domingo, 20 de abril de 2025

Um ato de coragem?

Sei que já contei essas histórias mil vezes (talvez mais!), mas agora é diferente. No próximo dia 04 de maio de 1995, minha primeira viagem completa exatamente 30 anos.
Para muitos pode até parecer trivial, mas, para mim, que mal havia saído do Rio (2 ou 3 vezes), e sempre acompanhado, viajar para a Europa por quase 1 mês, cruzando 5 países de trem e mochila nas costas, foi uma aventura que requereu bastante coragem.
Mas aprendi ali, e para o resto da vida, que o sonho (ou a esperança) sempre pode e deve vencer o medo. Foi essa lição preciosa que me levou a viajar muitas outras vezes nesses 30 anos.
Para rememorar uma parcela muito pequena daquela aventura, segue o relato das principais recordações da minha primeira viagem ao exterior:

- Rio - Lisboa, 04 de maio de 1995, quinta-feira:
Há 30 anos, eu embarcava para Lisboa em minha primeira visita à Europa.
Era o início de uma viagem de quase 1 mês visitando o velho continente. Depois de Portugal, eu ainda passaria por Espanha, França, Alemanha e Áustria. A jornada, de mochila nas costas, estava apenas começando!
A hospedagem foi na casa da amiga Tânia, em Parede, uma bela praia próxima do centro de Lisboa. No fim de semana, na companhia da Tânia, conheci os principais pontos turísticos da cidade.

- Lisboa, 08 de maio, segunda-feira:
Na Estação Santa Apolônia, embarque para Madrid, às 22:05h, utilizando, pela primeira vez, o EUROPASS, passe de trem adquirido no Brasil. Uma noite inteira dormindo numa cabine de trem com três estranhos, um chileno, um francês e um americano; uma verdadeira babel! Claro, cheio de medo de ser roubado, dormi abraçado à mochila e com os "travellers checks" (ainda em marcos alemães!) dentro da calça. Todo cuidado era pouco.

- Madrid, 09 de maio, terça-feira:
Chegada bem cedo à Estação de Chamartin.
Dali, eu faria uma conexão para Barcelona no "Talgo", o melhor trem espanhol da época, com previsão de 7 horas de viagem. Hoje, no AVE, o trem veloz espanhol, o trecho é percorrido em menos de 3 horas!
Tomei o café da manhã no bar da estação, um sanduíche de queijo acompanhado de um delicioso chocolate quente e cremoso, e embarquei um pouco antes das 11h. Próxima parada, Barcelona, e para uma missão muito especial, conhecer os primos espanhóis!
Durante o percurso, desfrutando da paisagem do interior do país, fiquei pensando na responsabilidade de ser o primeiro brasileiro a visitar a família da Espanha após 6 décadas. E sem saber falar espanhol ou catalão, um desafio e tanto para quem fazia a primeira viagem ao exterior e mal tinha saído do Rio.
O combinado é que a prima e o marido me pegariam na estação às 18h, horário previsto para a chegada. Achei que caberia a mim reconhecê-los por uma foto que enviaram (pelo correio!) duas ou três semanas antes. Foto que eu, "lesado", não levava comigo!
Mas deu tudo certo, Elisa e Aquilino, seu saudoso marido, é que me reconheceram. Depois dos ainda tímidos sorrisos e cumprimentos, pegamos o metrô e fomos para sua casa, onde pudemos conversar com calma, resgatando ali os laços familiares praticamente perdidos após décadas de separação.
Aquele encontro e o reatamento das relações com a família espanhola estão entre os meus maiores motivos de orgulho na vida. Nada paga a experiência de ter sido o responsável por essa reaproximação dos dois ramos (Brasil e Espanha) da família Saeta. 
Anos mais tarde, em 2003, em visita aos primos na Galícia, tive a oportunidade de conhecer uma prima cubana, descendente de um dos primos do meu pai que emigraram para Cuba. Mas essa é uma outra história!

- Barcelona, 11 de maio, quinta-feira:
Era o terceiro dia na cidade que é símbolo do modernismo na Espanha. Visitei vários museus, em especial a Fundação Joan Miró e o surpreendente Museu Marítimo, dotado de um acervo riquíssimo que inclui réplicas de embarcações da "Era dos Descobrimentos", no século XVI.
Mas acho que o melhor de Barcelona está mesmo a céu aberto, em especial a "Ciutat Vella" e seu "Barri Gotic" repleto de ruas medievais estreitas e preservadas.
O porto, ou "Port Vell", totalmente remodelado para a Olimpíada de 1992, é outra atração imperdível da cidade, principalmente à noite, com bares, restaurantes e o cinema IMAX.
A coisa mais curiosa que eu vi em Barcelona foi o "rush" nos transportes na hora do almoço. Muitos faziam essa refeição em casa, como o próprio marido da minha prima, lotando o metrô no meio do dia. Boa parte, presumo, ainda tirava a sesta antes de retornar ao trabalho.

