sexta-feira, 29 de setembro de 2017

A Unidade Espiritual do Mundo




"Mais vale viver em um sonho que honra a humanidade a contemporizar com uma realidade sufocante que nos envergonhamos de testemunhar...".

"Conservemos a convicção inquebrantável de que nosso mundo passará de catástrofe em catástrofe enquanto se negar a admitir a ideia de uma unidade espiritual".

"Por acaso a razão deve render-se à loucura? É uma ideia menos verdadeira porque, no momento atual, é irrealizável? Pelo contrário, o dever superior do intelectual é o de permanecer fiel às suas convicções, ainda que a realidade as desminta no momento...Admitamos, porém, que inclusive tenhamos nos equivocado e trabalhado em favor de uma quimera; pelo menos teremos vivido para a ilusão mais nobre que anima a face da Terra".

"Não são as línguas, as montanhas e os mares que separam as pessoas, mas seus preconceitos e sua desconfiança”.

Os trechos acima foram extraídos da palestra "A Unidade Espiritual do Mundo", proferida por Stefan Zweig (1881-1942), em 1936, no Rio de Janeiro, e em 1940, em Buenos Aires. O tema permanece atual e oportuno, já que a História, como sabemos todos, teima em se repetir quando a negligenciamos.
Nascido na Áustria, o escritor, dramaturgo e poeta judeu Stefan Zweig era um intelectual de profunda formação humanista. Um homem do seu tempo e de todos os tempos. 
Trata-se, aqui, de um singelo e despretensioso libelo contra a estupidez nacionalista que continua proliferando num mundo cada vez mais dominado por movimentos xenófobos, atentados terroristas, enfim, pela intolerância ou pela negação do "outro". Um mundo que ainda acredita em muros separando povos e culturas. Um mundo que insiste em repetir os erros do passado que levaram gerações inteiras à ruína e à desesperanca. Desesperança essa que vitimou o próprio escritor.
Desiludido com o avanço da intolerância e do totalitarismo num mundo em guerra, e saudoso de sua querida e distante Europa, Zweig, refugiado no Brasil, suicidou-se em Petrópolis, junto com a esposa, em pleno carnaval de 1942.
Seu legado, porém, não está nesse gesto trágico, mas sim em sua obra de inegável inspiração humanista. O texto é uma síntese do pensamento de um homem certamente muito à frente de seu tempo, um tempo de ignorância e trevas, um tempo que, por isso mesmo, não pode voltar!

sábado, 25 de fevereiro de 2017

Beethoven e os quartetos de cordas definitivos



Nenhuma "verdade" composta por Beethoven até os "últimos quartetos de cordas", incluindo seus celebrados concertos e sinfonias, se aproxima da beleza crua, original e sem concessões oferecida pelo compositor com essas obras. Sabe-se lá quantos artistas em séculos da arte ocidental chegaram a deixar um legado tão pessoal, sincero e até visceral para as gerações futuras como Beethoven e seus cinco últimos quartetos.
Vivo comentando, em tom de brincadeira, sobre a garimpagem de cds que faço nos sebos do Rio, onde costumo encontrar belas e raras obras clássicas por preços módicos, mas o caso desse cd triplo é realmente digno de registro. Já tinha ouvido outros quartetos de cordas de vários compositores, incluindo de Haydn, o criador do gênero, mas esses 5 últimos concertos de Beethoven, sem exagero, me fizeram rever conceitos arraigados que eu tinha em relação a esse tipo de composição e da própria música. Nada que eu tenha ouvido antes se compara a essas obras, um verdadeiro testamento artístico do compositor. Não tenho dúvida em afirmar que seus quartetos tardios figuram entre as expressões mais elevadas e eloquentes do espírito humano.
Eu, que sempre cultuei a memória de Beethoven, ressalte-se, muito mais o homem e suas contradições do que o próprio artista e sua obra, rendo-me definitivamente à sua genialidade musical, em particular pelo quarteto de cordas de número 131, uma obra que deveria constar da seleção de músicas reunidas pela NASA para lançar ao espaço como símbolos mais representativos do que de melhor produziu nossa civilização.