terça-feira, 27 de dezembro de 2022

A música da minha vida!

Passei quase toda a minha vida (e lá se vão muitos anos!) ouvindo a música que se convencionou chamar de "clássica". Um gênero musical que, embora atravesse séculos, enfrenta um grande preconceito por quem a desconhece ou não compreende seu universo. Mas sou testemunha, depois de tantos anos, de que se trata de um tipo de música que reflete uma enorme gama das emoções que envolvem a experiência humana, independentemente de origem e cultura. Por isso mesmo, a essa altura da vida, estou convencido de que nenhuma outra manifestação artística ou cultural revela de maneira tão ampla, verdadeira e profunda o que anima o espírito humano como a música clássica. 
É uma pena que, por gerações, no Brasil e na maior parte do mundo, se estabeleceu o conceito de que música clássica ou "erudita" é para poucos. Um elitismo estúpido que priva a maioria das pessoas de uma experiência que pode estabelecer parâmetros éticos, estéticos e até filosóficos capazes de enriquecer a vida de todos nós. 
Sem pretensão ou preconceito com os demais gêneros musicais, é o que aprendi ouvindo música clássica a vida inteira. Creio, sinceramente, que isso me tornou uma pessoa melhor.

sábado, 3 de dezembro de 2022

A Espanha que conheci.


A Espanha passou os últimos dias às voltas com cartas-bomba enviadas a autoridades locais e órgãos estrangeiros. Ainda não se sabe a origem e a motivação desses atos terroristas, que remontam ao pesadelo que assolou o país por décadas com as ações do grupo separatista basco.
Considerando os alvos (embaixadas da Ucrânia e dos EUA, primeiro-ministro e ministro da Defesa espanhol), é bem provável que esses atentados estejam relacionados com a invasão da Ucrânia pela Rússia, um conflito que já se prolonga por 10 meses, com milhares de vítimas civis, entre mortos e refugiados.
Em relação à Espanha, visitei o país várias vezes desde 1995 e pude testemunhar a consolidação do processo democrático iniciado com a morte de Franco, em 1975. Nas viagens que fiz de ônibus entre Madrid ou Barcelona e a Galícia, percebi também o enriquecimento do país, que soube aplicar muito bem os "generosos" recursos proporcionados pela adesão à União Europeia, em 1986, o que deve ter deixado definitivamente para trás a Espanha pobre e majoritariamente agrária que atravessou boa parte do século XX.
Justamente nesse período, a Espanha experimentou uma fase de crescimento econômico invejável e sem precedentes em sua história recente, propiciando fortes investimentos sociais (saúde, educação, infraestrutura etc.) e uma melhor distribuição da riqueza nacional.
Tudo que vi, li e ouvi em conversas com os primos e na imprensa local, especialmente no jornal "El País", de Madrid, me leva a acreditar que a Espanha viveu até a crise econômica de 2008 sua verdadeira "Belle Époque". Foram anos consecutivos de prosperidade que mudaram o perfil do país, aumentando a qualidade de vida da população e atraindo legiões cada vez maiores de imigrantes, na maioria latinos e africanos, em busca de melhores oportunidades. Certamente, a Espanha lançou até ali os sólidos alicerces que lhe permitem superar desafios e seguir em frente integrando o seleto grupo de países mais ricos e "estáveis" do continente.
Por fim, vale dizer que, para mim, viagens têm um significado que vai muito além da mera "curiosidade turística" (monumentos, igrejas, museus, praças, compras etc). Sempre que visito outros países, a exemplo do que fiz na Espanha, aproveito a oportunidade para observar tudo, desde como as pessoas vivem, se relacionam e se organizam em sociedade (regras de convivência, comunicação, transportes etc.), até preferências culturais, tais como entretenimento, vestuário, alimentação etc.
Estou definitivamente convencido de que o conhecimento do "outro" e de sua visão do mundo é o investimento mais importante para a conquista da paz.

Um país peculiar!

 

É fácil (quando se tem dinheiro) atravessar o planeta para torcer pelo Brasil, uma seleção com real expectativa de sucesso em qualquer Copa do Mundo. Difícil é fazer isso, economizando o que pode e o que não pode, para torcer pelo País de Gales no distante Oriente Médio. Apesar disso, milhares de galeses foram até o Catar e proporcionaram alguns dos momentos mais comoventes da competição até agora.
Com a derrota para a rival Inglaterra, eles deram adeus à Copa do Mundo ainda na fase de grupos, mas a demonstração de carinho dos torcedores no final do jogo (uma enorme mancha vermelha na arquibancada), reconhecendo, apesar do insucesso, a "entrega" dos jogadores, e o agradecimento do time junto à torcida certamente produziram momentos emocionantes que já marcaram para sempre o evento.
O futebol e a Copa do Mundo em particular oferecem a oportunidade de testemunharmos episódios ricos de significados (dramas, alegrias etc.) e de empatia. Esse aspecto humano da competição, aliado à imprevisibilidade própria do futebol, é o que mais me atrai em Copas do Mundo. E foram justamente a trajetória do apenas esforçado time do País de Gales e sua numerosa e apaixonada torcida no Catar que despertaram minha curiosidade pelo país e por sua rica e milenar história, incluindo a longa rivalidade com a Inglaterra e a manutenção do idioma, dos costumes e das tradições locais, mesmo após mais de cinco séculos sob o "domínio" inglês, apesar de desfrutar hoje de alguma autonomia administrativa. Não é qualquer povo que resiste a tudo isso por tanto tempo sem perder a identidade e o orgulho de suas origens. Uma verdadeira lição de patriotismo!!

Viva até ser esquecido!

A mais bela animação do cinema em muitos anos, indicada também para adultos.
Nenhuma cultura ocidental lida com a morte de maneira mais poética do que a mexicana.
Verdadeiramente, só morremos quando o último vivo (ou encarnado) se esquece de nós.
Enquanto permanecemos na memória dos que ficam, quem somos ou fomos não deixa de existir. E o filme nos conta isso de maneira comovente e bem-humorada.


Belo e comovente, mas superficial.

Em 2009, Tornatore retomou a atmosfera romântica e bem-sucedida de "Cinema Paradiso", lançando a superprodução "Baaria - A Porta do Vento", supostamente uma continuação do filme anterior (para alguns, uma refilmagem).
A nova produção conta a história de três gerações de uma família também siciliana, traçando um painel da cena política italiana ao longo de 50 anos, com foco no romance entre os jovens Peppino e Mannina e na trajetória de vida do protagonista, desde a infância nos anos 30 até a maturidade, com a consolidação de sua carreira política no Partido Comunista.
Mas o aspecto social do filme, que contrasta com o clima intimista de "Cinema Paradiso", não é de todo resolvido. Quando a história parece evoluir para um aprofundamento do contexto político, o roteiro retorna às questões mais pessoais e afetivas do personagem, relegando a um plano secundário passagens relevantes da história contemporânea da Itália que contribuem para sua formação.
De todo modo, a criativa e comovente sequência final do filme absolve a produção de todos os seus possíveis pecados. Inesquecível!!


