segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Terrence Malick e o papel de cada um de nós

"Uma Vida Oculta" (2019) é mais um belíssimo filme de Terrence Malick, esse baseado em eventos reais. O autor nos coloca na pele de um fazendeiro austríaco que se recusa a jurar lealdade a Hitler durante a II Guerra. Casado e pai de duas meninas, o personagem sofre pressão de todos os lados (à exceção da jovem e corajosa esposa), especialmente da cunhada, de amigos e do próprio bispo local, para assinar o juramento, mas, por profundas convicções religiosas e morais, se recusa terminantemente a fazê-lo, sob o risco até de ser executado.
Os que o amavam lhe pediam apenas o "razoável" para salvar a própria vida, assinar um mero papel e esquecer tudo, mas o que parecia tão simples para eles lhe era totalmente inaceitável, intolerável. Uma verdadeira infâmia!!
É um filme que sugere uma profunda reflexão a respeito da vulnerabilidade humana, das condições físicas e morais às quais estamos submetidos nas relações de poder e do que cada um de nós faz ou deixar de fazer para o bem ou para o mal prosperar. 
Ouso afirmar, ainda, que Malick reitera em seus filmes a importância da fé, da integridade, do afeto e, em última instância, do AMOR em nossa jornada nesse mundo.
Homem de profunda fé cristã, o cineasta dedicou sua vida e sua arte a prestar contas com Deus! E nos inspira a fazer o mesmo!



terça-feira, 3 de novembro de 2020

Perdido em Salzburg

Na primeira vez que visitei Salzburg, na Áustria, em maio de 1995, cheguei à noite e mal pude observar a cidade. No dia seguinte, bem cedinho, saí da casa da Susie, amiga que me hospedava, peguei um ônibus indicado por ela e fui até o centro histórico para conhecer a célebre cidade de Mozart e que serviu de locação para o filme "A Noviça Rebelde". Era um raro domingo de sol naquele período do ano (segundo ela) e muitos turistas já tomavam conta das praças e dos bares. Até as missas nas igrejas estavam lotadas de fiéis (e curiosos). Eu mesmo entrei numa igreja ao ouvir vozes infantis cantando algo familiar. Não era uma gravação! Era um coro infantil "in loco" executando uma das várias missas compostas por Mozart. Dá para imaginar esse cartão de visitas?
Após essa bela recepção, prossegui explorando a cidade. Identifiquei locações do filme, visitei a casa natal de Mozart (agora, um museu) e percebi que tudo em Salzburg gira em torno de seu filho mais famoso e do filme que tornou a cidade conhecida no mundo inteiro. 
À tardinha, ao pegar o ônibus para retornar à casa da minha amiga é que me dei conta de que talvez não soubesse o ponto exato em que deveria saltar, já que havia chegado na casa dela à noite. Literalmente "marinheiro de primeira viagem", não apurei isso antes de me despedir de manhã. Ela só me disse o número do ônibus que deveria pegar (o mesmo, na ida e na volta), e lá fui eu para a cidade como uma criança no parque de diversões ansiosa para experimentar os brinquedos.
Devidamente acomodado no ônibus, inexperiente, confesso que quase entrei em pânico. Nem poderia perguntar ao motorista, já que eu mesmo não sabia o nome de nada. Perguntar qual o ponto de ônibus da casa da Susie? Era só o que eu sabia. Levado a Salzburg pela amiga alemã, não perguntei nada durante a viagem de trem desde Munique. Saltamos na estação principal (hauptbahnhof), pegamos um ônibus e só então chegamos à casa da amiga austríaca. E isso à noite!! Como eu poderia saber o ponto exato para saltar na volta do centro histórico? 
Essa aflição durou todo o percurso. Sabia que era perto e passei a viagem inteira tentando identificar uma paisagem ou uma edificação "familiar". Só me lembrava que a casa ficava no meio de uma curva bem fechada, quase formando um semicírculo (foto). Foi justamente essa lembrança que me salvou, e também o tempo percorrido, que calculei mentalmente. Quando o ônibus entrou na curva, fiz o sinal e saltei no ponto seguinte! Graças a Deus, era o local certo!
Aprendi ali a registrar quase tudo por escrito e não ficar dependendo de outras pessoas. Mas é claro que isso não evitou contratempos em outras viagens. Na verdade, a cada viagem, uma emoção, uma experiência e uma lição diferente, e esse é o grande barato de sair pelo mundo!!



sábado, 31 de outubro de 2020

Adoração ao ídolo!

