dramaticamente com o mesmo pequeno trecho (em torno de 15 segundos) do belíssimo concerto nº 5 para piano e orquestra, de Beethoven. Na verdade, é a única música que toca ao longo dos quase 90 minutos de filme. E precisava mais?




terça-feira, 18 de setembro de 2012

"O Mensageiro"

Finalmente, foi lançado no Brasil o dvd do clássico "O Mensageiro" (1970), dirigido por Joseph Losey, cineasta americano radicado na Inglaterra e falecido em 1984. 
Li duas vezes o romance homônimo que deu origem ao filme, que só tive a oportunidade de assistir uma vez. A história é ambientada no interior da Inglaterra, no final da era vitoriana (verão de 1900), e trata das desilusões e da hipocrisia nas relações humanas, sob a ótica de um pré-adolescente que vive sua primeira história de amor. Confesso que fiquei comovido especialmente com o epílogo, permeado de nostalgia, quando o personagem, já idoso, retorna ao lugar onde se deram os acontecimentos que marcariam para sempre sua vida. O que mais me impressionou foi a sensibilidade do autor ao descrever o processo de amadurecimento do protagonista, a partir de uma desilusão amorosa ocorrida ainda na infância. Gostei muito e não posso deixar de recomendar ambos (o livro e o filme).
A música de Michel Legrand, com trechos inspirados nas fugas de Bach, pontua com rara sensibilidade a acentuada atmosfera nostálgica do filme. Por sorte, em recente viagem consegui encontrar a belíssima suíte para dois pianos e orquestra composta por Michel Legrand a partir da música original. É uma edição japonesa raríssima que agora mantenho guardada a sete chaves.


Um western injustamente esquecido


"Consciências Mortas", um clássico de 1943, integra minha lista dos melhores filmes de todos os tempos. 
A produção é um exemplo perfeito de como uma obra de simples composição pode se converter em consumada arte cinematográfica, oferecendo uma das mais belas defesas da civilização já transmitidas pelo cinema. Um filme indispensável!


"Como treinar seu dragão"

"Como treinar seu dragão" está certamente entre as melhores animações dos últimos cinco anos. A produção só perde, talvez, para Toy Story 3 (o primeiro da série tornou-se um clássico instantâneo!). A história da terna e improvável amizade entre um menino viking e um temível dragão é tecnicamente impecável, destacando-se direção, roteiro e a brilhante trilha sonora de John Powell. Como o filme foi um grande sucesso, os produtores já estão trabalhando na sequência da história, que deve estrear nos cinemas em 2013.


Os filmes e os valores da sociedade


Assisti recentemente a três filmes antigos, O Circo e O Garoto, de Charles Chaplin, e A Malvada, um clássico com Bete Davis, de 1950.
Observando bem as histórias e os perfis psicológicos dos personagens, foi possível perceber que naqueles tempos, portanto há décadas, prevalecia nas relações sociais o moralismo e a hipocrisia (nunca a ingenuidade ou a inocência, como alguns apregoam). Já nos filmes atuais, o que costumo ver nas telas são personagens cada vez mais egoístas e cínicos.
É claro que nem todas as pessoas eram moralistas e hipócritas no passado, assim como não somos todos, hoje, egoístas e cínicos, mas acredito que os filmes, como legítimos produtos culturais, acabam mesmo refletindo os valores comuns do seu tempo.

Bela homenagem a Georges Méliès

"A Invenção de Hugo Cabret" é uma justa e terna homenagem a Georges Méliès, um dos pioneiros do cinema (e pai dos efeitos especiais). Já havia visto outros filmes em 3D, inclusive em tela gigante IMAX, e não gostei. Dessa vez, o recurso é empregado com maestria, sem abusar do clichê de lançar objetos contra a tela, tornando a história, de fato, mais envolvente. Se não fosse por tudo isso, ainda restariam a bela trilha sonora de Howard Shore e a impecável direção de arte, que reproduz a Paris da década de 30 numa atmosfera de pura fantasia.



