sexta-feira, 26 de novembro de 2021

A herança de Carpeaux!

 

O livro "O Canto do Violino" reúne 27 artigos sobre música publicados por Otto Maria Carpeaux (1900-1978) em jornais brasileiros entre 1948 e 1958.
Carpeaux nasceu em Viena, mas, com a escalada do nazismo na Europa, emigrou para o Brasil em 1939, onde se estabeleceu definitivamente.
Autor da gigantesca "História da Literatura Ocidental", em 10 volumes, publicada em 1959 e ainda sem paralelo no mercado editorial brasileiro, Otto Maria Carpeaux foi um dos mais brilhantes intelectuais do século XX, deixando um legado extraordinário em nosso idioma. Infelizmente, ao lado de sua inegável erudição, o homem destilou também preconceitos de toda natureza em sua extensa obra sobre música. A despeito de seu profundo conhecimento sobre a cultura e a natureza humanas, Carpeaux era um homem do seu tempo, sujeito, portanto, a ideias e valores que evoluem com o passar dos anos. Como nenhum de nós foge a isso, vamos dar um desconto e celebrar seu melhor legado.

Resistir é preciso!

A ameaça de despejo do Estação Net Rio, em Botafogo, um dos poucos cinemas de rua que resistem na cidade, me faz lembrar de meus tempos de Cinema na UFF, nos anos 1980.
As aulas de "Linguagem Cinematográfica", com João Luiz Vieira, eram as mais estimulantes. Eu adorava, ia bem e até recebia elogios do professor. Mas a cadeira de "Cinema Brasileiro", com o professor Antônio Carlos, também tinha aulas muito concorridas porque eram realizadas assistindo aos filmes no Cine Arte UFF. Depois da sessão, claro, o debate rolava solto. Era uma festa. Imagina estudar assistindo a filmes!!
Um dos colegas de curso acabou fazendo parte da equipe que dirigiu (ou ainda dirige) o Estação Botafogo por muitos anos. Não sei o que foi feito dele e dos demais. Fazer Cinema nesse país era e continua sendo um verdadeiro "ato de resistência". Não sei quantos se formaram e seguiram a carreira.
De minha parte, como já era formado em Jornalismo, acabei trancando a matrícula para ingressar no IBGE, onde me aposentei depois de 35 anos de trabalho. Uma trajetória que considero vitoriosa e da qual não me arrependo.
O fato é que nunca mais vi qualquer um dos colegas. Espero que pelo menos alguns tenham realizado seus sonhos de fazer cinema.
Bons tempos aqueles...



quinta-feira, 11 de novembro de 2021

A "Idade do Homem"!

O documentário "Humana Idade: Água", que acabo de assistir no canal "Smithsonian", denuncia de maneira didática a relação predatória do homem com a natureza, revelando o quanto o aquecimento global e a exploração exaustiva dos recursos naturais ameaçam a sobrevivência da fauna, da flora e da própria espécie humana.
Nunca o bicho homem prejudicou tanto a Vida no planeta. No passado, a ignorância poderia até nos absolver, mas o que a Ciência nos permite conhecer hoje certamente nos condenará no futuro (se houver!) se não mudarmos o rumo dessa história.
Um documentário fundamental e oportuno transmitido justamente no período de realização da "Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas" (COP26), em Glasgow, na Escócia.
Por último, não é a primeira vez que esse canal me surpreende com programas educativos de excelente nível. As escolas deveriam obter autorização para exibi-los.

Meu Beethoven preferido!

Talvez o concerto n.5 (Imperador) seja mais popular, mas eu prefiro o n.4. Neste, Beethoven dá literalmente asas à imaginação e ao próprio piano.
O primeiro movimento se inicia solene, logo avança para o lírico, mas acaba fluindo como um "exercício" despretensioso, uma brincadeira, embora requeira relativo virtuosismo por parte do intérprete.
No lento e contido segundo movimento (andante com moto), o "silêncio" fala tão alto quanto as próprias notas com as quais rivaliza. Genial!
O terceiro movimento é um "gran finale" apoteótico que consagra de vez a obra como um dos mais belos concertos para piano do repertório.

Na despedida de Richard Strauss, a celebração da vida!


Apesar da excelência do legado de Schumann e Schubert no gênero, minhas canções preferidas são as quatro últimas compostas por Richard Strauss, aos 84 anos, um ano antes de falecer.
Com letras de Herrmann Hesse e Joseph Eichendorff (abaixo), as quatro canções, em comovente tom de despedida, tratam da transitoriedade da vida e da inexorabilidade da morte, oferecendo uma visão poética da existência, desde o olhar romântico e otimista da juventude (primavera) até a resignação diante da proximidade do fim (pôr do sol).
O ciclo completo é uma das obras-primas do compositor, que, infelizmente, não viveu para ouvir.

Frühling (Primavera)
Letra: Herrmann Hesse
Em cavernas sombrias
sonhei longamente
com suas flores e céus azuis,
com seus odores e cantos de pássaros.
Agora você está revelada
com todo o brilho e adorno,
inundada de luzes
como um milagre diante de mim.
Você me reconhece novamente,
você me atrai docemente,
todos os meus membros tremem
com sua bem-aventurada presença!