Se nada der certo, enlouqueça!

 

Um adolescente com ideias suicidas procura ajuda médica e acaba internado na ala de doentes mentais de um hospital público. Ali, em meio a pacientes crônicos e com os mais variados distúrbios, vai receber lições para o resto da vida!
Uma comédia diferente e muito divertida que conta com um roteiro enxuto e belas atuações.
O garoto protagonista, em particular, tem uma atuação impressionante. Parece viver mesmo aquela situação. E o diretor, percebendo isso, abusa dos "closes"!
Divertidíssimo!!

Um drama real e dilacerante!

O realismo com que esse filme trata a questão do vício em drogas é doloroso e quase insuportável, mas funciona para nos mostrar que essa tragédia pode se abater sobre qualquer um, inclusive aqueles que mais amamos.
O drama de um pai vendo o filho se lançar num precipício aparentemente sem volta é dilacerante!
E o jovem ator (Timothée Chalamet) tem uma atuação impecável. Intensa sem ser apelativa, num papel difícil de desempenhar com tão pouca idade.
A cena final diz tudo sem usar uma única palavra. Nem precisa!
Enfim, há muito tempo não assisto a um filme tão impactante.


Na terra de "los hermanos"!


Há exatos 15 anos, com dois amigos, eu visitava Buenos Aires, dando um tempo em minhas viagens para a Europa.
Buenos Aires talvez seja a capital latino-americana mais parecida com Paris, embora, hoje, esteja bem longe da cidade elegante de 100 anos atrás, quando a Argentina figurava entre os países mais ricos do mundo, a 9ª maior economia, à frente de Alemanha, Dinamarca e França.
Fomos muito bem-recebidos pela amiga argentina Silvina Gerardi , Silvina Gerardi , que gentilmente nos acompanhou em vários passeios e até nos levou para conhecer a simpática San Isidro, uma pequena cidade próxima de Buenos Aires, que tem uma atmosfera semelhante às cidades serranas do estado do Rio.
Em quase duas semanas, além de fazer muitas caminhadas, visitamos El Caminito, La Bombonera, Recoleta, Puerto Madero, Café Tortoni (show de tango), Livraria El Ateneo, Calle Florida, San Isidro, Delta do Tigre e o "Malba", museu onde tive a oportunidade de ver "Abaporu", a obra mais famosa da brasileira Tarsila do Amaral. Mas faltou conhecer a Feira de San Telmo e o Teatro Colón, que estava fechado para reformas. Fica para uma próxima vez!

Berlim, uma cidade entre o passado e o futuro.

Passeio de barco pelo rio Spree, em Berlim, com a moderníssima estação central (hauptbahnhof) ao fundo.
Conheci Berlim no verão de 2010. A capital alemã, ao lado de Amsterdam, é a cidade mais "vanguardista" que visitei em minhas viagens. Talvez por ter recomeçado praticamente do zero após ficar em ruínas com os bombardeios da II Guerra, a cidade se reinventa a cada dia sob a influência de levas crescentes de imigrantes e novos padrões/valores de convivência. O fato é que poucas cidades europeias celebram a diversidade cultural e humana como Berlim.
A cidade se encontra dividida entre as lembranças do passado sombrio e o otimismo por vezes contagiante que se revela em edifícios, ruas, praças e até bairros inteiros reconstruídos após a queda do muro, em novembro de 1989.
Em Berlim, praticamente a cada quarteirão percorrido, encontramos fortes referências (deliberadamente mantidas) aos trágicos acontecimentos do século XX, mas, talvez, nenhuma outra cidade europeia transmita maior confiança no futuro.
Se Paris celebra o passado, refletido na preservação da homogeneidade de seu próprio conjunto arquitetônico, Berlim, por circunstâncias históricas, se vê diante da necessidade de recriar quase tudo em busca de um futuro diferente que a redima de um passado triste e conturbado.


segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Viena e os estertores do império!

De tudo que já li, parece que os acontecimentos da virada do século XIX para o século XX na capital austríaca, período da "Secessão" e da 2a. Escola de Viena (música), rivaliza em importância artística e cultural para o ocidente com a "Belle Époque" de Paris, ocorrida mais ou menos no mesmo período.
O fato é que tenho uma curiosidade especial pela história de Viena, em especial desse período de efervescência artística e cultural, justamente entre o declínio do Império e o surgimento da República.
Poucos países na História Contemporânea passaram por transformações tão profundas em seus valores como a Áustria nos estertores do Império Austro-Húngaro, que acabaria levando à instauração da República após o fim da I Guerra, em 1918.
Particularmente na virada do século, a cidade de Viena seria palco privilegiado de movimentos culturais que influenciariam a arte ocidental por todo o século XX, em especial a chamada "Secessão Vienense", caracterizada pelo rompimento com os ditames da arte tradicional e conservadora, em favor de uma visão mais abrangente e universal das diferentes manifestações artísticas, notadamente a pintura, a escultura e a arquitetura.
Como diz o lema exibido no alto do "Edifício Secessão" (foto), símbolo do movimento em Viena, "para cada época, sua arte. Para cada arte, sua liberdade"!


Alemanha, uma viagem musical!

Cd triplo com a gravação do ciclo completo de concertos para órgão de Handel, obras que figuram entre as mais populares do compositor.
É só começar a ouvir para não parar mais. E pensar que Handel compôs tudo isso apenas para execução nos intervalos de seus célebres oratórios.
Em 2016, estive em Halle, sua cidade natal, depois de visitar Leipzig, onde viveu e se consagrou Bach, outro mestre do barroco, e Bayreuth, cidade que virou sinônimo de Wagner por sediar o teatro construído para a montagem das óperas do compositor.
Foi uma viagem temática por cidades e regiões alemãs onde viveram os maiores mestres da música, responsáveis por obras que atravessam séculos encantando gerações de músicos e diletantes.
Mais tarde, um ano depois, a visita foi a Viena, eterna capital da música e onde nasceram ou viveram outros grandes compositores como Mozart, Beethoven, Brahms, Bruckner, Schubert, Mahler e Johann Strauss (pai e filho).
A "cereja do bolo" na capital austríaca foi assistir a um concerto com a Filarmônica de Viena na tradicional KonzertHaus, a realização de um sonho acalentado desde a juventude.
Lembrar dessas viagens chega a ser "doloroso" com tudo que temos vivido nos últimos anos. Mas é preciso acreditar no futuro e em novas viagens e realizações.


Quando fama e riqueza não bastam!

