segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Nordeste brasileiro: hospitalidade e desigualdade!

Os amigos estão acostumados a ler comentários sobre as viagens à Europa e os episódios pitorescos (às vezes, até surpreendentes) dos meus passeios pelo velho continente. E já devem ter percebido que, além da Espanha, terra de minha avó Evangelina e de primos que conheci há alguns anos, tenho um interesse particular pela Alemanha, um país que me encanta desde muito jovem, principalmente por sua cultura (cinema, literatura, música, arquitetura etc.) e organização.
Mas é preciso ressaltar que, sempre que tenho oportunidade, visito também algumas regiões do Brasil. E não posso deixar de registrar o carinho que tenho pelo Nordeste brasileiro, principalmente Rio Grande do Norte, Bahia, Paraíba e Pernambuco, estados que visitei na companhia de amigos. 
Destaco a atenção e a hospitalidade com que fui recebido pela gente local, independentemente de classe social. Nas ruas ou nas casas de amigos e de amigos de amigos, a recepção sempre foi muito gentil e calorosa. O menino que aparece nas fotos, cujo nome infelizmente esqueci, é um bom exemplo. Morador humilde de João Pessoa, ele nos guiou pelos pontos turísticos do centro da cidade, invariavelmente com um sorriso no rosto e sem combinar qualquer remuneração. É claro que no final do passeio nos cotizamos e lhe demos uma boa gorjeta. Certamente ele esperava por isso, e não poderia ser diferente.
O fato é que, embora eu seja muito bem recebido em todos os países que visito, é no Nordeste brasileiro que costumo me sentir mais à vontade. Naturalmente, isso se deve também ao idioma comum, que facilita a aproximação e o entendimento. Se não dispõe de história milenar e cultura clássica, como a Europa, o povo nordestino "compensa" tudo isso revelando alegria e calor humano num nível difícil de encontrar entre a maioria dos europeus, o que torna uma visita à região, de praias paradisíacas, uma experiência realmente inesquecível.
É uma pena que as classes dirigentes (ou elites) desse país venham tratando o Nordeste, de uma maneira geral, com um descaso criminoso ao longo dos tempos, apesar dos esforços dos últimos governos federais no sentido de promover a inclusão social. Infelizmente, os resultados alcançados com esses programas assistenciais ainda são modestos, ou insuficientes. Basta ver os índices vergonhosos da região (baixa renda per capita, analfabetismo etc.) revelados pelos indicadores sociais mais recentes. Para um país que figura entre as maiores economias do mundo, são desigualdades simplesmente inaceitáveis.



domingo, 22 de setembro de 2013

Como se não houvesse amanhã


Quando chegamos a uma determinada idade (não necessariamente boa ou ruim), a tendência é idealizar o passado, como se tudo lá tivesse sido um paraíso, repleto de alegrias, o que, na maioria dos casos, sabemos que não correspondente à realidade. 
Acho que isso acontece porque, invariavelmente, lá no passado, quando éramos mais (ou bem) jovens, ainda nos permitíamos acalentar doces ilusões a respeito de nossas trajetórias de vida, com promessas de sucesso e realizações. Tínhamos uma vida inteira pela frente, uma verdadeira eternidade para cumprir nossos brilhantes destinos. 
Com o passar dos anos, quase todos acham que falta alguma (ou muita) coisa para se sentirem plenamente realizados, se é que isso, de fato, existe. Mas essa é apenas uma das maneiras de lidar com essa experiência. E talvez a pior delas! 
Se não é possível voltar no tempo, e se o relógio da vida nos pregou uma peça reduzindo, mas não eliminando, nossas chances, só nos resta inverter a lógica, vivendo cada dia como se fosse o último, mais ou menos como diz a letra da música do saudoso Renato Russo. E o amanhã pode ser encarado como prorrogação nesse jogo de final imprevisível.