A cidade de Bayreuth, no norte da Baviera/Alemanha, tem lugar cativo e nobre na história da música. Lá foi erguido o Teatro do Festival de Bayreuth (Bayreuth Festspielhaus), com capacidade para 2000 pessoas, concebido por Richard Wagner (1813-1883) para a montagem de seu ciclo monumental de óperas. A obra, inaugurada em 1876, teve supervisão do próprio compositor e contou com um projeto arquitetônico revolucionário, incluindo a construção de um fosso coberto para a orquestra que torna os músicos invisíveis para o público. Embora auxilie a imersão da plateia na história, trata-se de um recurso controverso porque dificulta o sincronismo entre músicos e intérpretes, um desafio enorme também para o regente.
Bayreuth é uma das mais belas e organizadas cidades que conheci em toda a Alemanha. Curiosamente, apesar de Bayreuth ter sofrido bastante com os bombardeios na II Guerra, não foi atingido seu mais famoso teatro, erguido para a execução de obras de um compositor antissemita e adorado por Hitler. Os aliados sabiam disso? 
O "Bayreuth Festspielhaus" é um verdadeiro templo de adoração a Wagner que atravessa gerações. Frequentado também pelas mais altas autoridades do país, o "Festival de Bayreuth" tem eventos anuais disputadíssimos que requerem compra de ingressos com antecedência de anos. Dei sorte porque no dia da minha visita não havia espetáculo e pude, pelo menos, fazer um tour pelo interior do teatro, com direito a assistir a um vídeo sobre sua construção.
Foi uma tarde agradável e inesquecível. Dali eu iria para Leipzig, outra cidade icônica do universo musical, onde Johann Sebastian Bach se consagrou como organista e compositor. Mas essa é uma outra história!



sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Primeira parada: "Vettelheim"!

Heppenheim (ou "Vettelheim", como dizem os locais em homenagem a Sebastian Vettel) é a bela cidadezinha natal do piloto de F1. Visito Heppenheim sempre que vou à Alemanha, que fica no caminho de Frankfurt, onde desembarco e meus amigos me apanham, para Heidelberg, cidade onde moram. Chova ou faça sol, é parada obrigatória para tomar as primeiras rodadas de cerveja no país. 
Em seguida, paramos na estrada, sempre no mesmo ponto, para comprar frutas vermelhas, em especial morangos, cerejas e amoras, típicas da região. Até a vendedora, uma senhora simpática, parece ser sempre a mesma. Doces lembranças...
Esse programa já se tornou tradição em minhas visitas à Alemanha nos últimos 25 anos.



Visita obrigatória

"Hochstein Musikhaus", fundada há 157 anos, é a única (ou maior) loja especializada em música de Heidelberg, Alemanha. Vende instrumentos musicais, partituras, cds, dvds e blu-rays exclusivamente de obras clássicas, incluindo sinfonias, concertos e óperas.
Encomendei lá a caixa de cds/blu-rays com o ciclo completo de sinfonias de Sibelius lançado pela gravadora da própria Filarmônica de Berlim. Fizeram o pedido em Berlim e me entregaram antes do meu retorno ao Brasil. A melhor compra da viagem!
A visita à simpática loja é obrigatória! Fica na Bergheimer Strasse, pertinho da Bismarckplatz, praça central da cidade e entrada do belo e preservado centro histórico.
Mais um motivo para me sentir em casa em Heidelberg. Na verdade, aqui mesmo no Brasil, são raríssimas as lojas com tamanha variedade de itens de música!



quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Doces recordações

Quando viajo com os amigos da Alemanha de carro ou de trem pela Europa, já se tornou "tradição" a realização de refeições rápidas ao longo do percurso. São "piqueniques" improvisados nas estradas ou mesmo a bordo dos trens. 
Antes do "embarque", passamos em algum supermercado ou padaria e compramos queijos, pães, frios, chocolates, água, vinho e guardanapo. Dessa forma, economizamos tempo e dinheiro durante o dia e deixamos para fazer a refeição principal à noite, nos restaurantes.
Já fizemos piqueniques em todos os locais imagináveis (e improváveis!) de vários países. Na estrada, no trem, na porta de museus, igrejas e palácios, e até na fila para um concerto de verão no Museu D'Orsay e em frente à Notre Dame de Paris.
Esses momentos, por seu improviso, informalidade e descontração, acabam se tornando os mais divertidos das viagens.


quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Toledo: história milenar, três religiões e lar de El Greco