 

O que leva um homem rico, brilhante e verdadeiramente querido por uma legião de fãs e amigos a tirar a própria vida? O documentário "Robin Williams: Entre na Minha Mente", exibido pela HBO, não tenta explicar isso, mas expõe detalhes reveladores da vida do ator, desde a infância até seu fim trágico (suicídio), em agosto de 2014. O que se sabe é que Williams era alcoólatra, sofria de Parkinson e, pouco antes de morrer, fora diagnosticado com demência.
A mente humana é realmente um grande e indecifrável mistério. Quando tudo parece conspirar a favor, algo pode fugir completamente ao nosso controle, dissolver certezas "inabaláveis" e fazer nosso mundinho ruir como um castelo de cartas. E não há dinheiro ou fama capaz de evitar isso. Só Deus!!
A ironia das ironias é que Robin Williams foi eleito pela revista "Entertainment Weekly", em 1997, "O Homem Vivo Mais Engraçado do Mundo". Em muitos casos, porém, passar o tempo todo fazendo os outros rirem pode ser uma tentativa desesperada de animar o próprio espírito, ou apenas uma fuga quando não se consegue lidar com seus próprios "fantasmas".
Alguns amigos relatam no documentário que ele sofria de baixa autoestima, mas eu suspeito que sua depressão crônica se devia ao fato de ter percebido que fama, sucesso e fortuna não lhe bastavam. Possivelmente deu-se conta logo cedo de que faltava-lhe algo maior, mais profundo e verdadeiro para que sua vida fizesse realmente algum sentido.

'Kullervo", uma sinfonia singular!

"Kullervo", sinfonia para solistas, coro e orquestra de Jean Sibelius (1865-1957), conta a história do destino trágico do guerreiro Kullervo, que, após seduzir uma jovem na floresta, se desespera ao saber que se tratava da própria irmã desaparecida desde criança.
A belíssima obra, concluída quando Sibelius tinha apenas 26 anos, foi recebida com entusiasmo em sua estreia em Helsinque, conferindo fama e prestígio ao jovem compositor com seu primeiro trabalho para vozes e grande orquestra.
Kullervo é uma obra singular. Infelizmente, por sua complexidade de execução (solistas, coro e orquestra), raramente integra os programas de concerto.
Embora o tratamento orquestral dado a Kullervo esteja aquém daquele que Sibelius revelaria nas obras da maturidade, o compositor, aos 26 anos, já demonstrava um enorme talento e surpreendente originalidade.
Essa gravação de 1992 com o (então) jovem finlandês Esa-Pekka Salonen à frente da Filarmônica de Los Angeles é ainda hoje considerada uma das melhores já realizadas da obra.


Zweig e Carpeaux, dois "refugiados" ilustres no Brasil

 

A exemplo de seu conterrâneo e contemporâneo Stefan Zweig (também de origem judaica), Otto Maria Carpeaux (1900-1978) deixou sua Áustria natal com a ascensão do nazismo na Europa, se estabelecendo no Brasil.
Do mesmo modo que Zweig, Carpeaux, com sua cultura universal e humanista, autor de uma extensa e antológica História da Literatura Ocidental em 10 volumes, se tornou um dos maiores intelectuais e pensadores de nosso país no século XX.
Esse livro, que comprei agora na livraria Leitura do Centro, relata os anos de formação do jovem Carpeaux numa Áustria em plena efervescência política e cultural, testemunhando os "estertores" do longevo império Austro-Húngaro e o nascimento da República.

São Paulo, uma síntese do Brasil!

Esse livro da coleção da Folha (Coleção Folha - Fotos Antigas do Brasil) revela a trajetória de crescimento de uma cidade que começou como uma pequena vila há pouco mais de 160 anos e se tornou, ao longo do tempo, na maior metrópole brasileira.
Abrigando imigrantes de todas as origens e etnias, São Paulo é a cidade que melhor traduz o processo de formação da diversidade do povo brasileiro. Sua história se confunde com a própria história do desenvolvimento do país.
O curioso é como São Paulo e Rio de Janeiro se complementam em suas características e potencialidades. Bairrismos à parte, são duas belas faces de uma mesma e rica moeda.
A despeito dos problemas que enfrentam, são as cidades brasileiras que refletem com maior fidelidade nossas riquezas e mazelas.


sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Los Niños de Murillo!!

Em 2003, na véspera de embarcar em Madrid para a Galícia, e depois de me encantar com as obras de (Bartolomé Esteban) Murillo (1617-1682) expostas no Museu do Prado, fui ao "El Corte Inglés" e à "Casa del Libro" para comprar um livro sobre o artista. Não encontrei e nenhum vendedor sabia nem quem era (ou foi) Murillo. Saí de mãos vazias e frustrado.
Já na Galícia, comentei com um dos primos a respeito da visita ao Prado e da dificuldade de encontrar em Madrid um livro sobre Murillo, um dos maiores mestres do "Século de Ouro" (XVII) da pintura espanhola.
Quando retornei a Madrid, e antes do embarque para o Rio, voltei ao Prado para tentar encontrar no próprio museu um livro sobre Murillo, o que não fiz na primeira vez por esquecimento.
E estava ali, escondidinho entre livros de Velasquez, Goya e El Greco na loja do Museu, justamente o livro que eu queria, com obras de Murillo retratando o cotidiano das crianças pobres e de rua de Sevilha (Niños de Murillo) no século XVII, cenas que nos comovem até hoje e que, infelizmente, ainda se repetem há séculos no mundo inteiro!



segunda-feira, 22 de agosto de 2022

Tributo a um ídolo!

 


A dois dias do 10.o aniversário de morte de Félix, o saudoso goleiro do Fluminense e da seleção brasileira tricampeã do mundo em 1970, vale a pena relembrar esse singelo episódio que testemunhei há 12 anos.
Vestido com a camisa do Fluminense na calçada da rua principal da cidade de Heidelberg, na Alemanha, um táxi parou repentinamente ao meu lado. Após sair do carro, o motorista, um senhor humilde de aprox. 60 anos de idade, me abordou indagando em voz baixa, "Fluminense?" Um tanto surpreso, respondi sim, é a camisa do Fluminense. Naquele momento, visivelmente emocionado, o homem começou a falar (em português claudicante) de uma visita que o tricolor carioca fizera à cidade natal dele, a uns 40 quilômetros dali, em meados da década de 70, para jogar um torneio amistoso.
Ele citou Félix, Marco Antônio, Paulo César e Rivellino, dentre outros, e quase chorando retirou da carteira de dinheiro uma foto em que aparecia, ainda rapaz, ao lado do goleiro Félix, a quem ele se referia com mais frequência em nossa conversa. O que mais me surpreendeu é que ele guardava a foto na carteira há mais de 35 anos, talvez esperando indefinidamente por uma oportunidade como aquela.
Sempre muito emocionado e com lágrimas nos olhos, ele disse que guardava com carinho as lembranças daquele episódio da juventude, o que acabou também me comovendo. Em seguida, perguntei se ele já havia visto alguém com a camisa do Fluminense nesse longo período. Ele respondeu que sim, por duas ou três vezes, mas que nunca tinha tido a chance de se aproximar da pessoa. Compreendi então o motivo daquela emoção toda ao falar comigo.
Ao me despedir, perguntei se ele não tinha um cartão que eu pudesse levar como lembrança do encontro, imaginando poder um dia estabelecer um novo contato entre ele e o Félix. Ele me entregou um cartão da empresa de táxi em que trabalhava, onde li o nome Felix Albert (daí, talvez, a maior identificação com o goleiro do Fluminense). Provavelmente, o próprio Félix já nem se lembrava mais do jovem xará com quem conversou (segundo ele, em italiano) naqueles longínquos anos 1970 numa pequena cidade da Alemanha. Mas a foto dele estava lá, carinhosamente guardada na carteira do Sr. Albert há mais de 35 anos.
Quando voltei ao Brasil, tive a oportunidade de fazer contato telefônico com o saudoso Félix contando-lhe sobre o meu encontro com o seu fã e xará alemão. Naturalmente, ele já não se lembrava mais do episódio de tantos anos atrás, mas se mostrou feliz por saber da história envolvendo um fã tão distante.
Lamentavelmente, Félix veio a falecer poucos anos depois. De qualquer maneira, fiquei satisfeito por ainda ter tido a chance de lhe contar essa singela história com seu fã literalmente "de carteirinha" que vivia do outro lado do mundo.


quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Um verão inesquecível!!

Há exatamente 26 anos, eu embarcava para fazer a primeira visita, após mais de 60 anos, de um brasileiro à família espanhola na Forja, pequeno povoado da Galícia onde nasceu minha saudosa avó Evangelina e onde morou meu pai, Pepe, nos primeiros anos de vida.
No ano anterior, eu já havia conhecido em Barcelona os dois filhos de José, primo do meu pai, e os três netos. Agora, a jornada até a bucólica Forxa era para conhecer justamente José e sua esposa Esther, aproveitando para conhecer também a terra da vovó Evangelina, as casas (já em ruínas) onde ela viveu com o vovô José Maria (português) e os filhos, incluindo meu pai e os irmãos.
A visita à Galícia nas férias de verão daquele ano (1996), a convite da prima Elisa, me permitiu desfrutar de duas semanas agradáveis com a família reunida. Tratado com muito carinho por todos, em especial pelo primo José e sua esposa Esther, infelizmente já falecidos, vivi dias inesquecíveis naquele longínquo agosto de 1996. A procissão e a festa de San Benito, a “Feria del Pulpo” (polvo), quando quase todos os restaurantes de Ginzo de Límia (cidade próxima) servem um delicioso polvo cozido, prato típico da região, e principalmente a hospitalidade dos primos e dos novos amigos me motivaram a retornar outras vezes, o que fiz com o maior prazer.
Obviamente, guardo daquelas visitas à Galícia as melhores lembranças, que me acompanharão por toda a vida.
Ao acordar hoje, por algum motivo, lembrei disso e não pude deixar de registrar!


segunda-feira, 18 de julho de 2022

Kurt Masur e a lição de uma vida!


Se vivo fosse, Kurt Masur completaria hoje 95 anos!
Em 21 de junho de 2008, tive a oportunidade (e a sorte) de assistir a um concerto com a Orquestra Nacional da França, sob a regência do saudoso maestro alemão, no Museu D'Orsay, em Paris.
No documentário "Uma Aventura Musical" que tenho em meu acervo, Masur conta um episódio peculiar do início de carreira que reflete perfeitamente o quanto podemos perder (ou deixar de ganhar) quando nos deixamos levar pelo orgulho e pela vaidade. E o que vale para a música certamente se aplica a todas as dimensões da vida.
No dia seguinte a um concerto no qual, ainda muito jovem, regeu pela primeira vez uma sinfonia de Bruckner, o maestro encontrou na rua um famoso professor de violino que lhe disse:
- Seu concerto ontem foi bom, mas teria sido melhor se você, durante a performance, demonstrasse amar mais a Bruckner do que a si próprio.
Masur afirmou que essa "lição" de humildade teria pautado suas decisões ao longo de toda a carreira, determinando a relação que passaria a ter dali por diante com a música.
Quando o músico, e não só o maestro, se dispõe a "compreender" o compositor, suas motivações e até mesmo as possíveis inquietações que o levaram a criar a obra, aí sim se estabelece a cumplicidade necessária para reproduzir mais fielmente suas ideias, justamente o que testemunhei naquele inesquecível concerto do verão de 2008, em Paris.


domingo, 17 de julho de 2022

Semelhanças, diferenças e a humanidade que nos define!



"É melhor presenciar algo uma única vez do que ouvir sobre isso milhares de vezes" - Provérbio asiático.

Nesses tempos de inflação alta na Europa e no mundo, e de dólar/euro cada vez mais caro, não custa fazer uma retrospectiva de um tempo em que era mais fácil (e barato) cruzar fronteiras.
Por pura sorte (e talvez oportunidade histórica), comecei a viajar justamente quando o real valia muito. Na primeira viagem, em 1995, nossa nova moeda valia mais do que o dólar ou qualquer moeda europeia. Naquela época pré-euro, até a Europa era acessível para os brasileiros. Nos últimos anos, porém, com a crise econômica, o aumento do dólar/euro e a pandemia da Covid-19, o cenário mudou.
Tenho plena consciência de que aproveitei muito bem os melhores anos da economia brasileira para realizar um sonho de infância, conhecer a Europa, experimentando algumas das maiores emoções que tive na vida. Atravessei o continente de um jeito que mesmos os turistas endinheirados (que não é e nunca foi o meu caso!) não têm a oportunidade de fazer.
- De trem, de carro e até de bicicleta, visitei cidades grandes e pequenas e dezenas de aldeias no interior de vários países, incluindo algumas que nunca tinham recebido um brasileiro;
- Em 1995, para retornar ao Brasil, fiz uma viagem de trem de Stuttgart a Lisboa, com duas conexões (Paris e Irun), que levou nada menos que 32 horas. Era a primeira viagem e aprendi a lição sobre bilhetes aéreos;
- Na primeira vez que cheguei em Paris, também em 1995 (sem internet), me vi, com mala e cuia, sem hospedagem na cidade. Meu inglês iniciante é que me salvou de dormir na estação de trem;
- Fui o primeiro brasileiro da família a encontrar os primos espanhóis, em Barcelona e na Galícia, após mais de 60 anos, iniciativa da qual vou me orgulhar pelo resto da vida;
- Me perdi de carro na Croácia e só "me achei" com a ajuda providencial de peladeiros de beira de estrada;
- Cheguei de carro a Vaduz, capital de Liechtenstein, sem saber que estava no país, uma experiência única da qual jamais esquecerei;
- Com 56 anos, fui à praia (ou pelo menos à beira da água!) na Bósnia e Herzegovina. Para um carioca que não vai à praia no Rio desde criança, um evento pra lá de singular;
- Testemunhei a realização de uma Copa do Mundo no país-sede, Alemanha, incluindo a abertura do evento numa Munique ensolarada, festiva e tomada por torcedores de várias nacionalidades. Vivi ali alguns dos momentos mais felizes da minha vida;
- Viajei num ônibus "exclusivo" de Viena a Praga (mais de 6 horas!) ao custo de apenas 3 garrafinhas de água, com direito a suspense e receio com a imigração tcheca na fronteira com a Áustria;
- Por 4 vezes, na Alemanha e na Áustria, me vi sem hospedagem perto do anoitecer. Numa delas, fui salvo por D. Érika, uma simpática senhora austríaca que me "abrigou" em sua casa de Nenzing, uma pequena cidade nos alpes austríacos;
- Na semana que antecedeu a abertura da Copa da Alemanha, em 2006, peguei uma carona de Praga a Frankfurt num ônibus escolar, gentilmente oferecida pelos alunos do meu amigo alemão.
E muito, muito mais histórias que dariam até para escrever um livro!
Vale dizer que, em algumas dessas viagens, eu estava acompanhado de amigos alemães e brasileiros, o que tornou essas experiências ainda mais divertidas.
Com tudo isso, pensar que muito jovem, antes mesmo de sair do Rio pela primeira vez (para Ouro Preto), eu acalentava o sonho de apenas "pisar" na Europa. Nem pensava no que faria depois, eu só me imaginava colocando os pés no velho continente!
Ainda criança (com pouco mais de 10 anos), lembro-me perfeitamente de como ficava ansioso por folhear cada fascículo da coleção "Geografia Ilustrada" que minha mãe comprava nas bancas de jornais. Quanto mais distante (e diferente) o país, maior a minha curiosidade. Como eram, como viviam, o que pensavam?
Depois de tantas viagens, não tenho todas as respostas, mas pude descobrir que as semelhanças entre os povos são muito maiores e eloquentes do que as diferenças que os distinguem. Uma lição que nenhum livro e só mesmo as viagens poderiam me proporcionar!


