segunda-feira, 1 de julho de 2024

O melhor filme de Tim Burton!


Há cineastas que "transcendem" a indústria!
É o caso de Tim Burton.
Com filmes singulares, ele se destaca justamente pela assinatura autoral "impressa" em cada tomada, sempre enriquecida por um visual deslumbrante.
Eu adoro Tim Burton e, também, Wes Anderson, autor do genial "Moonrise Kingdom", um filme permeado de humor e ternura, contando uma singela história de amor juvenil.
Esse livro de capa dura (foto), recheado de ilustrações, foi lançado no último dia 20 no Brasil e conta tudo sobre a carreira de Burton, dedicando um capítulo para cada filme, acrescido de informações sobre "Wandinha", sua recente produção para a Netflix, e "Os Fantasmas se Divertem 2", esse com previsão de lançamento para setembro nos cinemas brasileiros.
Por último, vale dizer que, para mim, o melhor filme de Tim Burton é "A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça".
Como relatado no livro, 99% da produção foi filmada em cenários e não em locações reais.
Ainda na fase de pré-produção, Burton comentou, "não queremos naturalismo, queremos um tipo de expressionismo natural"!
Isso é o que torna o filme visualmente fascinante. Tudo é filmado num ambiente controlado, um "mundo-cenário" sem compromisso com a aparência do "real", justamente para criar a atmosfera sombria necessária à narrativa.
Na verdade, a impecável direção de arte é praticamente uma personagem do filme.
Tim Burton e Wes Anderson se notabilizaram por filmar assim, e eu gosto muito disso.


Escolhas e consequências.

Conto aqui uma história curiosa que acabei de ler sobre o compositor dinamarquês Carl Nielsen (1865-1931):
Em 1890, com apenas 25 anos, Nielsen deixou sua terra natal e viajou para a Alemanha em busca de novos ares e "ampliação de horizontes".
Em Berlim, depois de ouvir a execução do Quarteto de Cordas, op.5, de Nielsen, o respeitado mestre Joseph Joachim (1831-1907), apesar de reconhecer "imaginação e talento" na música do jovem dinamarquês, comentou com o compositor que considerava a obra muito radical, sugerindo algumas mudanças. Nielsen agradeceu, mas ressaltou que temia que qualquer alteração pudesse levar a composição a perder o seu "caráter" ou autenticidade, ao que o mestre teria respondido:
- Bem, meu caro Sr. Nielsen, talvez eu seja, afinal, um velho conservador. Escreva como quiser ou achar melhor, contanto que seja como você verdadeiramente sente a obra. É o que importa!
Ao ler sobre isso, não pude deixar de me lembrar de um episódio ocorrido no dia da minha aposentadoria, quando recebi a mensagem abaixo de um jovem estagiário com quem trabalhei nos últimos anos:
- Aprendi muito com o senhor, que sempre fez questão de me mostrar os dois lados de um determinado assunto. Isso pode ser uma coisa simples, porém, no mundo de hoje, as pessoas empurram as suas ideologias e criticam você se não concorda com elas.
Fora, naturalmente, do campo profissional, esse foi um dos maiores elogios que recebi em meus 35 anos de IBGE!
Na verdade, embora nem sempre seja fácil, é assim que eu venho tentando conduzir a minha vida e, se tiver a chance, pretendo envelhecer. Sem fórmulas prontas ou ideias preconcebidas para tudo.
É preciso ter humildade para aceitar conceitos novos e respeitar a visão pessoal e subjetiva dos outros, principalmente no que concerne às escolhas e à trajetória de vida de cada um.


Quando filme era no cinema!