Lembranças de minha primeira visita a Toledo, Espanha, em agosto de 1996. 
A cidade, consagrada como "Patrimônio Mundial da Unesco", conta com uma bela e conservada herança cultural de séculos de ocupação cristã, muçulmana e judaica. Uma convivência religiosa que nem sempre se mostrou pacífica ao longo dos séculos. 
A visita ao centro histórico (ou "casco viejo") se constitui numa verdadeira viagem no tempo. Casarios seculares em ruas estreitas, que preservam o aspecto medieval da cidade, podem representar um enorme desafio para os visitantes desprevenidos (ou fora de forma), mas a recompensa é garantida com a visita a museus, lojas de artesanatos e bijuterias em ouro e prata e, principalmente, à monumental Catedral Gótica, datada do século XIII, com seu magnífico altar em estilo barroco e quase todo "banhado" a ouro.
Mas, para mim, Toledo se torna especial por ter sido lar de El Greco, um dos pintores que mais aprecio na história da arte. Ali, El Greco passou os últimos 37 anos de vida, realizando a maioria das obras de seu período de maturidade artística.
Por estar próxima de Madri, um pouco mais de meia hora de trem, Toledo é uma visita obrigatória para turistas interessados em arte e história medieval.



sábado, 17 de outubro de 2020

Mannheim, passado e presente!

Mannheim, cidade próxima a Heidelberg, foi bombardeada e praticamente destruída durante a II Guerra. Pouca coisa ficou de pé e seu palácio, que agora abriga a universidade local, não foi exceção. A reconstrução no pós-guerra durou de 1947 a 2007 e recuperou o esplendor do estilo barroco da edificação.
Como se trata de um palácio que serviu de residência imperial, os cômodos habitados no passado pelos membros da corte funcionam atualmente como salas de aula, laboratórios e demais instalações da universidade, uma das mais prestigiadas da Alemanha. Ao lado da entrada de cada sala, existe um pequeno quadro indicando a função original do aposento, que pode ter sido o quarto de dormir do príncipe, o quarto de vestir da princesa ou mesmo a sala de jantar da família real. É tudo muito organizado, com o propósito evidente de preservar o patrimônio histórico, artístico e cultural da cidade, embora as instalações sejam intensamente frequentadas por milhares de universitários que ali estudam a cada período letivo.
A cidade também foi sede, no século XVIII, da chamada "Escola de Mannheim", que introduziu novas técnicas de orquestração, influenciando compositores da época, dentre eles, Joseph Haydn e o próprio Mozart, que viveu ali por quase 5 meses. Por muito tempo, Mannheim se estabeleceu como um dos mais importantes centros artísticos e intelectuais da Europa. Não desfruta do mesmo prestígio hoje, mas, do ponto de vista econômico, continua sendo uma cidade de referência na região.






Nostalgia imperial

Em 2017, aproveitei a estada em Viena por duas semanas para visitar Budapeste, que fica a apenas 243 km de distância, uma viagem rápida de trem apreciando a bela paisagem da região.
Por sua arquitetura monumental, a capital húngara mantém uma certa elegância herdada dos tempos do Império Austro-Húngaro, dissolvido com o fim da primeira grande guerra. E décadas de socialismo só fizeram acelerar esse processo de "desbotamento" do brilho artístico e cultural da cidade. Mas ainda é uma bela cidade, certamente saudosa de seus melhores dias no passado. 
E também segura. Quando voltei à noite para o hotel, por volta das 22h, as ruas ainda estavam apinhadas de gente, incluindo famílias com crianças e idosos. Ninguém aparentava qualquer preocupação com segurança. Apesar de surpreso, nem eu!!




Um dia na companhia de Bach!

Em minha visita ao leste da Alemanha, região da antiga RDA (República Democrática Alemã), dediquei um dia inteiro à cidade de Leipzig para conhecer os lugares onde viveu e por onde passou o grande Johann Sebastian Bach. Um passeio indispensável para amantes de música e uma reverência obrigatória ao mestre do barroco.
Logo cedo, estive no Museu Bach, que reúne, dentre outras coisas, objetos pessoais, partituras originais e até instrumentos usados pelo compositor. Em seguida, visitei a famosa Igreja de São Tomás (Thomaskirche), onde Bach permanece sepultado e atuou por um longo período como "kantor" (músico responsável pelo coro e pela música nas cerimônias).
No entorno da Igreja e do museu dedicado ao compositor, tudo parece girar em torno do nome de Bach, lembrando um pouco a relação de Mozart com Salzburg, embora os austríacos pareçam mais "agressivos" na exploração da memória de seu filho dileto. É preciso lembrar também que Bach não nasceu em Leipzig (Saxônia) e sim em Eisenach, na Turíngia. Mas foi em Leipzig que ele compôs boa parte de suas obras mais célebres. 
Faltou apenas visitar a sede do coro de São Tomás (Thomanerchor), tradicional coro infantil de mais de 800 anos que já foi regido pelo próprio Bach. As instalações não se encontram abertas à visitação por tratar-se de um colégio onde as crianças, além de música, estudam as matérias comuns da grade curricular. 
Em Leipzig, fiz questão, ainda, de conhecer a sede da Gewandhaus Orchestra, uma das mais conceituadas do mundo, onde comprei um cd com músicas de Natal executadas pela orquestra e o famoso coro infantil da cidade.
Por último, vale dizer que a forte tradição musical de Leipzig não se restringe à herança de Bach. Lá nasceu o genial Richard Wagner e viveu Felix Mendelssohn, outro grande compositor alemão. Mas esses ficam para uma próxima visita!