quarta-feira, 6 de julho de 2022

Memórias do cinema...

Minha primeira relação com o cinema foi de "ódio à primeira vista"!
A empregada lá de casa pediu e minha mãe concordou que ela levasse as crianças (meus irmãos e eu) para assistir "A Noviça Rebelde". Eu tinha apenas 6 anos e não entendi absolutamente nada daquela "história sem fim" sobre uma família rica e numerosa que gostava de música e vivia num lugar bonito e distante. Música folclórica austríaca, nazismo e perseguição política (embora vivêssemos aqui numa ditadura) eram temas alheios à minha realidade. Depois de três horas sentado numa sala escura e sem poder falar ou levantar, eu aprendi, na mais tenra idade, o verdadeiro significado de tortura.
Com o trauma do primeiro "encontro", o cinema só viria a me conquistar muitos anos mais tarde quando, já adolescente, assisti a "Houve Uma Vez Um Verão", de Robert Mulligan.
A história nostálgica de um rapaz da minha idade apaixonado por uma mulher madura e comprometida, um belo rito de passagem, mexeu comigo como poucas que vi no cinema em toda a minha vida, o que contribuiu para que eu ingressasse no curso de Cinema da UFF. O objetivo era me tornar roteirista, mas tranquei a matrícula assim que passei no concurso do IBGE. O serviço público, do qual fiz parte por 35 anos e me orgulho muito, abortou minha carreira no cinema antes mesmo de começar.
O fato é que não demorou para que eu trocasse a PAIXÃO pelo cinema pelo AMOR pela música. Ainda hoje, adoro assistir a filmes, mas a música se tornou um vício e uma razão de viver, que se traduz por uma busca incessante pela Beleza, pelo Amor e pela Verdade. Estou convencido de que nenhuma outra manifestação humana nos aproxima tanto disso!


domingo, 19 de junho de 2022

O Doutor Fausto que há em todos nós.

Um compositor vende sua alma ao diabo em troca de vida longa e plena realização artística.
O romance "Doutor Fausto", de Thomas Mann, baseado na peça "Fausto", de Goethe, é uma "alegoria" da Alemanha no período de gestação do nazismo entre as duas grandes guerras do século XX, mas tragicamente se aplica também aos tempos atuais, quando o mundo se vê cada vez mais tomado por extremismos e radicalizações em busca do poder.
Em nossos dias, porém, tudo se revela ainda mais sinistro ao vermos "pactos" semelhantes realizados por gente que se diz e se apresenta publicamente como cristã ou seguidora da Bíblia, num despudor que só mesmo o diabo ousaria praticar ou propor!
"Doutor Fausto", assim como a própria peça de Goethe, escrita há 200 anos, é obra atemporal e definitiva justamente por expor fraquezas humanas de qualquer tempo ou lugar, de qualquer cultura ou nacionalidade.
Na verdade, há um "Doutor Fausto" no coração de cada um de nós!


A Áustria do pós-guerra!

Preciosa antologia bilíngue (alemão/português) reunindo textos literários e narrativos de autores austríacos publicados no período de 1945 a 1995, correspondente ao cinquentenário da "Segunda República da Áustria".
O livro, "Runa - Revista Portuguesa de Estudos Germanísticos", pertenceu a um dos maiores juristas desse país, já falecido, e me foi oferecido ontem por seu filho, um amigo dileto, que conhece meu profundo interesse pela cultura germânica, a exemplo do seu saudoso pai.
A obra propicia uma rara oportunidade para compreender a natureza do "pensamento austríaco" durante as primeiras cinco décadas de reconstrução física e moral da Áustria após os conflitos da II Guerra.
A propósito, há alguns meses, numa mesma sessão de julgamento do STF, os ministros Luís Roberto Barroso e Rosa Weber se referiram aos ensinamentos recebidos do eminente jurista, citando-o nominalmente ao declararem seus votos. Decerto, um motivo de orgulho para o amigo e toda a família.


sábado, 18 de junho de 2022

Refugiados, imigrantes, "deslocados" e afins.

A quantidade de refugiados no mundo cresce de tal maneira que nos remete aos períodos mais sombrios da história. Por motivos diversos, incluindo desastres naturais, conflitos e perseguições (os mais comuns), legiões de habitantes do planeta abandonam suas regiões de origem em busca de paz e sobrevivência. Em resposta a isso, os países mais ricos fecham as fronteiras na tentativa de proteger sua prosperidade e modo de vida, construídos, em muitos casos, com a dedicação e a força de trabalho de gerações de imigrantes, tratados hoje com desprezo e indiferença.
O conjunto de nações precisa encontrar uma solução concreta para o sério problema humanitário envolvendo refugiados, cujo agravamento põe em xeque o próprio conceito de civilização que conhecemos.
A construção de muros separando nações, como propôs Trump em relação ao México, é uma medida que nos remete à Idade Média, quando muralhas eram erguidas em torno de castelos e núcleos urbanos para afastar povos inimigos, e condena populações carentes a uma vida miserável e, pior, sem esperança.
Não é razoável que, em pleno século XXI, as nações mais desenvolvidas não consigam lidar com o problema sem recorrer ao recurso egoísta de levantar muros para afastar indesejáveis.
Os mais recentes movimentos migratórios têm criado novas demandas para as nações recebedoras, gerando a necessidade de volumosos investimentos sociais, mas nada justifica a indiferença dos países mais ricos em relação ao destino de milhões de vítimas de conflitos ou da pobreza extrema como estamos vendo nos últimos anos.
Um mundo que se diz civilizado precisa aprender a compartilhar melhor suas riquezas, proporcionando aos seres humanos de quaisquer origens ou culturas a chance de buscar e encontrar a própria felicidade, seja lá o que isso efetivamente signifique para cada um de nós.
Vale dizer que sou neto de imigrantes (um português e uma espanhola) que chegaram aqui jovens e paupérrimos no início do século XX em busca, como tantos outros, de melhores condições de vida.
O contato mais recente com os primos espanhóis me permitiu ver minha própria trajetória de vida sob uma perspectiva histórica, da qual muito me orgulho.


terça-feira, 10 de maio de 2022

Debussy e o "impressionismo" na música.