- Barcelona, 14 de maio, domingo:
Domingo de GP da Espanha de F1 no circuito de Montmeló, cidade da Catalunha bem pertinho de Barcelona. Depois de uma estada de quase uma semana, chegava o dia de me despedir dos primos espanhóis, que conheci justamente naquela viagem.
Logo cedo, saí para o último passeio, combinando que voltaria ao meio-dia para o almoço de despedida. Mas cheguei em cima da hora marcada porque Barcelona estava com vários bloqueios, incluindo o fechamento de algumas estações de metrô, o que me obrigou a pegar ônibus pela primeira (e única) vez na cidade. Tudo por conta do GP de F1.
Após o almoço, conversamos bastante e tiramos algumas fotografias como lembrança do (re)encontro da família, passados mais de 60 anos. Em seguida, o primo Martin me levou à Estação de Sants, onde eu embarcaria para a França no final da tarde. O dia estava lindo e o desafio que se apresentava para os próximos dias era conhecer Paris sem falar uma única palavra em francês. Mas foi falando inglês que me livrei de dormir na rua logo na primeira noite.
As boas recordações de Barcelona e dos primos espanhóis eu guardaria para sempre. Era o início de uma relação de amizade que se consolidou ao longo dos anos e da qual muito me orgulho até hoje.
A convite dos primos, retornei à Espanha outras vezes para passar férias na Galícia, terra da minha saudosa avó Evangelina. Uma experiência que me permitiu reunir ricas impressões não só dos primos, mas também do povo espanhol e do próprio país, que aprendi a amar!
Ainda naquela noite, na estação de Portbou, uma cidadezinha bem próxima da fronteira com a França (1000 habitantes), testemunhei o desembarque de uma família (casal com 3 crianças e dois adolescentes). Com olhar curioso, acompanhei cada um saltar do trem e a emoção com que todos se dirigiam a um casal de idosos, talvez avós, que os esperava na plataforma. Entre beijos e abraços "infindáveis", percebi uma das crianças, uma garotinha de uns 4 ou 5 anos, virar-se para o trem ainda a tempo de acenar timidamente para mim, ao que, surpreso, retribuí em seguida.
Sim, ela deve ter percebido minha curiosidade com a família e, em sua inocência, espontaneamente resolveu "se despedir" daquele estranho com um aceno e um doce sorriso. Uma cena que carregarei comigo pelo resto da vida.

- Lyon, França, 15 de maio, segunda-feira:
A caminho de Paris, desembarquei em Lyon, por volta das 6 da manhã, após uma viagem noturna desde Barcelona, atravessando os Pirineus, cordilheira que serve de fronteira natural entre Espanha e França.
Fazia uma manhã muito fria, e a expectativa era grande para viajar no famoso TGV francês. O trem sairia às 7h e a chegada a Paris estava prevista para as 9h. O EUROPASS, passe de trem comprado no Brasil, dava direito a um assento na primeira classe, com a condição de que eu fizesse a devida reserva de lugar ainda na estação, o que providenciei assim que cheguei.
Antes do embarque, no subsolo da estação, tomei um café bem forte no subsolo da estação e comprei o "El País", jornal espanhol que conheci durante a estada em Barcelona.
Já na plataforma e vestido com vários casacos, aguardei ansiosamente pelo TGV, ao lado de dezenas de executivos com suas vistosas pastas (não era tempo de notebooks e muito menos de smartphones).
Uns dez minutos antes das 7, o trem se aproximou da estação. Fui um dos primeiros a embarcar e procurei logo o assento reservado. Depois de colocar a mala no compartimento superior, finalmente me acomodei e relaxei. Em questão de minutos, o vagão estava lotado. Todos, a maioria homens, impecavelmente vestidos e só eu ali (que eu me lembre) de calça jeans, tênis e mochila. O trem partiu na hora certa e, com uma sensação de "peixe fora d'água" (ou penetra), segui viagem em direção a Paris, onde chegaria sem hotel reservado. "De mala e cuia", perambulei um pouco pela cidade até conseguir a hospedagem num simpático albergue da juventude afastado do centro, mas perto da estação de metrô.

