domingo, 17 de julho de 2016

Música clássica: O ocaso de uma indústria?


Com o advento do cd nos anos de 1980, a indústria fonográfica especializada em música erudita viveu sua era de ouro, despejando no mercado seus extensos catálogos de títulos clássicos já exaustivamente explorados com o vinil. O público consumidor, ávido por conhecer a nova tecnologia, tratou de substituir seus preciosos lps pelos tão decantados cds, com promessa de som puro e sem os indefectíveis chiados dos bolachões.
Por outro lado, novas gravadoras especializadas em música erudita surgiram da noite para o dia, enriquecendo executivos que mal sabiam distinguir entre "barroco", "clássico" e "romântico".
Foi uma época de fartura, e todos, produtores e consumidores, foram convidados para a festa. Com o auxílio de gravações digitais "perfeitas", surgiram novos intérpretes e regentes, que se tornaram, em pouco tempo, os queridinhos do público. A partir daí, nenhum amante da "boa música" deixou de formar sua própria coleção de cds. As gravadoras especializadas ganharam dinheiro como nunca e bons músicos de orquestra tiveram sua grande oportunidade, afinal, trabalho era o que não faltava.
Mas ainda estava por vir uma mudança que provocaria um "terremoto" na indústria fonográfica e na comercialização de obras musicais. Com a popularização da internet e a chegada do "streaming", além da velha pirataria, comprar mídias de música, especialmente erudita, se tornou um hábito cada vez mais raro, se restringindo a puristas e colecionadores, o que feriu de morte a indústria.
Com isso, gravar a milésima versão da mesma obra de Beethoven, de Mozart ou de Bach, mesmo com novos regentes e intérpretes, tornou-se uma aventura arriscada, considerando os altos custos de gravação e de comercialização dos produtos e o encolhimento do público consumidor para esse tipo de música. Mesmo nos melhores dias da indústria fonográfica, os amantes dos "clássicos" não eram em número suficiente para garantir vendas expressivas de lps ou cds. Essas gravações eram praticamente subsidiadas pelos, então, altos lucros proporcionados às gravadoras por artistas como Michael Jackson, Elton John, Madonna etc.
Hoje, no mundo inteiro, os lançamentos de cds clássicos são escassos (no Brasil, desapareceram), se limitando a concertos do maestro holandês André Rieu, de gosto duvidoso, e releituras dispensáveis de um repertório erudito já exaurido por plateias e consumidores de várias gerações, incluindo as sinfonias de compositores como Beethoven, Mozart, Brahms, Schubert e Mahler; as obras sacras de Mozart, Bach e Handel; e até uma versão reescrita (heresia?) por Max Richter das "Quatro Estações", de Vivaldi. 
Como a média de idade do público frequentador de concertos, no mundo inteiro, está em torno de 60 anos, a própria música clássica como produto cultural corre o risco de desaparecer. 
Numa tentativa de frear esse processo, a Filarmônica de Berlim, uma das orquestras mais prestigiadas do mundo, vem implementando, há alguns anos, um programa de transmissão ao vivo de concertos (Digital Concert Hall), pela internet, um esforço louvável e relativamente bem-sucedido, até agora, para formar novas gerações de públicos para a música clássica. Se esse é o caminho e se vai dar certo, só o tempo dirá.


3 comentários:

  1. São novos caminhos. Não sei se eh o caminho certo. Mas um novo caminho, com certeza.

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  2. Paulo Victor da Costa Ribeiro18 de julho de 2016 às 07:59

    Excelente a abordagem do tema, que explicita uma denuncia AO lamentavel fenomeno da pirataria e defende a difusao qualificada da melhor vertente interpretativa da musica classica. Texto fluente e BEM concatenado. Quanto a Andre Rieu e outros interpretes pasteurizados da boa musica, um trofeu framboesa para eles.

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  3. Caros, essa é uma questão que me afeta particularmente porque amo música clássica. E não dá pra testemunhar tudo isso sem sentir uma grande nostalgia dos tempos em que eu ia às lojas, no final dos anos de 1980, e encontrava dezenas de lançamentos a cada mês, mesmo aqui no Rio. Imagina na Europa, em minhas primeiras viagens! Bons tempos aqueles!!

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