Livros de música clássica no Brasil são raridades. Biografias de compositores são mais raras ainda. Só encontramos por aqui dos mais "populares" como Beethoven, Mozart, Bach etc.
Depois de ouvir bastante Claude Debussy nos últimos dias, fiquei encantado com o compositor francês e o movimento impressionista na música (embora o próprio Debussy não gostasse desse "rótulo" para sua obra).
Procurei nos sites brasileiros por livros sobre o compositor, mas não encontrei nada. Já nas livrarias estrangeiras há vários, fazendo justiça à importância da obra de Debussy, que provocou uma saudável e criativa ruptura com a herança dos grandes mestres que o antecederam. Só por isso já valeria a pena conhecer mais a fundo a vida e a obra de Debussy, para compreender o contexto histórico, artístico e cultural que o levou a procurar novos caminhos para a música na virada do séc. XIX para o séc. XX. E, cá entre nós, ele foi muito bem-sucedido, apesar de não ter se tornado tão popular como Beethoven ou Mozart. Mas essa é uma outra história...


Saudade do jornal impresso...

 


Saudade do jornal impresso...
mas de quando não havia internet!
Do tempo em que a leitura diária do jornal era a melhor (ou única) maneira de saber das notícias com alguma profundidade. Foi basicamente com o jornal que aprendi a desenvolver uma visão crítica sobre a realidade.
Desde cedo, seguindo o exemplo do meu pai, adquiri o hábito de ler jornal. Quando criança, era O Globo. Mais tarde, na Universidade, o JB, que me acompanhou até acabar, em 2010. Depois, na falta de um jornal maís crítico no Rio, retornei ao O Globo. Não demorou muito. Desiludido com o apoio do jornal ao governo Temer e a campanha sórdida e sistemática, mantida até hoje, contra os servidores públicos, resolvi acabar com a assinatura e aderir de vez à internet.
Mas confesso que tenho saudade de pegar o jornal de manhã, apurar as manchetes e, em seguida, virar cada página sem saber exatamente o que vou encontrar depois. Um hábito adquirido ao longo da vida inteira que a internet definitivamente não substituiu.

A Finlândia de Sibelius e a ameaça russa.

Depois que conheci (e amei) as obras do finlandês Jean Sibelius (1865-1957), um dos maiores sinfonistas do século XX, passei a me interessar pela Finlândia, sua história e sua cultura. O país viveu sob a dominação russa (então czarista) por um longo período, e só conquistou a independência em 1917.
Muitas obras de Sibelius retratam o folclore e a rica cultura do povo finlandês. O poema sinfônico "Finlândia", sua composição mais popular, tratada como um grito de resistência à ocupação russa, acabou se tornando um hino "informal" do país.
Com a ameaça de Putin à Finlândia (e à Suécia), ressurge o fantasma da dominação russa de triste memória para os finlandeses.
A essa altura, e mais de um século depois, Sibelius certamente se revira no túmulo diante do risco de nova ocupação do país pelos russos imperialistas.



Europa, entre a construção da paz e o pesadelo da guerra!

 


Um continente entre o sonho de construção da paz e o reiterado pesadelo da guerra!
Após as duas grandes guerras ocorridas na primeira metade do século XX que tiveram o continente europeu como palco principal, alguns países da região resolveram se unir para promover a recuperação de suas economias combalidas pelos conflitos. Em alguns anos, esse processo culminou na criação da União Europeia, que reúne hoje 28 países com interesses políticos e econômicos (nem sempre) comuns. Trata-se de um belo e ambicioso projeto destinado a aproximar os povos em defesa do bem-estar e da paz no continente. Na verdade, pelo forte simbolismo que encerra, o sucesso dessa experiência interessa a toda a humanidade.
Mas, afinal, as lideranças nacionais da Europa de nosso tempo estão à altura do desafio de consolidar essa união? Por que surgem tantos políticos eurocéticos no continente? As seguidas crises de refugiados comprometem o projeto? Como lidar com o crescimento de movimentos xenófobos e da extrema-direita?
Existe chance real do estabelecimento de uma paz duradoura na Europa à prova de crises econômicas, movimentos nacionalistas e líderes populistas?
Enfim, para onde caminha a União Europeia?

A música universal de Carl Nielsen

Assistindo a um filme dinamarquês (O Bombardeio) na Netflix, confesso que achei tudo muito estranho no comportamento dos personagens. Nada ali lembrava nosso jeito de viver, de reagir às situações e de nos relacionarmos. Aparentemente, uma "frieza" incômoda entre pessoas que se gostam ou se amam que evidencia as diferenças gritantes entre os nórdicos e nós, os latinos.
Mas, apesar disso, como por um milagre, me tornei um grande fã de Carl Nielsen (1865-1931), o maior compositor dinamarquês. Ouço e "compreendo" suas músicas com uma intensidade que contrasta radicalmente com a profunda estranheza que sinto em relação ao comportamento dos dinamarqueses em situações do cotidiano. Só mesmo a música é capaz de aproximar seres humanos tão "diferentes". A linguagem musical fala diretamente ao coração e à alma, sem passar por filtros culturais que costumam afastar as pessoas. Com a música, o que "fala" mais alto é a natureza (ou essência) humana comum a todos nós, sem distinção de cultura, etnia, religião, ideologia ou geografia. É ou não é um "milagre"?


Saudade de uma cidade e de um tempo que não vivi!