 

Assistindo a "Os Embalos de Sábado à Noite", no Telecine Cult.
Sim, o filme mais popular dos anos 1970 é agora "cult"!
Quando assisti à estreia num cinema de Madureira, em 1978, a fila dava voltas no quarteirão, e ninguém arredava pé dali. Isso durou vários finais de semana porque poderia levar anos até que a televisão programasse a exibição do filme.
Enfim, eram tempos em que ir ao cinema era um grande acontecimento, um verdadeiro ritual, principalmente para as classes populares. Hoje, o filme nem estreou nos cinemas e tem gente que já assistiu na internet.
Naquela época, as grandes estreias dos filmes de Hollywood eram aguardadas ansiosamente por multidões que faziam filas intermináveis nas portas dos cinemas para assistir. Era um tempo em que os filmes levavam anos para passar na TV. Não havia vídeo doméstico, inaugurado nos anos 80 com o finado formato VHS, e muito menos internet. Assistir a um filme no cinema com amigos ou com a namorada era um acontecimento social e cultural da maior importância. Nos subúrbios, era o ponto alto do fim de semana. Para a minha geração, um evento que rivalizava com as festinhas dos sábados e com os bailes de "discoteca" nos clubes.
Aliás, a trilha sonora de "Os Embalos de Sábado à Noite" foi o primeiro lp que comprei com o meu próprio dinheiro.
Lá se vão 46 anos (o filme foi lançado, no Brasil, em 1978), mas parece que foi ontem...

Kafka nos dias de hoje!

Em tempos de "cancelamentos" sumários nas redes sociais, "sem dar direito à defesa ou a um julgamento justo", é hora de reler e recomendar essa obra-prima de Kafka, que conta a história de um homem repentinamente acusado de um crime cuja natureza desconhece.
A obra completa 100 anos da primeira publicação no ano que vem, mas parece sempre atual porque, em resumo e essencialmente, trata dos vícios permanentes da civilização, ou da própria natureza humana.


As duas faces de um gênio!

 

Com a Orquestra Filarmônica de Viena, Karajan gravou, em 1989, seu último concerto, regendo a Sétima Sinfonia de Bruckner (cd à esquerda da foto).
Já bastante debilitado, conduziu a obra sem a obsessão pela perfeição que o caracterizou durante a longa carreira. Alguns críticos até entendem que esse "desprendimento" acabou por revelar o melhor Karajan e, talvez, a melhor versão da própria obra-prima de Bruckner.
Na gravação da mesma sinfonia, em 1971 (cd à direita), à frente da Orquestra Filarmônica de Berlim e 18 anos mais novo, era o Karajan obsessivo que não tolerava o menor erro de execução da orquestra, impondo com "mão de ferro" uma visão pessoal e praticamente inegociável da obra.
Confesso que gosto mais do Karajan obsessivo, um artista que passou a vida inteira em busca da perfeição, cumprindo uma trajetória que o levou a atingir os mais altos padrões de seu ofício ou de sua arte no século XX.

O que poderia ter sido...e não foi!

O filme "Vidas Passadas" (2023), dirigido pela sul-coreana Celine Song, que trata do reencontro de um casal de amigos de infância 24 anos depois que se separaram, é também a história do que poderia ter sido e não foi, sem culpa ou qualquer idealização romântica da relação. Mas, num roteiro vencedor do Globo de Ouro e indicado ao Oscar, o filme revela também que não há como voltar ao passado impunemente ou sem consequências.
A ótima produção me fez lembrar de uma das mais belas passagens do conto "Os Mortos", de James Joyce, brilhantemente adaptado para o cinema por John Huston, quando um marido fiel e amoroso descobre que a esposa, ambos na meia-idade, tivera na juventude uma grande paixão por alguém que sacrificou a própria vida por ela, num dos mais belos e sensíveis relatos da literatura ocidental.
Mas essa é uma outra história...


Retratos do Brasil!


Um dos livros mais "polêmicos" (e indispensáveis) dos últimos tempos, que chegou a ser banido de escolas públicas em alguns estados, "O Avesso da Pele" (prêmio Jabuti de 2021) é o relato comovente da trajetória de luta e resistência da família de um homem negro, desde a infância dos pais, expondo, sem panfletagem, as vísceras do racismo estrutural da sociedade brasileira.
Por sua escrita incomum (sem parágrafos e alternando primeira e segunda pessoas), a leitura pode não ser fácil, mas, ainda assim, a narrativa é tão envolvente que nos convida a ler tudo de uma única vez.
Chegou ontem à noite e já acabei de ler, fazendo um esforço enorme para conter as lágrimas no final. Detalhe, para não interromper a leitura, levei o livro quando saí para o almoço. Nunca me aconteceu isso!
Recomendo o livro especialmente aos amigos e amigas que fizeram carreira no magistério. O relato funciona como uma bela e comovente homenagem à profissão, uma das mais nobres e, infelizmente, menos valorizadas desse país.