quarta-feira, 14 de outubro de 2020

O amigo do gênio

Beethoven, sempre sincero e muitas vezes até grosseiro, não era capaz de bajular ninguém, nem mesmo as altas figuras da corte. Há o registro de um episódio em que teria se negado a curvar-se a um nobre. Ficou famoso também o seguinte comentário atribuído a ele e dirigido a um príncipe: 
- Príncipe, o que és, és acidentalmente por nascimento; o que sou, sou por mim mesmo. Príncipes existem e existirão aos milhares, Beethoven há apenas um!
Justamente por isso, quando Beethoven era gentil, não havia dúvida de sua sinceridade no tratamento. 
A bela "Canção Elegíaca", opus 118, é uma obra singela composta em memória à esposa do barão Pasqualati, um grande amigo de Beethoven e seu senhorio por muitos anos, que mantinha o apartamento livre e disponível mesmo quando o compositor se ausentava por longos períodos. Numa deferência ao amigo, a estreia da obra foi realizada na casa do barão, num dos aniversários de morte da esposa, que faleceu muito jovem.
O próprio barão Pasqualati, por gratidão, apoiou Beethoven pelo resto da vida, garantindo-lhe uma determinada quantia para o sustento nas épocas de "vacas magras".
Beethoven, com sua maneira rude de lidar com os que o cercavam, não fez muitos amigos em sua nem tão longa vida (57 anos). Entre os poucos que puderam contar com sua amizade, certamente se encontrava o famoso barão Pasqualati, cuja casa em Viena (Pasqualatihaus) é visita obrigatória para os fãs do compositor. Lá, Beethoven criou várias de suas obras-primas, incluindo algumas sinfonias, concertos para piano e primeiros esboços de "Fidélio", sua única ópera.



El Escorial, um patrimônio de todos nós!

O "Real Monasterio de San Lorenzo de El Escorial", palácio construído no século XVI pelo rei Felipe II, que já foi residência da família real e hoje serve de mausoléu de reis, rainhas, príncipes e princesas da Corte, fica na aprazível cidade de San Lorenzo, a aproximadamente 1 hora de trem de Madri. 
É uma edificação sóbria, com poucos ornamentos externos e internos, mas que impressiona pela grandiosidade e, principalmente, pela coleção de pinturas (incluindo uma gigantesca de El Greco, um dos meus pintores favoritos), pela bela biblioteca real e pela monumental basílica construída em seu interior. Trata-se de um dos palácios mais impressionantes de toda a Europa, que já recebeu, com justiça, o título de "Patrimônio da Humanidade" por parte da UNESCO.
Em minhas viagens, conheci os mais majestosos castelos e palácios da Europa, incluindo Versailles, Schonbrunn, Neuschwanstein e o próprio Palácio Real de Madri, mas foi no austero "El Escorial" da pequena San Lorenzo, desprovido de luxo e excessos ornamentais, que me senti "em casa". 
Sempre que vou a Madri, a visita ao famoso monastério é um passeio obrigatório.



sexta-feira, 9 de outubro de 2020

No reino de Cascadura

Era uma vez uma pacata vila no reino (nem tão encantado) de Cascadura. Tinha "floresta" com sapo, rã, cobra, goiabeira, jabuticabeira, bananeira, mangueira, caramboleira, tiziu, biquinho de lacre, pardal e sabiá. E também campinho de pelada, time de futebol com camisa e até festa junina com casamento.
Tinha ainda Dna. Maria, a vizinha mais próxima e prestativa; Dna. Nilza, a professora que alfabetizava todas as crianças do reino; Dna. Walquíria, a enfermeira que fazia o melhor pavê da região; Dna. Elvira, a mais rica, que viajava de avião todo ano; e "Dna. Nélia", a mais pobre, que morava com marido e muitos filhos num barraco com puxadinho. 
Mas tinha também o Zé Luis, o Marcos, o Robertinho, o Edílson, a Bete, a Helenilza, a Ildimar, a Duca e a Joaninha. E ainda os passeios ao shopping do reino vizinho (Madureira) e até ao longínquo reino da Penha, no parque com trem fantasma, roda-gigante, carrossel, algodão-doce, pipoca e uma igrejinha bem no alto.
Era uma vez uma infância, uma vila e um reino que o tempo deixou para trás...



quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Lembranças da infância...