- Paris, 17 de maio, quarta-feira:
Champs Elysées tomada por policiais e bandeiras da França.
Naquela tarde ensolarada de primavera, depois de 3 dias visitando pela primeira vez Paris, eu seguiria viagem para Stuttgart, na Alemanha. Saindo do Louvre em direção à Gare de L'est para pegar o trem, vislumbrei a mais famosa avenida da cidade em festa. Achei tudo muito bonito, mas não me dei conta do que estava acontecendo. Somente ao embarcar no trem e ocupar o meu lugar pude, finalmente, descobrir o motivo do clima festivo e colorido em Paris. Uma edição do "Le Monde" abandonada no assento ao lado estampava na capa a notícia da posse de Jacques Chirac como presidente da França justamente naquele dia.
Começava ali a trajetória de Chirac como líder máximo da França e também minha paixão por Paris, cidade que eu teria a oportunidade de visitar outras vezes no futuro.

- Plochingen, Alemanha, 18 de maio, quinta-feira:
Visita a Plochingen, a 19 km de Stuttgart, capital do estado de Baden-Württemberg, na Alemanha.
Minha amiga alemã, professora de música, me levou para conhecer essa pequena cidade (13 mil habitantes), enquanto ela dava aula na casa de um aluno. Era uma quinta-feira, dia útil, mas parecia feriado. Não se via quase ninguém nas ruas.
De tanto circular pelo local, entrando e saindo das mesmas e poucas lojas, achei que alguém poderia chamar a polícia para verificar quem era aquele forasteiro que perambulava sem destino pela cidade. Um turista perdido no interior da Alemanha? Nem eu acreditaria nessa história, daí o meu receio de ter que explicar a situação para um policial, e sem falar uma única palavra em alemão.
Para evitar isso, e depois de tomar uma Coca-Cola no único bar que encontrei, resolvi me afastar do centro e acabei descobrindo, talvez, a melhor atração da cidade, o complexo residencial projetado pelo arquiteto austríaco Friedensreich Hundertwasser. O estilo é bem incomum, mas se assemelha bastante às obras de Gaudí, em Barcelona, criadas pelo artista catalão bem antes de Hundertwasser vir ao mundo. Em Viena, há outra outra edificação do mesmo estilo também projetada pelo arquiteto austríaco.
Embora, depois disso, tenha visitado a Alemanha outras vezes, nunca mais voltei a Plochingen. E também nunca mais, em minhas viagens, tive o receio de ser visto como uma "ameaça" e não como um turista comum. Foi um sentimento bobo de alguém que fazia sua primeira viagem ao exterior, mas que, como tudo que vivi, deixou saudade.

- Stuttgart, Alemanha, 18 de maio, quinta-feira:
Em meu primeiro dia na cidade, após retornar de Plochingen, pude acompanhar uma aula de música para crianças no castelo mais antigo de Stuttgart, que remonta ao século X. Passeando pelo centro histórico, não demorou muito para perceber uma grande diferença em relação às cidades que eu havia conhecido em Portugal, Espanha e França. A arquitetura de Stuttgart, como ocorre em boa parte da Alemanha, exibe fortes contrastes por conta dos bombardeios dos aliados na II Guerra. Como cicatrizes do conflito, pouca coisa permanece em seu estilo original no centro da cidade, com exceções "honrosas" como os castelos novo e velho (ou antigo) e o teatro, tudo próximo à praça principal.
De qualquer forma, se consolidava ali (eu já gostava da Alemanha desde adolescente por causa da música clássica!) minha paixão pelo país de Beethoven, Bach, Wagner, Schumann, Goethe, Heine, Thomas Mann, Schiller, Marx, Nietzsche e de tantos outros gênios da música, da literatura e da filosofia. Um país protagonista dos piores conflitos da história contemporânea, e sempre do lado errado, mas também berço dos maiores artistas e intelectuais produzidos pela nossa civilização. Uma enorme contradição que me seduziu justamente por oferecer uma síntese perfeita da própria natureza humana.