 


A leitura de "Metrópole à Beira-Mar - O Rio Moderno dos Anos 20", de Ruy Castro, flui naturalmente em forma de uma rica e extensa crônica sobre a efervescência artística e cultural de um Rio de Janeiro ainda otimista e confiante no futuro. A modernidade europeia do início do século XX, com seus desafios e contradições, encontrava aqui terreno fértil para se instalar e se reproduzir.
Mas não durou muito. A partir dos anos 1930, a capital federal nunca mais foi a mesma, a despeito do rápido "espasmo" ocorrido no final dos anos 1950, com a visão "empreendedora" de JK, que se refletiu em todos os ramos de atividades, criando no imaginário de uma geração inteira de cariocas e brasileiros a visão de um Brasil próspero e moderno que o tempo infelizmente não "avalizou".
Voltando ao livro, o fato é que nunca mais o povo carioca teve tantos motivos para acreditar no futuro como nos anos 1920. A leitura é indispensável para quem deseja conhecer a História de uma cidade que já foi a legítima capital política, artística e cultural desse país. Uma cidade que se vê hoje tomada pela criminalidade em todos os níveis, pela desigualdade/insensibilidade social e por uma profunda crise econômica que se estende há décadas e que parece não ter fim.
Por último, vale dizer, trata-se de um livro precioso e fundamental para o registro da História não só do Rio, mas do próprio país. O volume de informações reunidas sobre o cotidiano da capital federal, com suas ricas manifestações populares e visitas de monarcas e de grandes artistas e personalidades estrangeiras, algo que nunca mais se repetiu na cidade, deve ser inédito numa obra do gênero. Se eu fosse professor, usaria o livro em sala de aula para estimular em cada criança e jovem carioca o amor pelo Rio de Janeiro e o desejo de trabalhar para vê-lo de novo política, econômica, artística e culturalmente pujante, como a geração de nossos avós pôde testemunhar naqueles longínquos anos 1920!

Solidariedade e a construção da paz

 


A chegada de quase 1000 refugiados ucranianos ao Brasil, incluindo muitas crianças, embora ocorra num momento difícil da vida deles, é uma oportunidade de ouro para que esse grupo originário de uma cultura tão distante e distinta nos veja mais de perto e, talvez, longe dos clichês.
Quase tudo do pouco que aprendi sobre a natureza humana (e sobre mim mesmo) foi através das viagens e do contato com outros povos e outras culturas. Como já devo ter dito inúmeras vezes, não foi com instrução, livros, filmes ou mesmo com a música que tanto amo.
No início, ao visitar outros povos, o que me motivava era perceber as diferenças, como uma criança explorando um brinquedo novo, mas não tardou muito para descobrir as semelhanças que me aproximavam cada vez mais daqueles que me pareciam tão estranhos e distantes.
Apesar da inegável individualidade que cada um carrega, há, porém, algo profundamente comum a todos nós com um extraordinário potencial para nos aproximar. Essa foi, certamente, a maior lição que aprendi em minhas viagens.
Por isso mesmo, acho que não existem instrumentos mais eficazes para a construção da paz no mundo do que o ensino de idiomas e o incentivo às viagens, seja para onde for, em especial para os jovens.
Mesmo em circunstâncias dramáticas como as que envolvem os ucranianos obrigados a deixar o próprio país em guerra, o contato com povos distantes pode lhes servir de ótima oportunidade para encontrar a humanidade que reside em cada um de nós, independentemente de cultura, etnia e religião. Eu acredito nisso!

Solidariedade seletiva

Com o prolongamento desse conflito na Ucrânia, não posso deixar de lembrar dos barcos no Mediterrâneo repletos de refugiados africanos impedidos, nos últimos anos, de se aproximarem dos portos europeus por medo da "disseminação" da pobreza no continente ou mesmo por racismo.
Agora, milhões de refugiados procedentes da vizinha Ucrânia, não tão pobres e majoritariamente caucasianos, são recebidos com comovente (sem ironia) hospitalidade pelos europeus habitualmente tão refratários a "estranhos".
Eu acho ótimo que a Europa Ocidental se disponha a receber ucranianos despojados de suas casas e de seu próprio país nesse momento tão difícil, mas o contraste com a maneira como os refugiados africanos e asiáticos são tratados em suas fronteiras nos leva a refletir sobre a flagrante "solidariedade seletiva" praticada no continente.
Naturalmente, é mais fácil a empatia com os semelhantes, mas o desafio de cada um de nós é justamente acolher aqueles que nos parecem mais distantes e "estranhos".


Bruckner original!

Bruckner deixou sua última sinfonia (nona) incompleta, embora o longo e comovente adágio do terceiro movimento, com ares de despedida, sintetize de maneira comovente toda a extensa obra sinfônica do compositor.
Esboços do quarto movimento resistiram ao tempo. Mais recentemente, em trabalho meticuloso, alguns estudiosos das obras de Bruckner conseguiram reunir fragmentos (centenas de compassos) deixados pelo compositor, conferindo unidade ao movimento e um certo sentido de continuidade em relação ao restante da obra.
Eu já tenho a gravação da sinfonia com a versão de Nicola Samale, John Alan Phillips, Benjamin-Gunnar Cohrs e Giuseppe Mazzuca para o quarto movimento, realizada pela Filarmônica de Berlim, sob a regência de Simon Rattle.
Agora, encontrei na Arquivo Musical LTDA (Travessa do Ouvidor, 8/202) uma outra gravação da sinfonia com a Filarmônica de Oslo, conduzida pelo israelense Yoav Talmi, contendo a versão do quarto movimento proposta por William Carragan, um dos maiores estudiosos das obras de Bruckner.
O cd duplo ganhou o "Gran Prix du Disque" em 1987, provavelmente por incluir também no segundo cd a gravação dos esboços originais de Bruckner para o último movimento, sem a "revisão" ou a edição de terceiros.
É a minha quinta gravação da nona sinfonia, a segunda com o quarto movimento e a primeira incluindo os esboços do compositor para a conclusão da obra, sem edição.
Para os fãs de Bruckner como eu, um "documento" raro, precioso e indispensável!


Me formei com o JB!

 


"Até a Última Página - Uma história do Jornal do Brasil" conta a trajetória de ascensão e queda do saudoso JB, jornal carioca de abrangência nacional que testemunhou a história da República a partir de 1891, ano de sua fundação, até 2010, quando, afundado em dívidas, deixou de circular.
Desde os tempos da faculdade de Jornalismo, a leitura diária do Jornal do Brasil, que se caracterizou pela independência editorial e pela visão crítica da realidade e dos governos, ajudou a forjar grande parte dos valores que me pautam até hoje como cidadão e também como jornalista de formação.
Um livro, portanto, indispensável para conhecer em detalhes a longa história daquele que talvez seja o melhor e mais influente jornal que esse país já teve em mais de 130 anos de República.

E nunca mais se encontraram...

Em dezembro de 1790, Haydn e Mozart, que viviam em Viena, foram contratados por Johann Peter Salomon, um empresário alemão radicado na Inglaterra, para comporem e regerem com exclusividade para ele. Mas ambos precisariam se transferir para Londres por um ano. Haydn iria primeiro, enquanto Mozart seguiria no ano seguinte, após o retorno do amigo e mentor.
Depois de tudo acertado, na noite de despedida de Haydn, em 15 de dezembro, os três jantaram juntos. Durante o jantar, Mozart teria comentado com Haydn que ele não aguentaria por muito tempo e que voltaria logo, "pois não é mais jovem", ao que retrucou Haydn, "mas eu ainda sou robusto e gozo de boa saúde".
Segundo A. C. Dies, um dos biógrafos de Haydn, em entrevista concedida anos mais tarde, o velho compositor afirmara que Mozart, ao despedir-se dele na porta da carruagem que o levaria a Londres, teria dito com lágrimas nos olhos:
- receio, meu Papa (como se dirigia habitualmente a Haydn), que esta seja a última vez que nos vemos!
Haydn, muito mais velho (58) que Mozart (35), imaginou que seu pupilo estaria se referindo à idade avançada dele e à exaustiva viagem que faria até Londres, cruzando boa parte do continente.
Qualquer que tenha sido a motivação de Mozart para o comentário premonitório, o fato é que Haydn sobreviveria a ele por mais 18 anos. Àquela altura, ninguém poderia mesmo imaginar que Mozart, com 35 anos e bem mais jovem, teria apenas mais um ano de vida.
E realmente nunca mais se encontraram.


