terça-feira, 22 de setembro de 2020

A militância de Ken Loach

"Você Não Estava Aqui", mais recente filme do veterano Ken Loach, conta as agruras de uma família pobre para sobreviver em meio às precárias condições de trabalho e de renda na Inglaterra.
Uma visão humanista e comovente de uma realidade dura que não se limita ao país da Rainha. Pobre, sabemos todos, está fodido em qualquer lugar do mundo. Tanto faz se em dólar, em real, em euro ou em libra!
A boa notícia é que Loach, aos 84 anos, continua nos oferecendo obras com uma profunda visão crítica do capitalismo e das relações de trabalho.



"O Quarteto", uma visão generosa da maturidade

"O Quarteto", de Dustin Hoffman, que acabo de rever, tem um olhar generoso sobre a arte, os sentimentos e as relações humanas na maturidade (ou na velhice).
Um filme que nos lembra que envelhecer "bem" é tratar com generosidade ou condescendência o passado, a vida que levamos e aqueles que nos cercam. Tudo o mais é (ou sempre foi) definitivamente irrelevante!



"Meu Tio" virou romance

Contra a vontade do pai rico e esnobe, o menino se afeiçoa ao tio pobre.
Na garupa da bicicleta, ele passeia pela periferia, faz novas amizades, vive aventuras e descobre com o tio o prazer da liberdade.
O filme de Jacques Tati, de 1958, uma crítica ao consumismo e à sociedade industrial, se tornou um clássico, e Jean-Claude Carriere, célebre roteirista, resolveu transformá-lo num romance, homenageando uma das obras mais  encantadoras do cinema francês.
O livro conta com ilustrações originais de Pierre Etaix, desenhista de cenários do próprio filme.




Joyce e a celebração da natureza humana

O livro está velhinho (a edição é de 1984), mas é a melhor tradução que já li dessa obra-prima do mestre irlandês.
Depois de assistir ao excelente "Paterson", que acompanha o cotidiano de um motorista de ônibus que vê poesia em tudo, deu vontade de reler Joyce e seu olhar sensível sobre personagens comuns de sua Irlanda natal.
A literatura de James Joyce, dentre outras coisas, nos mostra que a vida de cada um, rico ou pobre, famoso ou anônimo, irlandês ou brasileiro, virtuoso ou "pecador", em qualquer época, é intrinsecamente rica e singular. A importância de nossa jornada ou existência reside em nossa própria natureza humana e não necessariamente em como a conduzimos ou no que nos tornamos.
Joyce foi um escritor eminentemente humanista, daí por que sou fã de sua obra.



Quando a Arte não basta!

O maestro Georg Tintner nasceu em Viena, em 1917, e foi o primeiro judeu a ser aceito no tradicional coro "Meninos Cantores de Viena". Mais tarde, estudou composição na Academia de Viena, mas deixou a Áustria em 1938, fugindo da perseguição aos judeus. No caminho para a Nova Zelândia, acabou preso na Austrália ao ser acusado de ser um espião nazista.
Em 1946, tornou-se cidadão neozelandês, mas retornou à Austrália em 1954, assumindo o posto de maestro residente da Ópera Nacional.
Em 1987, emigrou para o Canadá, onde morou até 02 de outubro de 1999, quando tirou a própria vida após lutar contra um câncer por 6 anos.
Tintner se dedicou ao estudo das obras de Anton Bruckner. Convidado pela gravadora Naxos, entre 1995 e 1998, realizou a gravação do ciclo integral das sinfonias do compositor austríaco, considerado até hoje um trabalho de referência para críticos e fãs de Bruckner.
Embora seja um dos inúmeros apreciadores das sinfonias "brucknerianas", confesso que só descobri essa história hoje, após pesquisar na internet sobre gravações da sinfonia n.00 do compositor, única que ainda não tenho e tida apenas como um estudo do gênero.
Georg Tintner amava Bruckner possivelmente como eu e tantos outros fãs do compositor. Seu fim trágico aos 82 anos, após dedicar uma vida inteira à música, é motivo de profunda tristeza por revelar que a arte, a despeito da beleza e da verdade que contém, também não é capaz de nos salvar da dor e da desesperança!