- Salzburg, Áustria, 21 de maio, domingo:
"Churrasco" às margens do rio Salzach, em Salzburg, terra de Mozart e também da "Noviça Rebelde".
Era o aniversário de 8 anos do pequeno Aaron, filho de Susie, a amiga austríaca que me hospedou. Antes da festa, que seria à noite, ela resolveu fazer um churrasco "petit comité" à tarde para a família e o convidado brasileiro.
Na beira do rio, depois de uma meia hora, não mais que isso, comecei a sentir muito frio, mas ninguém ali parecia incomodado com a súbita queda da temperatura, nem as crianças.
No dia seguinte, um domingo ensolarado, bem cedinho fui conhecer o centro histórico de Salzburg e a casa de Mozart, passeando também pelas locações do filme "A Noviça Rebelde" na cidade. Antes de tudo isso, pude assistir ao final de uma missa na catedral, ao som (ao vivo) de uma obra de Mozart, com a participação de um lindo e bem-ensaiado coral infantil. Inesquecível!

- Heidelberg, Alemanha, 24 de maio, quarta-feira:
Chegada a Heidelberg (Alemanha) pela primeira vez. A visita não estava programada em meu roteiro original, mas acabei indo lá a convite da Cristina, uma brasileira que já vivia na cidade e que se tornaria, ao longo dos anos, uma das minhas melhores amigas.
Após o encontro na estação de trem, aproveitamos aquela bela manhã de primavera para passear pelo centro histórico de Heidelberg e sua "hauptstrasse" (rua principal reservada apenas para pedestres). Fiquei encantado com tudo que vi e principalmente com a atmosfera que dominava cada cantinho da cidade, sede da mais antiga universidade alemã (1386), frequentada por jovens universitários das mais diversas origens e culturas.
Havia também um castelo de 800 anos, pequenas livrarias de arte, sebos repletos de "novidades", bares e restaurantes centenários (com até 500 anos!), enfim, um sem-número de atrações que tornavam Heidelberg um lugar único.
À noite, fomos a um show da cantora sul-africana Miriam Makeba, aplaudida de pé no final, com seguidos pedidos de bis por um ginásio lotado!
Ali, Heidelberg me conquistava para sempre. O fato é que visitei outras vezes os amigos alemães. Com eles, já cruzei boa parte da Europa, incluindo Alemanha, França, Holanda, Itália, Luxemburgo, República Tcheca, Eslováquia, Hungria, Liechtenstein, Suíça, Áustria, Eslovênia, Croácia e Bósnia e Herzegovina, de carro, de trem e de avião, descobrindo aldeias históricas, cidades milenares e culturas distintas.
Uma experiência rica, incrível e inesquecível pela qual nenhum dinheiro paga!

- Stuttgart, Alemanha, 26 de maio, sexta-feira:
Às 6h da manhã, eu pegava o trem em direção a Lisboa, com conexões em Paris e em Irun, no norte da Espanha. Até chegar à capital portuguesa, foram 32 longas horas cruzando parte da Alemanha, da França, do norte da Espanha e também de Portugal. Uma jornada cansativa e resultado do equívoco de ter comprado o bilhete aéreo Rio-Lisboa-Rio e não Rio-Lisboa-Frankfurt-Rio. Coisa de "mochileiro" de primeira viagem.

- Coimbra, Portugal, 30 de maio, terça-feira:
Após retornar a Portugal, reservei o meu último dia do passe de trem para conhecer Coimbra.
O dia estava lindo e a expectativa de conhecer uma das mais tradicionais e antigas cidades universitárias do mundo, fundada no século XIII, se confundia (ou misturava) com a emoção de estar prestes a visitar a cidade natal do meu avô José Maria, que faleceu quando eu não tinha nem 10 anos.
Quando cheguei à cidade, por volta das 2 e meia da tarde, a primeira coisa que fiz foi procurar por um restaurante para almoçar. Pelo avançado da hora, a maioria já estava fechada. Por sorte, encontrei um aberto bem no centro histórico, embora, àquela altura, só os próprios funcionários (garçons/garçonetes) é que ainda almoçavam.
Ao me ver entrar, uma garçonete de meia idade parou de comer, se levantou e se dirigiu a mim. Um pouco envergonhado, perguntei se, naquele horário, ainda serviam refeições. Com a resposta afirmativa, resolvi pedir um prato comum, do qual, para ser sincero, já nem me lembro mais.
Durante a refeição, por curiosidade, perguntei à mesma senhora em que consistia o tal "bacalhau com natas" que constava no menu. Gentilmente, ela me explicou os ingredientes e, para minha surpresa, foi até a cozinha e pouco depois retornou com o referido prato, segundo ela, apenas para degustação, portanto, uma oferta da casa!
Embora já estivesse satisfeito com o prato que havia comido momentos antes, experimentei e realmente gostei do então misterioso "bacalhau com natas". Apreciei mais ainda a simpatia e a generosidade daquela senhora que, interrompendo sua própria refeição, atendeu um turista brasileiro retardatário, esfomeado e "ignorante", e ainda lhe ofereceu gratuitamente um dos principais pratos da casa para experimentar. Uma das lições de vida que não aprendemos nos livros!