Acabei de assistir a uma cena no filme ""A Invenção de Hugo Cabret" que me remeteu diretamente à infância. Ao ver o padrasto sair do trabalho, a menina pega a pasta para ajudá-lo e vão juntos pra casa. Eu era muito pequeno, não tinha mais do que 10 anos. Todas as tardes, praticamente no mesmo horário, eu aguardava na janela meu pai apontar no início da vila para correr em direção a ele e pegar, não a pasta, mas o jornal que ele trazia dobrado e apertando com os dedos junto à pasta. 
Foi ali, bem cedo (ou precoce), que passei a ler jornal diariamente, um hábito que carreguei a vida inteira. Devo isso também ao meu pai, o saudoso Pepe. Um legado singelo do qual talvez nem ele se desse conta na época, mas que certamente contribuiu para me formar como homem e como cidadão!



Literatura e civilização

Otto Maria Carpeaux nasceu na Áustria, em 1900, mas emigrou para o Brasil em 1939, onde permaneceu até morrer, em 1978. 
Intelectual brilhante, Carpeaux tornou-se um especialista em literatura brasileira e universal, mas escreveu também sobre história, sociologia e música. 
No livro "A História Concisa da Literatura Alemã", o autor ressalta que a história da literatura alemã é, na verdade, a história da literatura em idioma alemão, falado por povos que extrapolam as fronteiras do país que se formou apenas no final do século XIX como a nação que conhecemos hoje. 
Certamente uma leitura obrigatória para os admiradores de uma das literaturas mais influentes da civilização ocidental, que nos legou, dentre outros, Goethe, Schopenhauer, Kant, Thomas Mann, Kafka, Herman Hesse, Schiller, Brecht e Nietzshe.



terça-feira, 6 de outubro de 2020

Os dois Pedros do Brasil

Com D. Pedro, conquistamos a independência de Portugal, mas foi com seu filho, D. Pedro II, que o Brasil viveria seus melhores dias no período do império, incluindo o fim "oficial", ainda que tardio e "incipiente", da escravatura. 
Grande líder político, humanista e defensor das ciências e das artes, D. Pedro II se revelou um verdadeiro estadista, respeitado por artistas, intelectuais e cientistas do mundo inteiro. 
Ele viajou por quase toda a Europa, falava 17 idiomas e, estudioso, tinha interesse por todas as áreas de conhecimento. Fez uso dessa erudição em benefício do país, criando instituições públicas que prestam até hoje inestimáveis serviços à nação. 
Reconhecido pelo exemplo de liderança e legado humanitário, viveu os últimos anos exilado em Paris, onde faleceu e teve um funeral com merecidas honras de Chefe de Estado.
Esses dois livros, de autoria de Paulo Rezzutti, revelam detalhes e curiosidades da trajetória desses homens ilustres, pai e filho, que escreveram, talvez, as páginas mais memoráveis da história do Brasil, embora poucos brasileiros tenham ciência disso.



terça-feira, 22 de setembro de 2020

A militância de Ken Loach

"Você Não Estava Aqui", mais recente filme do veterano Ken Loach, conta as agruras de uma família pobre para sobreviver em meio às precárias condições de trabalho e de renda na Inglaterra.
Uma visão humanista e comovente de uma realidade dura que não se limita ao país da Rainha. Pobre, sabemos todos, está fodido em qualquer lugar do mundo. Tanto faz se em dólar, em real, em euro ou em libra!
A boa notícia é que Loach, aos 84 anos, continua nos oferecendo obras com uma profunda visão crítica do capitalismo e das relações de trabalho.



"O Quarteto", uma visão generosa da maturidade

"O Quarteto", de Dustin Hoffman, que acabo de rever, tem um olhar generoso sobre a arte, os sentimentos e as relações humanas na maturidade (ou na velhice).
Um filme que nos lembra que envelhecer "bem" é tratar com generosidade ou condescendência o passado, a vida que levamos e aqueles que nos cercam. Tudo o mais é (ou sempre foi) definitivamente irrelevante!