Ansfelden celebra Bruckner

A cidadezinha de Ansfelden, na Áustria, comemorou em 04 de setembro o 196º aniversário de seu filho mais ilustre, Anton Bruckner (1824-1896), talvez o compositor que mais fale ao meu coração. Ao contrário de outros grandes músicos que desde muito cedo tiveram consciência (ou convicção) de seu talento incomum, como Bach, Beethoven, Mozart, Mahler e Wagner, esse homem simples e provinciano passou boa parte da vida "implorando" por atenção e reconhecimento, embora tenha produzido obras monumentais tidas hoje como verdadeiras "catedrais sonoras", frutos de sua profunda devoção religiosa.
Em Viena, para onde se mudou somente aos 44 anos, em 1868, Bruckner enfrentou o desprezo de colegas músicos e de críticos locais influentes, ainda que não lhe tenha faltado o apoio de muitos amigos, notadamente no final da vida, quando recebeu várias homenagens. Mas, na capital austríaca, detratores caçoavam do compositor por sua insegurança, postura servil e até mesmo pelo despojamento com que se vestia, pecado mortal numa Viena ainda imponente e imperial do século XIX. Submisso, não raras vezes, o compositor efetuou alterações significativas em suas composições supostamente já concluídas, visando agradar a críticos e músicos mais experientes e conceituados.
Apesar disso, passados mais de 124 anos de sua morte, a importância do legado de Bruckner é reconhecida por todos os amantes da "boa música", entre compositores, intérpretes e público em geral. Suas obras, em especial as 3 missas e o "Te Deum", são impregnadas de sincera e intensa religiosidade e oferecem ao mundo um inegável testemunho de fé.



A vanguarda de Heinrich Heine

Relendo "Viagem ao Harz", de Christian Heinrich Heine (1797-1856), considerado um dos mais célebres representantes do romantismo alemão.
A obra consiste de deliciosos relatos de viagem, "temperados" por fina ironia e entremeados pela mais alta e bela poesia.
Heine se solidarizou com as agruras dos trabalhadores pobres da nascente sociedade industrial e chegou até a escrever um poema denunciando o tráfico negreiro para o Brasil, ressaltando o sofrimento infligido aos africanos na travessia do oceano em condições desumanas. E não deixou de associar criticamente a escravidão ao café e ao tabaco consumidos pela nova burguesia europeia.
Por sua profunda visão humanista, Heine, ainda em vida, teve seus livros proibidos na Áustria e em boa parte da Alemanha, mas inspirou compositores como Schumann, Brahms, Mendelssohn, Liszt e Tchaikovsky. No Brasil, foi traduzido por Gonçalves Dias, Machado de Assis, Raul Pompeia e Manuel Bandeira, dentre outros.
Infelizmente, o brilhante poeta e escritor passou os últimos 8 anos de vida paralítico e entrevado numa cama. Para um homem desbravador e de espírito libertário, um fim de vida trágico.
O fato é que Heine viveu tão à frente de seu tempo que, um século depois de morrer, foi considerado subversivo pelos nazistas, que queimaram seus livros. Certamente, se vivesse hoje, também não escaparia da onda de estupidez e ignorância que assola o mundo, em especial o Brasil. E ainda seria, sem exagero algum, um homem de "vanguarda"!





Berlim, a capital do futuro.

Berlim ressurge das cinzas e se reconstrói a cada dia, dividida entre as lembranças do passado sombrio e o otimismo por vezes contagiante que se revela em edifícios, ruas, praças e até bairros inteiros reconstruídos após a queda do muro, em novembro de 1989.

Em Berlim, praticamente a cada quarteirão percorrido, encontramos fortes referências (deliberadamente mantidas) aos trágicos acontecimentos do século XX, mas, talvez, nenhuma outra cidade europeia transmita maior confiança no futuro do que a capital alemã.
Se Paris celebra um passado glorioso, refletido na preservação da homogeneidade de seu próprio conjunto arquitetônico, Berlim, por circunstâncias históricas, se vê diante da necessidade de recriar quase tudo, em busca de um futuro diferente e promissor que a redima de seu triste passado, mas sem jamais esquecê-lo!
Esses livros, que comprei quando visitei a cidade há alguns anos, revelam em detalhes todo o processo de recuperação da cidade, evidenciado em ousados projetos arquitetônicos que conferem a Berlim uma faceta moderna e otimista.
Em minha opinião, é a capital europeia mais "conectada" com o futuro, embora ainda enfrente os maiores desafios políticos, sociais e econômicos do presente.