- Lisboa, 31 de maio, quarta-feira:
Embarque no voo 703 da Varig, com destino ao Rio de Janeiro.
No caderno de anotações da viagem, registrei:
- A Europa agora é passado...o significado dessa viagem eu só saberei com o tempo.
Naturalmente, eu não fazia ali a menor ideia da revolução que aquela experiência provocaria na minha vida. Aliás, meu falecido tio Osmário, que passou a vida viajando, dias antes do meu embarque, ao me encontrar na Saens Pena, já havia me prevenido, "se prepare, depois da primeira viagem, virão outras, outras e outras...".
Santa e abençoada "premonição"!!




terça-feira, 25 de março de 2025

Um pequeno (e singular) romance!

 

"Um Pequeno Romance" (1979), de George Roy Hill, é a "história de amor" de dois adolescentes (Lauren e Daniel) de classes sociais diferentes que se conhecem em Paris e resolvem empreender uma longa jornada para "consolidar" o romance.
Para isso, contam com a ajuda pouco ortodoxa de um idoso golpista (Laurence Olivier) que os inspira com suas histórias românticas e fantasiosas.
A inteligente e culta Lauren (Diane Lane em sua estreia no cinema), enteada de um empresário americano, se enamora de Daniel, jovem francês superdotado como ela e filho de um taxista.
Após um primeiro encontro casual em que revelam muitas coisas em comum, em pouco tempo as barreiras sociais são superadas. Logo, Lauren se vê caidinha por Daniel, que também acaba se rendendo aos encantos da menina e ao feitiço inocente do primeiro amor.
Por último, mas não menos importante, o filme conta com a bela e romântica trilha sonora de Georges Delerue, vencedora do Oscar de 1980.

O reflexo do artista em sua obra

Nesse livro, o renomado (falecido recentemente) regente japonês Seiji Ozawa revela ter sabido ali, no momento da entrevista, que Mahler e Freud foram contemporâneos, ignorando, portanto, que o compositor esteve no divã do psicanalista, um dos episódios mais conhecidos e emblemáticos da biografia de Mahler.
Que "escolhas" um regente faz ao conduzir uma sinfonia desconhecendo a biografia do compositor, ou aquilo que eventualmente o inspirou/motivou?
Aprecio particularmente as obras de Bruckner, Sibelius, Mahler, Beethoven, Nielsen e Wagner. Como leio tudo sobre eles, aprendi a ver/ouvir refletidas em suas composições as personalidades, as motivações e suas possíveis inquietações.
Como ignorar a surdez progressiva de Beethoven, a profunda fé cristã de Bruckner, o nacionalismo de Sibelius e Nielsen, a neurose obsessiva de Mahler e a megalomania de Wagner ao ouvir suas obras? Elas estão todas impregnadas de desejos, receios e emoções que marcaram a trajetória de vida desses compositores.
Não consigo conceber uma "compreensão" satisfatória dessas obras desprezando as biografias dos autores. Nem como ouvinte e muito menos como regente de uma orquestra.


quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

Wagner, Telarc e a "senhorinha" traída pela memória

Lorin Maazel gravou uma seleção, realizada por ele, de trechos orquestrais ("without words") de duas célebres óperas de Richard Wagner (fotos).
Procurei por anos o cd com "Tannhauser" e encontrei hoje na loja Allegro Discos. A gravação não recebeu críticas muito favoráveis na época do lançamento, em 1991, mas, como se trata de Wagner, eu precisava ter em minha coleção.
O cd do "Ring without words", reunindo excertos das quatro óperas do ciclo, eu já havia adquirido há muitos anos. A compra desse disco, no início dos anos 1990, quando o mercado de cds ainda engatinhava no Brasil, tem uma história peculiar, que eu conto a seguir.
Na época, já colecionador de discos clássicos, eu frequentava bastante as lojas de discos "Gramophone", no Centro do Rio e no Shopping da Gávea. Eram lojas para iniciados, oferecendo os últimos lançamentos do mercado internacional.
A loja do Centro, minha preferida, ficava no final de uma galeria na Sete de Setembro, quase esquina com Rio Branco. O ponto nobre, pra mim, era o subsolo, que abrigava a extensa seção de clássicos.
Havia, então, uma senhorinha, já idosa, que devia trabalhar ali há séculos e que sabia tudo sobre o gênero, desde compositores e obras até regentes e gravadoras especializadas. Uma vendedora como poucas na época ou em qualquer tempo. Era só perguntar sobre a obra desejada e já vinha ela com a informação completa, indicando os títulos disponíveis, as orquestras e os regentes. Era infalível (ou quase!).
Houve uma vez, porém, que a surpreendi num episódio curioso que nunca mais esqueci. Perguntei se a loja tinha o disco com a Filarmônica de Berlim, sob a regência de Lorin Maazel, com obras de Wagner. O detalhe que a desconcertou foi que eu disse que a gravadora era a americana "TELARC", especializada em coletâneas de obras mais "leves" e populares do repertório clássico. Confesso que, também pra mim, Wagner com a Filarmônica de Berlim era algo realmente estranho à "TELARC", mas não havia dúvida porque eu tinha lido sobre o lançamento do cd numa revista.
Assim que acabei de falar, ela afirmou enfaticamente que seria impossível a TELARC deter os direitos de venda de uma gravação com a Filarmônica de Berlim, mas se dispôs a me acompanhar até a seção destinada a Wagner. Para sua surpresa (e decepção), estava ali, logo no início da fila de cds, justamente o referido disco. Ela reagiu com um leve e sutil sentimento de "derrota", embora estivesse concretizando uma venda importante porque o cd era importado e caro! Por que não sabia do lançamento é algo que nunca entendi. Um provável lapso do qual ela mesma nunca deve ter se perdoado.


O mundo tomou um atalho...

Talvez não haja precedente na história do enorme retrocesso que a extrema direita tenta impor ao mundo, "ressignificando" conceitos e valores que levamos séculos para consolidar.
Aliados históricos são tratados como adversários; familiares e amigos de longa data passam a não se "reconhecerem" por suas ideias; diferenças étnicas e culturais voltam a ser tratadas como ameaças...
Conceitos como ética, moral e respeito mútuo deixam de balizar/nortear relacionamentos pessoais, institucionais e internacionais.
Enfim, tudo que o milenar processo civilizatório nos legou é agora combatido com hostilidade e até violência pelos novos detentores do poder, devidamente legitimados por eleições livres e democráticas.
Vivemos atualmente uma verdadeira revolução política e cultural. Onde vai dar isso, eu não sei, mas me assusta porque o mundo onde fui criado e educado vai, aos poucos, deixando de existir. A estrada (de valores) que percorri por toda a vida, e também percorrida por meus antepassados mais recentes, a cada dia parece levar a "lugar nenhum".
Como diz o título de um documentário sobre o regente Carlos Kleiber: "I am lost to the world"...


Um papa de seu tempo

É curioso como são semelhantes as histórias de levas de imigrantes europeus pobres que aportaram no continente americano entre os séculos XIX e XX.
Navios abarrotados de gente fugindo da pobreza, em meio a péssimas condições sanitárias e doenças...
A história de muitos de nossos antepassados é a história de verdadeiros "sobreviventes". É a história de gente que jamais perdeu a esperança, ou para quem só restava mesmo a esperança, depois de deixar "tudo" para trás.
Após tanto tempo, é possível dizer que muitos de nós somos filhos, netos ou bisnetos da "esperança", a exemplo do próprio Papa.







A coragem (e o preço) de dizer NÃO!

 

