terça-feira, 30 de outubro de 2012

Um filme perturbador

Comentei com amigos, no último domingo, sobre o filme "A Estrada" (2009), que mostra a luta de pai e filho pela sobrevivência num mundo devastado por um cataclismo de proporções planetárias (de origem não explicada), onde, aparentemente, os valores básicos da civilização foram extintos.
Fiz menção especificamente a uma cena que considero uma das mais cruéis que já vi no cinema, quando o pai, na tentativa de preservar a vida e a do filho (aprox. 10 anos), despoja um maltrapilho de tudo que ele carrega, incluindo a roupa que veste, deixando-o completamente nu, num cenário frio e desolado, e entregue à própria sorte.
Convenhamos, uma situação em que um pai ensina ao filho pequeno que a única maneira de sobreviver é abandonando o pouco que lhe resta de compaixão e humanidade contém uma mensagem extremamente perturbadora.  
Mas acho que o filme é mais do que isso. Embora permeada de tristeza e desilusão, pode-se afirmar que a história tem um final relativamente esperançoso, capaz de redimi-la e também de nos libertar. Vale a pena assistir.
Os vídeos abaixo apresentam o trailer do filme e a sensível trilha sonora composta por Nick Cave e Warren Ellis.




sexta-feira, 26 de outubro de 2012

"Baaria - A Porta do Vento", refilmagem ou continuação de "Cinema Paradiso"?


Com "Cinema Paradiso", de 1988, Giuseppe Tornatore realizou uma bela e comovente homenagem ao cinema. A amizade entre o pequeno Toto (Salvatore Cascio) e o inesquecível projecionista Alfredo, interpretado pelo falecido Philippe Noiret, embalada pela encantadora música de Ennio Morricone, emocionou e fez chorar plateias do mundo inteiro, consagrando uma história de amor ao cinema que atravessou gerações.
Em 2009, Tornatore retomou a atmosfera romântica e bem-sucedida de "Cinema Paradiso", lançando a superprodução "Baaria - A Porta do Vento", supostamente uma continuação do filme anterior (para muitos, uma refilmagem). A nova produção conta a história de três gerações de uma família também siciliana, traçando um painel da cena política italiana ao longo de 50 anos, com foco no romance entre os jovens Peppino e Mannina e na trajetória de vida do menino, desde a infância nos anos 30, até a maturidade, com a consolidação de sua carreira política no Partido Comunista. 
Mas o tom épico do filme, que contrasta inicialmente com o clima intimista de "Cinema Paradiso", não é de todo resolvido. Reiteradas vezes, quando a história parece evoluir para um aprofundamento do contexto político, o roteiro mantém a atenção nas questões mais pessoais e afetivas do protagonista, relegando a um plano secundário aspectos relevantes da história contemporânea da Itália. 
Embora, em maior ou menor medida, isso possa comprometer a consistência narrativa de "Baaria - A Porta do Vento", a apreciação do filme depende mesmo é da marca deixada por "Cinema Paradiso" na mente do espectador, que precisa evitar a armadilha de comparar as duas obras, já que ambas contêm vários elementos em comum.


segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Um clássico eterno do humanismo

Revi recentemente "Ladrões de Bicicleta" (1948), de Vittorio de Sica, e mais uma vez fiquei emocionado com uma das mais belas sequências do filme, verdadeiro ícone do movimento neorrealista italiano. Trata-se do momento em que o personagem Ricci, um homem humilde, honesto e trabalhador, resolve roubar uma bicicleta, na tentativa de preservar o precário emprego que conquistou a duras penas na empobrecida Roma do pós-guerra. 
A sequência começa com o personagem decidindo realizar o roubo, ao ver uma bicicleta sem a vigilância do dono. Antes de agir, Ricci pede a Bruno, seu filho de aprox. 8 anos, para esperá-lo em outro ponto da cidade. Em seguida, ele rouba a bicicleta, mas é flagrado pelo dono, que aparece repentinamente, e passa a ser perseguido por várias pessoas, aos gritos persistentes de LADRÃO!, LADRÃO!
O filho, que havia sido despachado pelo pai um pouco antes, ainda está por perto e acaba presenciando todo o episódio. A expressão do menino, surpreso e desesperado com a atitude do pai, nos comove tão profundamente como poucas vezes o cinema foi capaz de fazê-lo até hoje. Podemos observar o pai sendo alcançado pelos perseguidores e o menino correndo, aos prantos, para ficar ao seu lado, o que acaba por livrar Ricci da prisão ou de um possível linchamento. Mas não de um profundo sentimento de humilhação que o acompanha nos momentos seguintes, quando o personagem se dá conta da gravidade do erro cometido, lamentavelmente testemunhado pelo próprio filho. 
Por alguns instantes, que parecem eternos, os dois caminham em silêncio, de mãos dadas e às lágrimas, numa cena emocionante e também constrangedora, talvez por sabermos que estaríamos todos, homens de bem, sujeitos a cometer o mesmo erro, naquela situação de extrema pobreza e necessidade. Enfim, uma sequência antológica impregnada do humanismo característico das produções neorrealistas, que figura certamente entre as mais importantes de toda a história do cinema.