"Meu Tio" virou romance

Contra a vontade do pai rico e esnobe, o menino se afeiçoa ao tio pobre.
Na garupa da bicicleta, ele passeia pela periferia, faz novas amizades, vive aventuras e descobre com o tio o prazer da liberdade.
O filme de Jacques Tati, de 1958, uma crítica ao consumismo e à sociedade industrial, se tornou um clássico, e Jean-Claude Carriere, célebre roteirista, resolveu transformá-lo num romance, homenageando uma das obras mais  encantadoras do cinema francês.
O livro conta com ilustrações originais de Pierre Etaix, desenhista de cenários do próprio filme.




Joyce e a celebração da natureza humana

O livro está velhinho (a edição é de 1984), mas é a melhor tradução que já li dessa obra-prima do mestre irlandês.
Depois de assistir ao excelente "Paterson", que acompanha o cotidiano de um motorista de ônibus que vê poesia em tudo, deu vontade de reler Joyce e seu olhar sensível sobre personagens comuns de sua Irlanda natal.
A literatura de James Joyce, dentre outras coisas, nos mostra que a vida de cada um, rico ou pobre, famoso ou anônimo, irlandês ou brasileiro, virtuoso ou "pecador", em qualquer época, é intrinsecamente rica e singular. A importância de nossa jornada ou existência reside em nossa própria natureza humana e não necessariamente em como a conduzimos ou no que nos tornamos.
Joyce foi um escritor eminentemente humanista, daí por que sou fã de sua obra.



Quando a Arte não basta!

O maestro Georg Tintner nasceu em Viena, em 1917, e foi o primeiro judeu a ser aceito no tradicional coro "Meninos Cantores de Viena". Mais tarde, estudou composição na Academia de Viena, mas deixou a Áustria em 1938, fugindo da perseguição aos judeus. No caminho para a Nova Zelândia, acabou preso na Austrália ao ser acusado de ser um espião nazista.
Em 1946, tornou-se cidadão neozelandês, mas retornou à Austrália em 1954, assumindo o posto de maestro residente da Ópera Nacional.
Em 1987, emigrou para o Canadá, onde morou até 02 de outubro de 1999, quando tirou a própria vida após lutar contra um câncer por 6 anos.
Tintner se dedicou ao estudo das obras de Anton Bruckner. Convidado pela gravadora Naxos, entre 1995 e 1998, realizou a gravação do ciclo integral das sinfonias do compositor austríaco, considerado até hoje um trabalho de referência para críticos e fãs de Bruckner.
Embora seja um dos inúmeros apreciadores das sinfonias "brucknerianas", confesso que só descobri essa história hoje, após pesquisar na internet sobre gravações da sinfonia n.00 do compositor, única que ainda não tenho e tida apenas como um estudo do gênero.
Georg Tintner amava Bruckner possivelmente como eu e tantos outros fãs do compositor. Seu fim trágico aos 82 anos, após dedicar uma vida inteira à música, é motivo de profunda tristeza por revelar que a arte, a despeito da beleza e da verdade que contém, também não é capaz de nos salvar da dor e da desesperança!





Ansfelden celebra Bruckner

A cidadezinha de Ansfelden, na Áustria, comemorou em 04 de setembro o 196º aniversário de seu filho mais ilustre, Anton Bruckner (1824-1896), talvez o compositor que mais fale ao meu coração. Ao contrário de outros grandes músicos que desde muito cedo tiveram consciência (ou convicção) de seu talento incomum, como Bach, Beethoven, Mozart, Mahler e Wagner, esse homem simples e provinciano passou boa parte da vida "implorando" por atenção e reconhecimento, embora tenha produzido obras monumentais tidas hoje como verdadeiras "catedrais sonoras", frutos de sua profunda devoção religiosa.
Em Viena, para onde se mudou somente aos 44 anos, em 1868, Bruckner enfrentou o desprezo de colegas músicos e de críticos locais influentes, ainda que não lhe tenha faltado o apoio de muitos amigos, notadamente no final da vida, quando recebeu várias homenagens. Mas, na capital austríaca, detratores caçoavam do compositor por sua insegurança, postura servil e até mesmo pelo despojamento com que se vestia, pecado mortal numa Viena ainda imponente e imperial do século XIX. Submisso, não raras vezes, o compositor efetuou alterações significativas em suas composições supostamente já concluídas, visando agradar a críticos e músicos mais experientes e conceituados.
Apesar disso, passados mais de 124 anos de sua morte, a importância do legado de Bruckner é reconhecida por todos os amantes da "boa música", entre compositores, intérpretes e público em geral. Suas obras, em especial as 3 missas e o "Te Deum", são impregnadas de sincera e intensa religiosidade e oferecem ao mundo um inegável testemunho de fé.