O filme "Napola" relata a trajetória de Friedrich, um jovem alemão de 16 anos, que, contrariando o pai, resolve se inscrever numa escola militar, com o objetivo de garantir seu futuro.
Sensível e avesso às ideias nazistas, Friedrich enfrenta dificuldades para se adaptar ao rígido e desumano regime escolar, o que lhe traz sérios problemas.
É possível dizer que o mal que Hitler fez à Alemanha só não foi maior do que a barbárie que produziu contra judeus e minorias no período da II Guerra.
Não há registro na história moderna de um povo que tenha sido tão vil, bárbaro e desumano com os inimigos e com os próprios nativos opositores.
Na Alemanha nazista, corrompidos pelo regime, filhos delataram pais, vizinhos entregaram vizinhos e até pais, como mostra o filme, sacrificaram filhos em nome de uma infame ideologia supremacista.
Estou convencido de que, ainda por mil anos, gerações seguidas de alemães carregarão as cicatrizes dos ferimentos físicos, morais e espirituais provocados por aquele homem/fera e seus seguidores.
Por outro lado, outra grande tragédia nessa história toda é que, até hoje, quase 80 anos depois, à exceção dos casos isolados de atentados a Hitler já explorados pelo cinema, o mundo praticamente não tomou conhecimento daqueles alemães anônimos que perderam a própria vida na "resistência" diária ao nazismo. Homens e mulheres que lutaram pela herança de Beethoven, Bach, Brahms, Kant, Schopenhauer, Goethe, Nietzsche e tantos outros compatriotas que contribuíram para nosso processo civilizatório.

A voz esquecida de Maria Anderson

Em evento histórico, na Páscoa de 1939, nos degraus do Memorial Lincoln, onde assombrou a todos cantando "My country, 'tis of thee", ela foi reverenciada pelo presidente Franklin Roosevelt e Eleanor, a primeira-dama.
Mais tarde, nas melhores salas de concerto da Europa, incluindo Alemanha, Áustria, União Soviética e Finlândia, foi ovacionada pelo público com incontido entusiasmo.
Certa vez, Toscanini se referiu a ela como "o tipo de cantora que só aparece uma vez a cada 100 anos".
Sibelius a recebeu na Finlândia dizendo:
- Meu teto é baixo demais para você!
Mais recentemente, em 2009, na festa da posse de Obama, a pedido do presidente eleito, Aretha Franklin cantou "My country, 'tis of thee" no mesmo Memorial Lincoln do evento da Páscoa de 1939, diante de 2 milhões de pessoas.
A despeito de tudo isso, ao longo da carreira, ela foi proibida de se hospedar em hotéis e rejeitada por professores de canto.
Em Birmingham, durante a II Guerra, foi impedida de permanecer no saguão da estação de trem enquanto o pianista alemão Franz Rupp lhe comprava um sanduíche.
Ela foi Marian Anderson (1897-1993), negra, pobre e uma das mais belas vozes de todo o século XX.
Você já ouviu falar de Marian Anderson?
Certamente nem eu nem você nem a maior parte do povo norte-americano ao longo dos últimos 100 anos.



A arte a serviço da fé em Deus e nos homens

 

Terrence Malick é, provavelmente, o cineasta que mais fala ao meu coração (ou ao meu espírito!).
Em "A Árvore da Vida" (2011), Malick apela predominantemente para os sentidos, o que pode provocar alguma resistência no início, mas oferece muito a quem se dispõe a empreender a "viagem" até o fim.
Ao longo de décadas, assisti a pouquíssimos filmes que tivessem abordado com tamanha profundidade e fidelidade as sensações mais familiares à minha experiência de vida ou à maneira como percebo o mundo e minha própria existência!
Já "Uma Vida Oculta" (2019), último filme do diretor, sugere uma reflexão a respeito da vulnerabilidade humana, das condições físicas e morais às quais estamos submetidos nas relações de poder e do que cada um de nós faz ou deixar de fazer para o bem ou para o mal prosperar.
Ouso afirmar, ainda, que Malick reitera em seus filmes a importância da fé, da integridade, do afeto e, em última instância, do AMOR em nossa jornada nesse mundo.
Homem de profunda fé cristã, o cineasta dedicou sua vida e sua arte a prestar contas com Deus. E nos inspira a fazer o mesmo!
Terrence Malick, com 80 anos, tem uma curta filmografia, apenas 11 filmes, mas integra o pequeno grupo de cineastas que ousaram "desafiar" a indústria, fazendo carreira à margem do gosto popular.

