segunda-feira, 17 de março de 2014

A revisão do passado sombrio de Heidegger




A publicação na Alemanha, nas últimas semanas, dos 8 volumes dos escritos autobiográficos (Cadernos Negros) de Martin Heidegger (1889-1976) promete estimular o debate sobre as relações perigosas do filósofo alemão com o nazismo.
Os textos e as manifestações públicas de Heidegger já conhecidas revelam o antissemitismo do pensador e sua adesão ao regime nazista. Por tudo que li até agora, excluídos os "Cadernos Negros", não acredito que, no caso de Heidegger, se deva aplicar o princípio da contextualização, tão difundido recentemente, com o qual se pretende diminuir ou mesmo retirar a culpa de determinados personagens e setores da sociedade alemã nos tristes episódios da II Guerra, considerando possíveis circunstâncias atenuantes em que se deram os acontecimentos. Aliás, entendo que precisamos ter cuidado com a aplicação dessa tese sem o devido critério. Daqui a pouco, todos acabarão sendo absolvidos por conta disso, até mesmo o líder máximo do III Reich.
Não podemos negligenciar o fato de que um genocídio foi cometido em pleno século XX, ceifando a vida de milhões de inocentes, incluindo judeus, ciganos, homossexuais e deficientes físicos e mentais, entre outras minorias. Logo, trata-se apenas do imperativo de responsabilizar as pessoas que, por ações, omissões ou opiniões, contribuíram para a perpetração daqueles crimes hediondos.
Reconheço que não me agrada nem um pouco essa onda revisionista que vem reavivando os debates sobre o assunto nos últimos anos. Tem muita gente de boa-fé que adota esse discurso sobre pessoas e acontecimentos daquela época, acreditando que uma nova análise, sob uma perspectiva histórica, permite rever alguns conceitos e julgamentos relativos ao episódio. Mas é preciso ressaltar que há também aqueles que se aproveitam disso para tentar, com propósito no mínimo reacionário, distorcer ou empanar os fatos.
Por coincidência, estou lendo o livro "O Trauma Alemão", de Gitta Sereny, que trata também dessa matéria, e com bastante propriedade. Entre tantas que já li, essa obra, que inclui entrevistas realizadas com líderes nazistas e pessoas comuns (vítimas e algozes), é a que mais se aproxima de uma explicação razoável para tudo que ocorreu na Alemanha durante aquele período. Estou na metade da leitura, mas já recomendo.



Nenhum comentário:

Postar um comentário