quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Entre Deus e todos nós!

 


Como comenta um amigo de Carlos Kleiber (1930-2004) no documentário "Estou perdido para o mundo", em termos de música, o maestro teria sido o melhor mediador entre Deus e a humanidade. Para quem já ouviu ou assistiu Kleiber, faz sentido, muito sentido! 
Pena que o artista tenha terminado seus dias solitário e melancólico. Em dezembro de 2003, ao perder sua companheira de décadas e descobrir um câncer de próstata, caiu em profunda depressão. Meses depois, se isolou em Konjsiva, uma aldeia nas montanhas da Eslovênia, onde veio a falecer em julho de 2004.
O casal repousa agora (lado a lado) no cemitério da pequena propriedade eslovena, como revela a comovente cena final do documentário.
Triste fim para um homem singular e um artista extraordinário que jamais se rendeu à indústria fonográfica. Sem fazer concessões, só regeu quando quis e as obras que apreciava. E não foram muitas. Era certamente a antítese de Karajan, a própria personificação da indústria. Talvez por isso mesmo tenha virado lenda!

A difícil gestação de uma obra-prima!

 


Faltava ler essa tradução elogiadíssima de Caetano W. Galindo para "Dublinenses", minha obra favorita de James Joyce.
Com pouco mais de 20 anos, o escritor descreve em 15 belíssimos contos e com precoce maturidade as inquietações de típicos personagens (crianças, jovens e idosos) de Dublin, sua cidade natal, no início do século XX.
Para publicar a obra, Joyce enfrentou uma "via crucis". Após sofrer críticas até do pai, cogitou excluir um dos contos (Um Encontro), empenhou relógio e contratou advogados na tentativa de ver o livro publicado, o que só ocorreu dois anos depois de concluído. Um ano mais tarde, só 379 exemplares haviam sido vendidos, 120 dos quais comprados pelo próprio Joyce.
Mas a obra sobreviveu, atravessando gerações e encantando leitores de várias nacionalidades e culturas.

Entre a vocação autoritária e o anseio democrático.

 


Acabei de assistir, no canal "Curta!", ao documentário "Os Anos JK: Uma Trajetória Política".
Sinceramente, o que mais me entristece e envergonha no nosso país, na verdade, como brasileiro mesmo, não é nem a corrupção sistêmica, um "câncer" que corrói a confiança do povo nas instituições e nos poderes constituídos, mas a falta de tradição democrática, uma constatação óbvia ao estudar a história do Brasil nos últimos 200 anos.
Somos uma nação rica em recursos naturais e com uma extraordinária diversidade humana, uma rara combinação que nos confere um potencial enorme de produção de riquezas e de desenvolvimento econômico e social. Mas a vocação autoritária é uma praga que nos persegue por gerações. As ameaças ao Estado de Direito e à ordem democrática são frequentes ao longo da história, isso quando não estamos já mergulhados em regimes autoritários como foi no Estado Novo, de Getúlio, nos anos 1930, e na ditadura militar, entre 1964 e 1985.
Sempre que avançamos um pouco na tentativa de consolidação de um regime democrático, nossa vocação para o autoritarismo se manifesta em defesa do arbítrio e do retrocesso, como vimos emblematicamente no último dia 7 de setembro.
O estabelecimento de um Estado Democrático de Direito é, portanto, uma luta diária e também um enorme desafio que atravessa gerações no Brasil.
Parece que estamos definitivamente condenados a uma eterna luta entre a vocação autoritária e o anseio democrático.

Stefan Zweig, um homem à frente do seu tempo!

 

Em 1941, em sua passagem pelo Rio de Janeiro, Stefan Zweig sugeriu a Lasar Segall, pintor que conheceu em São Paulo, "uma representação de toda a tragédia dos refugiados de hoje", certamente se referindo às vítimas da guerra em curso na Europa.
Na ocasião, Lasar estava justamente terminando "Navio de Emigrantes" e lhe enviou uma fotografia do quadro. Zweig, então, respondeu: "há nele uma síntese visionária da miséria contemporânea."
Há 80 anos, Zweig já chamava a atenção para o problema dos refugiados originários de regiões conflagradas, crises migratórias que se tornam cada vez mais frequentes num mundo globalizado que elimina fronteiras para o fluxo de produtos e mercadorias, mas que resiste à circulação de pessoas. 

Amor e ódio, vício e virtude!

 

"Da Alemanha", publicado no início do séc. XIX pela francesa Madame de Staël (1766-1817), é uma verdadeira declaração de amor à Alemanha, o que provocou, à epoca, um êxodo da intelectualidade do continente em direção ao país.
O efeito foi tão "devastador" (também por conter críticas à cultura francesa) que levou Napoleão a proibir o livro e a queimar toda a primeira edição.
Quando li trechos na livraria, encontrei uma descrição (ou impressão) da Alemanha que casa perfeitamente com o que sinto desde minha primeira visita ao país e que jamais li em qualquer outro livro ou guia turístico.
Na obra, escrita há mais de 200 anos, Staël já afirmava que faz parte do caráter alemão encarar o cumprimento de uma ordem como um dever.
Isso explica Hitler quase 150 anos depois? Muito provavelmente, mas também o sucesso do país, "reconstruído" em poucas décadas à base de um rigoroso respeito às regras e de muita organização.
Assim como acontece com cada um de nós, as nações, para o bem e para o mal, também colhem os frutos de seus vícios e virtudes.