September (Setembro)
Letra: Herrmann Hesse
O jardim está de luto.
A chuva cai fria sobre as flores.
O verão estremece em silêncio,
aguardando o seu fim.
Douradas, folha após folha caem
do alto pé de acácia.
O verão sorri, surpreso e lânguido,
no sonho moribundo do jardim.
Muito tempo ainda junto às rosas
ele se detém, aspirando ao repouso.
Lentamente ele fecha
seus olhos cansados.

Beim Schlafengehen (Ao adormecer)
Letra: Herrmann Hesse
Agora que o dia me cansou,
serão meus fervorosos desejos
acolhidos gentilmente pela noite estrelada
como uma criança fatigada.
Mãos, parem toda atividade.
Fronte, esqueça todo pensamento.
Todos os meus sentidos agora
querem mergulhar no sono.
E minha alma, sem amarras,
deseja flutuar com as asas livres
para, na esfera mágica da noite,
viver uma vida profunda e múltipla.

Im Abendrot (Ao pôr do sol)
Letra: Joseph von Eichendorff
Através de dores e alegrias,
nós caminhamos de mãos dadas;
agora descansamos da nossa errância
sobre uma terra silenciosa.
Em torno de nós se inclinam os vales
e já escurece o céu.
Apenas duas cotovias alçam voo,
sonhando no ar perfumado.
Aproxime-se e deixe-as voar.
Logo será hora de dormir.
Venha, que não nos percamos
nesta grande solidão.
Ó paz imensa e tranquila
tão profunda no crepúsculo!
Como nós estamos cansados dessa jornada.
Seria talvez isso já a morte?

Tradução: Wikipédia.


Nada será como antes...

"Lembrar do passado é como visitar um país estrangeiro..." - L. P. Hartley

Certa vez, o cineasta judeu Roman Polanski, que dirigiu "O Pianista", ambientado no gueto de Varsóvia durante a II Guerra, afirmou que não o fez no gueto de Cracóvia porque foi lá que esteve confinado com a família. Segundo ele, ambientar a história num lugar onde viveu experiências tão traumáticas na infância seria como aviltar ou desonrar as memórias que têm daquele período. A escolha foi pessoal e certamente não se aplica a todos ou a todas a situações, mas talvez ele tenha razão.
Às vezes, eu mesmo me pergunto se devemos revisitar o passado, inclusive os momentos mais felizes. Nos últimos anos, venho me convencendo, a exemplo de Polanski, de que aquilo que ficou para trás, sejam boas ou más lembranças, deve ficar no passado, intocado ou cristalizado.
Já pensei em refazer a primeira viagem, passando pelos mesmos lugares e tentando reproduzir as mesmas emoções que marcaram a minha vida. Bobagem, é melhor deixar tudo "lá". Nada será como antes, e ainda corro o risco de comprometer definitivamente memórias lindas (e idealizadas) que me trouxeram até aqui e pelas quais tenho profundo carinho e gratidão.

Sebos e raridades

 

Esse é o último livro comprado num sebo da Av. Passos, Centro do Rio, que fechou as portas na semana passada.
Tenho uma edição cuja capa eu já tinha restaurado usando até esparadrapo.
Recentemente, resolvi adquirir esse novo volume, em perfeito estado, justamente para substituir o "velho", já bastante manuseado por longos 30 anos.
Editado pela Nova Fronteira em 1990, esse "Guia da Música Sinfônica" com quase 1000 páginas, organizado por François-René Tranchefort, é uma verdadeira "bíblia" para quem gosta ou pretende conhecer o universo das obras sinfônicas dos 200 mais prestigiados compositores da história da música.
Os sebos do Rio dispõem de publicações preciosas, entre livros, cds, dvds e até blu-rays, que não podem mais ser encontradas no mercado tradicional.
Tenho em casa verdadeiras raridades garimpadas ao longo de décadas pelos sebos da cidade. O prazer de encontrá-las, quase sempre a um custo baixo, não está necessariamente no valor pago e sim no conteúdo das obras já esgotadas e fora de catálogo.
Um raro, um raríssimo prazer!

terça-feira, 9 de novembro de 2021

Bruckner e Wand!

 

Finalmente, consegui na "Arquivo Musical" (única loja de clássicos do Rio) a sinfonia n.8 de Anton Bruckner (1824-1896) em sua versão original, com a Filarmônica de Berlim, sob a regência do mago Gunter Wand (1912-2002)
É minha quarta versão em cd dessa obra monumental capaz de quebrar a resistência até dos "detratores" do compositor, em especial o solene e "etéreo" terceiro movimento. Alguns dizem que aqui, nesse longo adágio, Wand teria incorporado o próprio Bruckner na condução da orquestra.
Seja como for, acho que jamais um regente compreendeu tão bem Bruckner como Wand. O andamento que imprime à performance das obras é único e possivelmente revelador do universo mais íntimo do compositor. E estou convencido de que justamente o emprego singular do "rubato" na condução das orquestras seja o segredo de Wand para extrair execuções tão arrebatadoras das sinfonias de Bruckner.
Nesse caso, a Filarmônica de Berlim inteligentemente se submete aos visionários caprichos do regente, que já atingia a idade de 89 anos durante a gravação, realizada em janeiro de 2001. Uma performance que foi eleita pela revista inglesa "Gramophone", especializada em música clássica, como a melhor gravação orquestral do ano e uma das 10 melhores gravações de obras de Bruckner em toda a história da indústria fonográfica.
Infelizmente, Wand morreria meses depois, aos 90 anos, mas deixando um legado inestimável para os amantes da música de Bruckner.