domingo, 17 de março de 2024

Viagens, clichês e as surpresas da vida!

 


Ele odeia surpresas. Vive cada momento de acordo com o "planejado" e nada foge ao seu rígido controle. Tornou-se, então, autor de guias de viagens para pessoas que detestam sair da rotina. Isso mesmo, o público-alvo do seu trabalho é formado exatamente por turistas que gostam de reproduzir nas viagens todas as facilidades às quais estão acostumados em suas próprias casas e cidades.
Quem já assistiu deve saber que estou me referindo a Macon Leary, o protagonista de "O Turista Acidental", uma adaptação para o cinema do romance homônimo de Anne Tyler, escolhida como melhor filme de 1988 pelo Círculo de Críticos de Cinema de Nova York. Assistindo ao filme, confesso que lembrei de um amigo que se parece muito com Leary, o personagem vivido por William Hurt. Ele (o amigo) não abre mão da rotina e receio que só não viajou até hoje para a Europa (um sonho antigo) porque não conhece um guia de viagens como o de Leary.
Mas todos sabemos que em viagens, como na vida, não é possível controlar e prever tudo, daí as dificuldades enfrentadas pelo personagem em sua história pessoal. A partir da trágica perda do filho de 12 anos, vítima de "bala perdida", sua vida toma um rumo completamente inesperado, o que leva Leary a vivenciar situações novas que certamente o ajudarão a ver as coisas de outra maneira.
Nesse sentido, o final do filme reserva ao personagem (e a muitos espectadores) uma bela surpresa. Leary, que se encontra em Paris, resolve retornar aos Estados Unidos. Após arrumar rapidamente a pequena bagagem, ele deixa o hotel sentindo fortes dores na coluna. Na rua, à procura de um táxi para levá-lo ao aeroporto, e não resistindo às dores, Leary acaba abandonando a maleta. Em seguida, ele avista um táxi parado, de onde sai um adolescente. Com pressa (e dificuldade), Leary grita "espera", mas o motorista não ouve e arranca com o carro. O garoto, ao ver Leary, e percebendo que ele desejava pegar o mesmo táxi, também grita para o motorista esperar. O carro finalmente para e o garoto, com uma gentileza incomum, ajuda-o a entrar no veículo, despedindo-se com um sonoro "Au revoir Monsieur, bon voyage!!", antes de fechar a porta. Leary fica tão surpreso com a atitude do rapaz que o acompanha com o olhar por um bom tempo, supostamente não acreditando que aquele jovem, tão atencioso e gentil, pudesse ser real.
Como sabemos, há poucas coisas mais previsíveis e familiares na vida do que o clichê. E não há maior clichê a respeito dos franceses (e dos parisienses em particular) do que a grosseria e o mau humor. Muitos, portanto, podem pensar que pessoas como o adolescente do filme só existem na ficção, mas não é verdade. Numa de minhas viagens, presenciei situações semelhantes exatamente em Paris. Um rapaz ajudou minha sobrinha a retirar a mala do vagão do metrô e, logo depois, uma senhora chegou a carregar a mala dela pelas escadas. Além disso, quando eu estava tirando fotos no interior da Conciergerie, um menino de aprox. 10 anos que integrava uma excursão escolar, ao me ver fotografando as celas dos presos da Revolução Francesa, orientou os colegas para que se mantivessem afastados, uma atitude que desmente todos os clichês a respeito do povo francês.
Felizmente, após algumas viagens, e a exemplo de Leary, já tive a oportunidade de aprender que Paris e a própria vida não se resumem aos clichês.



Um comentário:

  1. Em Paris também recebi ajuda nas escadas para embarcar no Metro. Nada clichê 🥰

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