A vanguarda de Heinrich Heine

Relendo "Viagem ao Harz", de Christian Heinrich Heine (1797-1856), considerado um dos mais célebres representantes do romantismo alemão.
A obra consiste de deliciosos relatos de viagem, "temperados" por fina ironia e entremeados pela mais alta e bela poesia.
Heine se solidarizou com as agruras dos trabalhadores pobres da nascente sociedade industrial e chegou até a escrever um poema denunciando o tráfico negreiro para o Brasil, ressaltando o sofrimento infligido aos africanos na travessia do oceano em condições desumanas. E não deixou de associar criticamente a escravidão ao café e ao tabaco consumidos pela nova burguesia europeia.
Por sua profunda visão humanista, Heine, ainda em vida, teve seus livros proibidos na Áustria e em boa parte da Alemanha, mas inspirou compositores como Schumann, Brahms, Mendelssohn, Liszt e Tchaikovsky. No Brasil, foi traduzido por Gonçalves Dias, Machado de Assis, Raul Pompeia e Manuel Bandeira, dentre outros.
Infelizmente, o brilhante poeta e escritor passou os últimos 8 anos de vida paralítico e entrevado numa cama. Para um homem desbravador e de espírito libertário, um fim de vida trágico.
O fato é que Heine viveu tão à frente de seu tempo que, um século depois de morrer, foi considerado subversivo pelos nazistas, que queimaram seus livros. Certamente, se vivesse hoje, também não escaparia da onda de estupidez e ignorância que assola o mundo, em especial o Brasil. E ainda seria, sem exagero algum, um homem de "vanguarda"!





Berlim, a capital do futuro.

Berlim ressurge das cinzas e se reconstrói a cada dia, dividida entre as lembranças do passado sombrio e o otimismo por vezes contagiante que se revela em edifícios, ruas, praças e até bairros inteiros reconstruídos após a queda do muro, em novembro de 1989.

Em Berlim, praticamente a cada quarteirão percorrido, encontramos fortes referências (deliberadamente mantidas) aos trágicos acontecimentos do século XX, mas, talvez, nenhuma outra cidade europeia transmita maior confiança no futuro do que a capital alemã.
Se Paris celebra um passado glorioso, refletido na preservação da homogeneidade de seu próprio conjunto arquitetônico, Berlim, por circunstâncias históricas, se vê diante da necessidade de recriar quase tudo, em busca de um futuro diferente e promissor que a redima de seu triste passado, mas sem jamais esquecê-lo!
Esses livros, que comprei quando visitei a cidade há alguns anos, revelam em detalhes todo o processo de recuperação da cidade, evidenciado em ousados projetos arquitetônicos que conferem a Berlim uma faceta moderna e otimista.
Em minha opinião, é a capital europeia mais "conectada" com o futuro, embora ainda enfrente os maiores desafios políticos, sociais e econômicos do presente.




domingo, 17 de maio de 2020

Memórias de Paris.

"Champs Élysées" tomada por policiais e bandeiras da França. Foi assim que deixei Paris exatamente no dia 17 de maio de 1995, 25 anos atrás.
Naquela tarde ensolarada de primavera, depois de 3 dias visitando pela primeira vez a cidade, eu seguiria viagem para Stuttgart, na Alemanha. Saindo do Louvre em direção à Gare de L'est para pegar o trem, vislumbrei a mais famosa avenida de Paris em festa. Achei tudo muito bonito, mas não me dei conta do que estava acontecendo. Somente ao embarcar no trem e ocupar o meu lugar pude, finalmente, descobrir o motivo do clima festivo e colorido na cidade. Uma edição do "Le Monde" abandonada no assento ao lado estampava na capa a notícia da posse de Jacques Chirac como presidente da França justamente naquele dia.
Começava ali a trajetória de Chirac como líder máximo da França e também minha paixão por Paris, cidade que eu teria a oportunidade de visitar outras vezes no futuro. Certamente foi um dos dias mais memoráveis de minhas viagens ao velho continente.
Doces lembranças...

           

quinta-feira, 14 de maio de 2020

Barcelona - Paris, 25 anos atrás!

