domingo, 15 de setembro de 2019

Rússia: um império em transformação

Após ler "As Últimas Testemunhas - crianças na segunda guerra mundial", de Svetlana Aleksiévitch, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura de 2015, que contém relatos comoventes de testemunhas das atrocidades cometidas pelos nazistas na ex-União Soviética, decidi descobrir com o livro "O Fim do Homem Soviético", da mesma autora, como a sociedade russa reagiu à queda do império soviético e à ascensão do capitalismo que se instalou no país a partir dos anos 1990.
Divididos entre saudosos de um tempo sem volta, acalentado principalmente pelos mais velhos, e desejosos de mais democracia e liberdade, os russos vêm escrevendo, nos últimos 30 anos, um novo capítulo de sua história rica e milenar.
Nas primeiras páginas já foi possível perceber o quanto foi traumática a transição "acidental" (ou sem planejamento) do socialismo para o capitalismo. Uma experiência dolorosa que provocou a divisão de um povo cuja trajetória de vida se confundia com a própria história do socialismo. Não estava em jogo apenas o destino das pessoas com a adoção do novo regime (capitalismo), mas também o que dava sentido à existência de um império orgulhoso de seu passado e de suas conquistas.
O livro revela que um dos maiores problemas da queda do socialismo foi que a adoção instantânea do capitalismo levou mais pobreza para grande parte de uma população que não estava acostumada a sobreviver por sua própria conta, esforço e risco. 
Enfim, não é possivel, de um dia (mês ou ano) para o outro, substituir uma experiência de 7 décadas de tutela do Estado por um novo sistema no qual a sobrevivência de cada um depende exclusivamente da iniciativa individual.
O livro traça um painel abrangente dos valores que forjaram o caráter de um povo que viveu por gerações em função de guerras e do orgulho patriótico. A desintegração do império soviético, nos anos 1990, provocou feridas profundas na vida nacional que certamente ainda não cicatrizaram.
A impressão que fica é que a experiência de 70 anos de comunismo criou raízes na alma do povo soviético de uma forma que o capitalismo que o sucedeu ainda não foi capaz de "arrancar". E será um dia?
Em resumo, há entre os russos um clima latente de saudosismo, associado ao sentimento de orgulho de já ter pertencido a um império temido e que agora se rende ao poder corrupto do dinheiro e da riqueza material. Um sentimento compartilhado também por boa parte da juventude.
E que ninguém se engane. A Rússia atual vive dias de incertezas e nem a liderança firme e autoritária de Putin demonstra ser capaz de pacificar um povo radicalmente dividido entre a herança gloriosa do passado socialista e a promessa de prosperidade e "felicidade" ainda não cumprida pelo capitalismo!