sexta-feira, 19 de outubro de 2012

"Nada que é dourado permanece"


"Vidas sem Rumo", singelo e cativante filme de Francis Ford Coppola, conta com uma bela abertura ao som de "Stay Gold", canção interpretada por Steve Wonder e inspirada no poema "Nada que é dourado permanece", de Robert Frost (1874-1963), transcrito abaixo:

"O primeiro verde da natureza é dourado,
Para ela, o tom mais difícil de fixar.
Sua primeira folha é uma flor,
Mas só durante uma hora.
Depois folha se rende a folha.
Assim o Paraíso afundou na dor,
Assim a aurora se transforma em dia.
Nada que é dourado permanece." 

O livro que deu origem ao filme, de Susan Eloise Hinton, escrito quando a autora tinha apenas 17 anos, foi reeditado recentemente no Brasil, uma boa oportunidade para as novas gerações conhecerem a sensível obra de Hilton.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Definitivamente, Tchaikovsky



A G. Ermakoff Casa Editorial acaba de lançar no Brasil a biografia definitiva de Piotr Ilitch Tchaikovsky, um dos mais populares compositores eruditos de todos os tempos. 
Autor de obras consagradas pelo público universal, dentre elas, balés, óperas, concertos e sinfonias, Tchaikovsky ganha agora sua biografia mais fiel e completa, escrita pelo historiador russo Alexander Poznansky, que pesquisou por 25 anos toda a documentação disponível sobre o compositor, incluindo mais de 7.000 cartas (enviadas e recebidas) e extensos arquivos só revelados recentemente.
É um volume com mais de 900 páginas, com merecida capa dura, que revela a rica e atribulada trajetória de vida de um artista querido e apreciado pelas mais diferentes plateias do mundo, encantadas com as belas e comoventes melodias que caracterizam grande parte de suas obras.
Claro, é imperdível e já comprei!

sábado, 13 de outubro de 2012

Pequenos filmes, grandes músicas

Já escrevi inúmeras vezes sobre o impressionante talento do saudoso Jerry Goldsmith, autor de tantas trilhas sonoras memoráveis para o cinema, como "Patton", "Star Trek", "A Profecia", "Poltergeist" etc. 
Ouvi agora há pouco mais um trabalho do compositor que depõe exatamente sobre sua maior qualidade, que era a capacidade de transformar filmes menores em produções superiores pela excelência de suas composições. 
Acompanho essa arte maravilhosa (música para filmes) há mais de 30 anos e a maioria dos poucos profissionais que conheci com essa habilidade é formada justamente pelos precursores (ou pioneiros), compositores europeus como Max Steiner, Franz Waxman, Dimitri Tiomkin, Erich Wolfgang Korngold e Miklos Rozsa, que, ainda nas primeiras décadas do século passado, estabeleceram os padrões do que conhecemos hoje como score orquestral para filme.
"Pequenos Guerreiros" é um exemplo perfeito dessa arte difícil e rara que consiste em "salvar" ou, pelo menos, promover um filme mediano por meio de uma trilha sonora de alta qualidade. É uma aventura familiar, sem maiores pretensões, envolvendo adolescentes e brinquedos belicistas. Embora seja um filme bem produzido, que conta até com um bom roteiro, suspeito que só tenha permanecido em minha memória por causa da bela e funcional música de Jerry Goldsmith, recheada de humor, autoparódia e até mesmo passagens de estilo épico. Tudo isso certamente muito acima do que a produção poderia sugerir a um compositor menos talentoso e criativo. 


sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Em defesa do futuro


Um prêmio de natureza eminentemente política, o Nobel da Paz deste ano acaba de ser concedido à União Europeia pelo Comitê Nobel da Noruega. 
Após as duas grandes guerras ocorridas na primeira metade do século XX, que tiveram o continente europeu como palco principal, alguns países da região resolveram se unir para promover a recuperação de suas economias combalidas pelos conflitos. Esse processo culminou com a assinatura do Tratado de Roma, em 1957, que criou a Comunidade Econômica Europeia (CEE), embrião da entidade hoje conhecida como União Europeia, que reúne 27 países com interesses políticos e econômicos comuns. 
Um belo e ambicioso projeto que, em função da crise econômica iniciada em 2008, vem enfrentando desafios cada vez maiores à sua sobrevivência.
Acredito que a concessão do prêmio Nobel à União Europeia, anunciada hoje na Noruega, tenha intensa motivação política, na tentativa de inspirar governos e políticos europeus a dar continuidade ao esforço de construção de uma sólida união dos povos, em defesa do bem-estar e da paz no continente. 
Na verdade, pelo forte simbolismo que encerra, o sucesso dessa experiência interessa a toda a humanidade.


quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Retratos do Brasil



Após "1808" e "1822", sucessos editoriais de Laurentino Gomes que contam, respectivamente, as histórias da chegada da família real portuguesa ao Brasil e do período da independência do país, tivemos, em março deste ano, o lançamento de "O império é você", no qual o escritor espanhol Javier Moro publica relatos polêmicos sobre a vida de D. Pedro I.
Nesta semana, chega às livrarias "1565 - Enquanto o Brasil Nascia", do jornalista Pedro Dória, que aborda a contribuição de portugueses, franceses, índios e negros para a formação da identidade do país e para a fundação das cidades brasileiras. 
Para quem já leu os três livros anteriores, torna-se indispensável conferir mais essa obra sobre a história ainda mal contada do país, tema que vem se tornando habitual no mercado editorial brasileiro, o que não é pouca coisa numa nação sem memória.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

"O destino bate à porta"


Faz algum tempo, tive o privilégio de assistir ao concerto da Orquestra Sinfônica Brasileira executando a belíssima 5ª sinfonia de Beethoven, também conhecida como "Do Destino". 
Certamente, é a obra mais popular do compositor alemão. Desde os já famosos quatro primeiros acordes (tchan tchan tchan tchaaaan!!), nós, ouvintes mortais, de diferentes origens e preferências, somos arrebatados pela combinação de vigor e delicadeza que permeia toda a obra. É música em estado puro. Os próprios músicos costumam se entregar com disposição incomum em sua execução. 
Não há como negar, a 5ª Sinfonia de Beethoven constitui-se em verdadeiro monumento musical, e dá testemunho da grandiosidade do espírito humano e de sua inesgotável capacidade criativa. Se o compositor não tivesse feito mais nada, ainda assim, com essa única obra, teria entrado para a história da música e da arte ocidental. 
O vídeo mostra o eletrizante último movimento da sinfonia, com a Orquestra Filarmônica de Viena, sob a regência do maestro alemão Christian Thielemann.



domingo, 7 de outubro de 2012

A trilogia de Paris



Depois de "Os Anos Loucos" e "Os Anos Sombrios", ambos de William Wiser, sobre os anos 20 e 30 (respectivamente) em Paris, foi lançado no Brasil o livro "Paris - A Festa Continuou", de Alan Riding, que trata do período de ocupação da capital francesa pelos nazistas, entre 1940 e 1944.
A obra de Riding encerra uma curiosa trilogia sobre as décadas que transformaram Paris em símbolo de arte e cultura no século XX.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

"Casablanca" - Um clássico em alta definição!