domingo, 15 de setembro de 2013

Dormindo no estábulo



Se não fosse Dona Erika, a simpática senhora que aparece na porta da casa, teríamos dormido nós quatro (meu amigo, a esposa, eu e uma amiga) nas montanhas austríacas, ao relento e sujeitos a chuva e frio. Explico melhor. É que meu amigo Armin, que de alemão só tem a cara e a nacionalidade, quase nunca reserva hotéis com antecedência em nossos passeios. Ele acha que de carro tudo fica mais fácil, bastando perguntar aqui e ali para encontrar um abrigo. Acontece que nem sempre funciona assim. No Lago Constança (Alemanha), em 2011, quase tivemos que dormir no carro, já que os hotéis/pousadas locais estavam todos lotados, por conta das férias de verão. 
Dessa vez, por volta das 6 horas da tarde, passeando pelos alpes austríacos, nos demos conta de que ainda não tínhamos local definido para pernoitar. Em cada aldeia visitada, perguntávamos aos moradores se conheciam algum hotel ou pousada nas redondezas. A resposta era quase sempre negativa, apesar da atenção e da cordialidade dos aldeões, solidários com nosso problema. 
Até que em Nenzing, uma típica aldeia dos alpes austríacos, nosso amigo alemão se lembrou de que já tinha se hospedado ali, em um de seus costumeiros passeios com bicicleta pelas montanhas. Procuramos por algum tempo, entrando e saindo várias vezes das mesmas ruas, e, quando já estávamos pessimistas e imaginando dormir num estábulo qualquer, ele finalmente encontrou a casa de "Dona Erika", que, por sorte e graça de Deus, dispunha de dois quartos naquela noite. Foi um alívio geral. Retiramos nossas malas do carro, ocupamos os respectivos aposentos, tomamos um banho revigorante e fomos jantar num restaurante do camping local, onde comemos um prato típico. Em seguida, é claro, nos recolhemos porque ninguém é de ferro.
No dia seguinte, Dona Erika nos serviu gentilmente o café da manhã. Solitária, ela disse que estava com o marido muito doente, e aproveitou a oportunidade para nos mostrar, com evidente entusiasmo, os quadros que havia pintado nos últimos anos. Finalmente, ainda teve tempo para fazer queixa dos vienenses, segundo ela, metidos e preconceituosos com os austríacos do interior. 
Logo depois, nos despedimos de Dona Erika, essa que aparece na foto, desejando-lhe felicidades e pronto restabelecimento para o seu companheiro. Que Deus os abençoe!

domingo, 8 de setembro de 2013

Música, tradição e civilização


O Coro de Meninos da Igreja de St. Tomas, de Leipzig (Alemanha), fundado em 1212, é destinado a preparar jovens de várias nacionalidades, entre 9 e 18 anos, para a melhor performance musical e também para a vida em sociedade. 
Os garotos são afastados por 9 anos de suas famílias para ingressar numa escola em regime de internato, subordinados a uma disciplina rígida onde aprendem, além da música (é claro!), todas as matérias do currículo dos ensinos básico e médio na Alemanha. 
Ficou claro no documentário que a concorrência é sempre muito grande para integrar o "St. Tomas". O critério inicial, que funciona como pré-requisito, é a vocação (ou aptidão) musical, sem a qual nenhum deles tem qualquer chance de ingressar no coro. Em rápido depoimento, um calouro de aprox. 10 anos descreve sua emoção ao ser aceito pela instituição e conclui afirmando que "sempre" desejou fazer parte daquilo. Ouvir isso de um menino é no mínimo curioso.
O fato é que para nós, brasileiros, nascidos num país jovem e de poucas tradições, causa estranheza uma experiência como a do coro de St. Tomas, cujo ideal artístico e musical já atravessa 8 séculos, atraindo gerações seguidas de jovens, sem dar qualquer sinal de enfraquecimento. É uma bela tradição que dá um testemunho inequívoco do valor civilizatório da arte e da música.
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