Villa Lobos em Hollywood


Como os amigos mais próximos sabem, meu hobby preferido é colecionar (e ouvir!!!) trilhas sonoras de filmes. 
Há alguns anos, lendo o livro "A Música do Cinema", de João Máximo, descobri um episódio pitoresco envolvendo nosso grande compositor Villa Lobos, confirmado mais tarde em outras fontes. 
Em 1959, contratado pela MGM para musicar uma nova produção do estúdio, Villa Lobos compôs uma trilha sonora inspirando-se livremente em vários temas contidos no argumento do filme. Finalizado o trabalho, dirigiu-se à MGM e entregou o material, dando a entender que sua tarefa estava concluída. 
Ao ser indagado por Miklós Rozsa, um dos músicos contratados do estúdio, sobre como proceder se a música não sincronizasse com as cenas filmadas, nosso saudoso e genial compositor teria respondido:
- ora, é claro que vão ter que ajustar o filme à música. 
Evidentemente, não foi o que fizeram. Um outro compositor - Bronislau Kaper - adaptou o score ao filme, exigindo seu nome nos créditos, ao lado do nome do brasileiro.
Cabe destacar que Miklós Rozsa, o interlocutor de Villa Lobos no episódio, já era um consagrado compositor de trilhas sonoras, tendo criado no mesmo ano de 1959 sua obra-prima para o clássico "Ben Hur".
Villa realmente era o cara. Bem, se não era, se achava!


Obrigado, John Williams!!


Os trabalhos mais recentes de John Williams ("Cavalo de Guerra" e "As Aventuras de Tintin"), embora sejam bem realizados, inclusive com indicações ao Oscar, não chegam nem perto do brilho, da inventividade e da excelência que caracterizaram as obras do compositor no auge da carreira (décadas de 70 e 80). Trilhas sonoras como "Contatos Imediatos do 3ª Grau", "Guerra nas Estrelas", "Indiana Jones" e principalmente "E.T." representaram um resgate do estilo sinfônico típico da época de ouro de Hollywood (anos 30, 40 e 50), que predomina até hoje, ainda que em menor grau e competência. Atualmente, qualquer filme de médio orçamento conta com um score orquestral, o que significa maiores oportunidades de trabalho para as novas gerações de músicos e compositores de cinema (pelo menos de Hollywood). Indiscutivelmente, um dos maiores responsáveis por tudo isso é John Williams, com quem aprendi a apreciar e amar músicas de filmes. Acredito que seu trabalho influenciou, em grande medida, minha visão estética sobre a música, a arte e a vida, de maneira geral. A ele sou grato eternamente por isso.
Infelizmente, porém, preciso admitir que suas últimas obras não passam de colagens bem realizadas de trilhas anteriores, indignas, portanto, do passado glorioso do genial compositor. 
Apesar disso, meu respeito por John Williams continua intacto e assim será por toda a vida. Em minha juventude, enquanto os jovens do mundo inteiro se rendiam ao rock (Beatles, Pink Floyd etc. etc. etc.), eu só tinha ouvidos para a eloquência e o lirismo das músicas do mestre John Williams e de seus colegas de profissão. Até hoje, confesso que não sei se gosto mais dos filmes ou das músicas que os embalam. Não importa, afinal, sempre posso encontrá-los juntos, prontos para me emocionar e fazer sonhar.


"Herói por Acidente"


"Herói por Acidente", de Stephen Frears, tem seguramente um dos roteiros (incluindo os diálogos) mais inteligentes que já vi no cinema, e ainda conta com Dustin Hoffman numa de suas melhores atuações em toda a carreira. 
O filme inteiro é brilhante, mas o ponto alto é mesmo a hilária cena final, com o personagem cínico de Hoffman (Bernie) explicando ao filho adolescente o verdadeiro significado da "verdade" na vida. E, em seguida, mais uma vez bancando o herói a contragosto. Impagável!!
Quando (se) sair em blu-ray, será mais um de meus filmes de cabeceira, ao lado de "Amadeus", é claro.





Deliciosamente nostálgico


Acabei de assistir na NET, pela enésima vez, "Quase Famosos", a simpática história de um adolescente de 15 anos que, em 1973, acompanha a turnê de uma banda de rock para escrever um artigo para a revista Rolling Stone. O filme passou nos cinemas há muitos anos, mas não chegou a fazer sucesso por aqui.
Embora o rock tenha papel secundário em minha vida, gosto demais do filme. Talvez por identificação com o personagem do garoto, que não mede esforços para escrever uma boa história; sei lá!
O fato é que "Quase Famosos" é deliciosamente nostálgico. Fiquei emocionado com a epopeia do garoto, que cruza os EUA na companhia dos integrantes da banda, num verdadeiro rito de passagem da adolescência para a vida adulta. Temas universais como amizade, honestidade, sexo e amor permeiam a história do início ao fim, sempre tratados com muita sensibilidade. No final do filme, acabei envolvido por um inevitável sentimento de nostalgia, tentando resgatar em minha memória as lembranças daqueles já remotos anos dourados do rock ... e da minha vida.