Já está disponível no mercado nacional a edição comemorativa dos 70 anos de "Casablanca", vencedor do Oscar de 1943 e um dos maiores clássicos do cinema mundial. A exemplo do lançamento no mercado americano, a edição brasileira agora é em blu-ray (HD) triplo, recheada de extras e acompanhada de um pequeno livro com fotos e informações sobre a produção.
Ao longo dessas 7 décadas, é claro, muito já se falou e escreveu sobre o filme, mas vale a pena destacar alguns detalhes. 
Se considerarmos todas as dificuldades enfrentadas durante as filmagens, e o resultado final obtido nas telas, Casablanca representa um verdadeiro milagre cinematográfico.
O filme conta uma das mais encantadoras histórias de amor do cinema e tem presença obrigatória em qualquer lista dos maiores clássicos de Hollywood. Adaptado de uma peça nunca produzida (Everybody Goes to Rick's), o texto foi escrito inicialmente pelos irmãos Julius e Philip Epstein, e por Howard Koch. Mais tarde, com o abandono do projeto pelos irmãos Epstein, coube a Koch concluir o roteiro, eleito há alguns anos pelo Sindicato dos Roteiristas da América (WGA) como o melhor de todos os tempos.
Problemas não faltaram ao longo da produção. Muitas cenas foram escritas à noite para filmar já na manhã seguinte. Nesses casos, o elenco só recebia os diálogos no próprio dia da filmagem. Apesar disso, a história de Rick e Ilsa vem emocionando plateias de diferentes culturas há várias gerações.
A trilha sonora coube a Max Steiner, um dos mais conceituados compositores de Hollywood, já naquela época. No entanto, a canção-tema (As Time Goes By) é de autoria de Herman Hupfeld, e foi escrita para uma peça encenada na Broadway, em 1931, pouco conhecida do grande público. Steiner tentou compor um tema original, mas os produtores insistiram no aproveitamento da música de Hupfeld, que acabou se tornando o símbolo do filme e do próprio romantismo no cinema.
De todas as qualidades de Casablanca, destaca-se a composição de um dos mais belos personagens da história da sétima arte. Embora cínico, Rick, vivido por Humphrey Bogart, tem um comportamento que evidencia duas indiscutíveis provas de amor. Primeiro, renuncia à mulher de sua vida, Ilsa (Ingrid Bergman), deixando-a partir com Laszlo (Paul Henreid) por considerá-lo mais capaz de fazê-la feliz. Segundo, ao permitir a fuga de Laszlo, salvando sua vida, Rick contribui para o movimento de resistência aos nazistas, o que revela um caráter nobre e altruísta que o personagem insiste em dissimular ao longo de todo o filme.
O fato é que Casablanca tem qualidades raramente reunidas numa mesma produção cinematográfica. É um filme que marcou uma época, mas que continua encantando gerações seguidas de cinéfilos, por tratar de temas universais que não envelhecem. 

terça-feira, 2 de outubro de 2012

"A Noite Americana": Truffaut, Delerue e o amor ao cinema

Somente a parceria de dois gênios poderia nos proporcionar essa obra-prima inesquecível. A música composta pelo saudoso Georges Delerue confere ao filme de François Truffaut, o mais cinéfilo dos cineastas, o adequado tom poético da produção. 
"A Noite Americana" é uma verdadeira declaração de amor ao cinema (a música começa aos 30 segundos).

A Gênese do Mal

"A Fita Branca", do diretor austríaco Michael Haneke, é um filme ambientado numa pequena aldeia do norte da Alemanha, em 1913, que especula sobre o processo que teria levado ao surgimento do nazismo na sociedade alemã. 
Consagrada em Cannes com a conquista da Palma de Ouro, em 2009, a produção foi rodada em cores e copiada, mais tarde, em preto e branco. O roteiro, escrito pelo próprio Haneke, é excelente e o elenco, praticamente desconhecido por aqui, tem atuação impecável, incluindo as crianças, com destaque para o menino que usa a fita branca. 
A curiosidade é que o filme não dispõe de trilha sonora original, nem mesmo nos créditos. As poucas músicas utilizadas em cena são diegéticas e integram o ambiente filmado, sendo ouvidas também pelos personagens (canto, piano etc.), um recurso de linguagem perfeitamente adequado à proposta do filme, que não requer artifícios dramáticos adicionais. Enfim, uma produção incomum e que faz pensar, ainda que, eventualmente, se possa discordar das teses do diretor.