14 de maio de 1995, domingo de GP da Espanha de F1 no circuito de Montmeló, juntinho de Barcelona. Depois de uma estada de quase uma semana, chegava o dia de me despedir dos primos espanhóis, que conheci justamente naquela viagem. 
Logo cedo, saí para o último passeio, combinando que voltaria ao meio-dia para o almoço de despedida. Mas cheguei um pouco atrasado porque Barcelona estava com vários bloqueios, incluindo o fechamento de algumas estações de metrô, o que me obrigou a pegar ônibus pela primeira (e única) vez na cidade. Tudo por conta da corrida de F1.
Após o almoço, conversamos bastante e tiramos algumas fotografias como lembrança do (re)encontro da família, passados mais de 60 anos. Em seguida, o primo Martin me levou à Estação de Sants, onde eu embarcaria para a França no final da tarde. O dia estava lindo (foto) e o desafio que se apresentava para os próximos dias era conhecer Paris sem falar uma única palavra de francês. Mas foi falando inglês que me livrei de dormir na rua logo na primeira noite. Essa é uma outra história que eu conto depois!
As boas recordações de Barcelona e dos primos espanhóis eu guardaria para sempre. Era o início de uma relação de amizade que se consolidou ao longo dos anos e da qual muito me orgulho até hoje. 
A convite dos primos, retornei à Espanha outras vezes para passar férias na Galícia, terra da minha saudosa avó Evangelina. Uma experiência que me permitiu reunir ricas impressões não só dos primos, mas também do povo espanhol e do próprio país, que aprendi a amar!



sábado, 9 de maio de 2020

Madrid - Barcelona, 25 anos atrás!!

Manhã de 09 de maio de 1995, exatamente 25 anos atrás!
Estação de Chamartin, em Madrid, procedente de Lisboa. Uma noite inteira dormindo numa cabine de trem com três estranhos, um chileno, um francês e um americano. Uma verdadeira babel! Claro, cheio de medo de ser roubado. Eram os primeiros dias de uma viagem que duraria 1 mês. Dormi abraçado à mochila e com os "travellers checks" (ainda em marcos alemães!) dentro da calça. Todo cuidado era pouco.
Dali, eu ainda faria uma conexão para Barcelona no "Talgo", o melhor trem espanhol da época, com previsão de 7 horas de viagem. Hoje, no AVE, o trem veloz, o trecho é percorrido em menos de 3 horas! Tomei o café da manhã no bar da estação, um sanduíche de queijo acompanhado de um delicioso chocolate quente e cremoso, e embarquei um pouco antes das 11h. Próxima parada, Barcelona, e para uma missão muito especial, conhecer os primos espanhóis!
Durante o percurso, desfrutando da paisagem do interior do país, fiquei pensando na responsabilidade de ser o primeiro brasileiro a visitar a família da Espanha após mais de 6 décadas. E sem saber falar espanhol ou catalão, um desafio e tanto para quem fazia a primeira viagem ao exterior e mal tinha saído do Rio.
O combinado é que a prima e o marido me pegariam na estação às 18h, horário previsto para a chegada, mas cabia a mim reconhecê-los por uma foto que enviaram (pelo correio!) meses antes. Foto que eu, "lesado", não levava comigo! Daria certo isso? 
A chegada a Barcelona reuniria mesmo muitas emoções, mas essa é uma outra história!




sexta-feira, 17 de abril de 2020

Beethoven, um gênio "compreendido"!

Nesse ano, o mundo da música comemora os 250 anos de nascimento de Beethoven. A efeméride seria lembrada com concertos programados pelas orquestras mais conceituadas de todos os continentes, mas a pandemia do novo coronavírus deve comprometer a maior parte dos eventos.
De todos os compositores eruditos cuja história de vida conheço, ao menos superficialmente, por meio de livros e filmes, Beethoven é aquele com o qual eu tenho a maior e mais profunda identificação. E isso não tem nada a ver com música ou com sua obra, mas sim com a trajetória de vida do compositor, com os obstáculos que enfrentou e a maneira como reagiu a tudo, nem sempre com conformismo ou resignação.
Intempestivo, irascível, intolerante, cruel, injusto! Ele foi tudo isso, mas guardava dentro de si um profundo amor pela espécie humana e sua jornada nesse mundo, embora, com escolhas equivocadas ou "impossíveis", infelizmente não tenha alcançado a tão desejada realização romântica.
A música de Beethoven é impregnada de todas essas contradições, revelando um homem, mais do que um artista, tragicamente incompreendido e deslocado em seu meio social e em seu tempo. Sua obra nada mais é do que um reflexo ou uma resposta, por vezes enfática, a uma experiência de vida atribulada de um homem que, com sua arte, soube como nenhum outro na história da música transformar obstáculos e limitações pessoais na mais sublime expressão do espírito humano.
É por tudo isso que "compreendo" e admiro Beethoven!