O preço de ser fiel a si mesmo

 

Nesse belíssimo filme, Terrence Malick nos coloca na pele de um fazendeiro austríaco que se recusa a jurar lealdade a Hitler durante a II Guerra. Casado e pai de duas meninas, o personagem sofre pressão de todos os lados (à exceção da jovem e corajosa esposa), especialmente da cunhada, de amigos e do próprio bispo local, para assinar o juramento, mas, por profundas convicções religiosas e morais, se recusa terminantemente a fazê-lo, sob o risco até de ser executado.
Os que o amavam lhe pediam apenas o "razoável" para salvar a própria vida, assinar um mero papel e esquecer tudo, mas o que parecia tão simples para eles lhe era totalmente inaceitável, intolerável. Uma verdadeira infâmia!!
É um filme que sugere uma profunda reflexão a respeito da vulnerabilidade humana, das condições físicas e morais às quais estamos submetidos nas relações de poder e do que cada um de nós faz ou deixar de fazer para o bem ou para o mal prosperar.
Ouso afirmar, ainda, que Malick reitera em seus filmes a importância da fé, da integridade, do afeto e, em última instância, do AMOR em nossa jornada nesse mundo.
Homem de profunda fé cristã, o cineasta dedicou sua vida e sua arte a prestar contas com Deus! E nos inspira a fazer o mesmo!

Entre a civilização e a barbárie

"Senhor das Moscas", clássico romance de William Golding sobre a natureza humana, conta agora com uma versão "em quadrinhos" no mercado nacional, embora esteja longe de ser um obra destinada ao público infantil.
Na obra de Golding, depois da queda de um avião no mar, um grupo de adolescentes consegue alcançar uma ilha deserta, sem haver, porém, perspectiva imediata de resgate. Com o passar do tempo, cada um passa a contar apenas com o próprio instinto para sobreviver, sem a interferência dos adultos, mortos no acidente (apenas um tripulante sobreviveu algumas horas na ilha).
É claro que os conflitos não demoram a aflorar. A maioria dos garotos faz uso crescente da violência na defesa de seus interesses, com a intimidação sistemática dos mais fracos e suscetíveis. Alguns poucos lutam para manter os mais nobres valores da civilização (solidariedade, compaixão etc.), pagando um preço altíssimo por isso.
No geral, é possível afirmar que o autor defende a tese de que a natureza humana seja irremediavelmente selvagem e que a fronteira entre o bem e o mal, entre a civilização e a barbárie, seja tênue e não resista a situações-limite.
Conheço e recomendo o romance em sua versão original, e até as adaptações já realizadas para o cinema, em especial a de 1990. Quanto a essa nova e "ousada" versão em quadrinhos, encontrei boas críticas na internet ressaltando a fidelidade ao texto de Golding, mas é preciso conferir.


Um verdadeiro curso de pintura espanhola ao longo dos tempos

 

O livro à esquerda aborda a pintura espanhola no chamado "Siglo de Oro" (Velasquez, El Greco, Zurbarán, Murillo etc.), entre os séculos XVI e XVII, quando houve um florescimento das artes e da literatura na Espanha.
Meu pintor favorito no período é El Greco (1541-1614), de origem grega, com seus personagens de olhos expressivos e corpos alongados. Único e genial, assim como a arquitetura modernista de Antoni Gaudí (1852-1826), três séculos depois.
Gosto dos artistas que revelam um olhar singular sobre a realidade. Muitas vezes pagam um alto preço por isso, mas o futuro quase sempre lhes faz justiça!
O outro livro amplia a cobertura da história da pintura na Espanha, compreendendo o período do século XVII ao início do século XX.
A capa é ilustrada com uma obra belíssima do valenciano Joaquín Sorolla (1863-1923), talvez o maior representante do impressionismo espanhol, cujo museu conheci em minha última visita a Madrid.
Os dois livros cobrem mais de 4 séculos da pintura espanhola. Um verdadeiro curso sobre uma arte que ajuda a contar a própria história do país.

A primeira impressão...

Minha primeira relação com o cinema foi de "ódio à primeira vista"!
A empregada lá de casa pediu e minha mãe concordou que ela levasse as crianças (meus irmãos e eu) para assistir "A Noviça Rebelde". Eu tinha apenas 6 anos e não entendi absolutamente nada daquela "história sem fim" sobre uma família rica e numerosa que gostava de música e vivia num lugar bonito e distante. Música folclórica austríaca, nazismo e perseguição política (embora vivêssemos aqui numa ditadura) eram temas alheios à minha realidade infantil. Depois de três horas sentado numa sala escura e sem poder falar ou levantar, eu aprendi, na mais tenra idade, o verdadeiro significado de "tortura".
Com o trauma do primeiro "encontro", o cinema só viria a me conquistar muitos anos mais tarde, quando, já adolescente, assisti a "Houve Uma Vez Um Verão", de Robert Mulligan.
A história nostálgica de um rapaz da minha idade apaixonado por uma mulher madura e comprometida, um belo rito de passagem, mexeu comigo como poucas vezes aconteceu no cinema em toda a minha vida.