Extra! Extra!

 

Paris aposenta nesses dias seu último "pequeno jornaleiro"!
Com 70 anos, magro, bem-humorado e ainda em plena forma, ele percorre a pé aproximadamente 10km todos os dias para vender o "Le Monde", jornal que distribui há 50 anos pelas ruas da cidade.
No Rio, essa prática está extinta há décadas, mas temos um monumento/estátua (foto) dedicado ao "Pequeno Jornaleiro" nas esquinas das ruas Ouvidor, Miguel Couto e Avenida Rio Branco, em homenagem aos meninos que, na primeira metade do século passado, percorriam as ruas do Centro gritando as manchetes do dia para vender jornais.
Um ofício perdido no tempo!

Um réquiem para os vivos!

Já tenho cinco excelentes gravações do monumental Réquiem de Brahms. Acabo de comprar a sexta (foto), uma versão mais contida e menos "teatral" do que a maioria disponível, superando, para muitos críticos, outras gravações com grandes orquestras e regentes.
O fato é que o réquiem de Brahms não me comove tanto como os dos franceses Fauré e Duruflé, mas se destaca entre as composições do gênero justamente por uma singularidade. É o único que eu conheço que se destina a consolar os enlutados, aqueles que ficaram, e não a homenagear os mortos ou os que partiram. Para Brahms, a morte representa muito mais o descanso eterno para os que se foram do que dor e sofrimento para os que perdem seus entes queridos.
Não creio que seja tão simples assim, mas respeito as convicções religiosas do compositor, cuja vida fora marcada por perdas de familiares e amigos íntimos, dentre eles, a própria mãe, segundo estudiosos, evento inspirador da obra, e o compositor Robert Schumann, amigo insuperável até a morte.
Com 27 anos, Brahms já havia composto boa parte da obra, embora ainda sob a forma de uma cantata fúnebre. Mas o réquiem completo estreou poucos anos depois.
Sabemos que no século XIX as pessoas não viviam tanto quanto hoje. O próprio compositor morreu com 64 anos, considerado bastante idoso para a época.
Fico me perguntando como, naquele tempo, um jovem de 27 anos encarava a perspectiva da morte com ainda tão pouca experiência de vida. E esse réquiem, em particular, reflete, além de maturidade precoce, uma profunda espiritualidade por parte do compositor.


Clássicos revividos!

A série "The Classic Film Scores" reúne trilhas sonoras clássicas de Hollywood compostas por mestres como Franz Waxman, Erich Wolfgang Korngold, Dimitri Tiomkin, David Raksin e Max Steiner.
Lançadas em vinil nos anos 1970 pelo selo "RCA Red Seal", as obras foram relançadas em cd na década seguinte, sob a supervisão técnica e artística do maestro e arranjador Charles Gerhardt, que rege a National Philharmonic Orchestra em todas as gravações, com exceção do cd com músicas de David Raksin, executadas pela New Philharmonia Orchestra, sob a regência do próprio compositor. Uma deferência especial a Raksin, que rege de maneira magistral três obras-primas de sua longa e vitoriosa carreira.
Entre 2010 e 2011, a Sony voltou a lançar os cds após rigoroso processo de remasterização, conferindo às antigas gravações uma qualidade de reprodução rara até para os padrões atuais.
A coleção contém scores antológicos de filmes que marcaram época (Laura, Crepúsculo dos Deuses, Rebecca, Horizonte Perdido, Cidadão Kane, E o Vento Levou, Casablanca etc), e cada cd é acompanhado de um livreto com uma curta biografia do compositor e detalhes curiosos das produções.
A "cereja do bolo" foi o lançamento, em 2019, do e-book com as fotos da sessão de gravação de um dos álbuns (Lost Horizon - Classic Film Scores of Dimitri Tiomkin), realizada em 1975, que contou com a presença do lendário compositor.
A obra é uma bela e justa homenagem a Charles Gerhardt, falecido em fevereiro de 1999, e à National Philharmonic Orchestra, de Londres, pela importante iniciativa que proporcionou às novas gerações conhecer os célebres scores da era de ouro de Hollywood.
O único e grave porém é que não foi lançado também o livro físico. Eu compraria...



Bem-vindo, Bartók!

 

Finalmente encontrei esse livro sobre a vida e a obra de Béla Bartók (1881-1945), um dos maiores compositores do século XX.
Bartók, por sua música "moderna" e inovadora baseada em elementos folclóricos húngaros, acabou negligenciado na programação de concertos das grandes orquestras, que costumam privilegiar o "surrado" repertório clássico e romântico.
Mesmo em tempos de crescente obscurantismo, Bartók se posicionou firmemente em defesa da paz e dos direitos humanos. Muitos artistas, por medo ou interesse pessoal, sucumbiram às pressões da época, mas o compositor não abdicou de seus princípios. Após abrir mão de honrarias recebidas, acabou se exilando nos EUA.
Bartók certamente ficaria horrorizado com sua Hungria natal nos dias de hoje, governada por uma extrema-direita que envergonha muitos húngaros e toda a Europa.
Um livro fundamental que se junta às biografias de Sibelius e Bruckner, também de autoria de Lauro Machado Coelho.
Para um mercado que raramente oferece livros de música clássica, é motivo de sobra para soltar fogos!!

Sempre Paris...

Assisti (de novo) ao belo filme "Promessa ao Amanhecer" (2017), baseado na vida extraordinária do célebre escritor Romain Gary (1914-1980), de origem lituana, mas radicado na França, para onde foi ainda criança e passou a maior parte da vida.
É impressionante como Paris atraiu todas as atenções de artistas e intelectuais nas primeiras décadas do século XX. Ali, num curto período, conviveram escritores, intelectuais e pintores responsáveis por obras que se tornaram referências culturais do nosso tempo.
Ernest Hemmingway, Scott Fitzgerald, Pablo Picasso, Gertrude Stein, Josephine Baker, Luís Bunnel, Salvador Dali, James Joyce...
Todos esses frequentaram a Paris mítica que habita mentes e corações de seguidas gerações até nossos dias.
A herança desse período glorioso para a arte e a cultura, como vi alguém dizer num documentário, nos torna todos um pouco franceses ou parisienses. Nenhum de nós permanece alheio ao que esses gênios produziram, muitos deles inspirados pela atmosfera sedutora e libertária daqueles anos dourados de Paris.