Repórter por uns dias!

 

Eu já fui repórter de polícia...
Uma de minhas poucas matérias como estagiário de jornalismo foi a cobertura da prisão do "Lobisomem", um perigoso bandido que assombrava o Rio no final dos anos 1970.
Lobisomem estava detido na delegacia da Praça da Bandeira, para onde me dirigi rapidamente, acompanhado do fotógrafo do jornal.
Chegando lá, já havia uma dúzia de repórteres cercando o meliante. Com alguma dificuldade, consegui me aproximar dele, mas ainda sem saber que perguntas fazer em meio àquela gente toda muito mais experiente do que eu.
Foi então que, sem coragem de inquirir o próprio "Lobisomem", decidi aproveitar as perguntas dos "colegas", registrando cuidadosamente as respostas do bandido.
Voltei ao jornal ainda a tempo de redigir a matéria que seria publicada no dia seguinte, uma das situações mais tensas e constrangedoras que enfrentei na vida.
Ali eu vi que essa história de reportagem (ou apurar fatos) não era comigo.
Naquele mesmo estágio, entrevistei o juiz Francisco Horta no Tribunal de Justiça, por decisão própria, e fiz a cobertura da invasão do prédio da UNE, na praia do Flamengo, pela Polícia Militar, duas matérias das quais me orgulho até hoje, embora ambas bem "fraquinhas" por conta da minha inexperiência, mas encarar bandido em delegacia estava (e está) completamente fora de meu projeto profissional ou de vida!
Desde então, e ainda hoje, prefiro as crônicas ou o relato de histórias, como essa!

quinta-feira, 28 de março de 2024

Coimbra, vovô português e o "bacalhau com natas"!

 

Fui a Coimbra de trem em meu antepenúltimo dia de estada em Portugal, em maio de 1995.
O dia estava lindo e a expectativa de conhecer uma das mais tradicionais e antigas cidades universitárias do mundo, fundada no século XIII, se confundia (ou misturava) com a emoção de estar prestes a visitar a cidade natal do meu avô José Maria, que faleceu quando eu não tinha nem 10 anos. Segundo meu pai e meus tios/tias, ele dizia que era de lá, mas, que eu saiba, nunca deu detalhes da família de Portugal nem de suas verdadeiras origens no país.
Tenho poucas lembranças do meu avô, sempre muito sério e arredio. Quando a família se reunia em sua casa, na Páscoa, no aniversário da vovó Evangelina e no Natal, ele se "refugiava" no quarto dos fundos. Infelizmente, além de uma pequena bola que ele me deu numa dessas visitas, essa é a mais viva lembrança que tenho do meu avô português.
Voltando a Coimbra, quando cheguei à cidade, por volta das 2 e meia da tarde, a primeira coisa que fiz foi procurar por um restaurante para almoçar. Pelo avançado da hora, a maioria já estava fechada. Por sorte, encontrei um aberto bem no centro histórico, embora, àquela altura, só os próprios funcionários (garçons/garçonetes) ainda almoçassem.
Ao me ver, uma senhora de meia-idade parou de comer, se levantou e veio em minha direção. Um pouco envergonhado, perguntei se ainda serviam refeições àquela hora. Com a resposta afirmativa, resolvi pedir um prato comum, do qual, para ser sincero, já nem me lembro mais.
Durante a refeição, por curiosidade, perguntei à mesma senhora em que consistia o tal "bacalhau com natas" que constava no menu. Gentilmente, ela me explicou os ingredientes e, para minha surpresa, foi até a cozinha e retornou com o referido prato, segundo ela, apenas para degustação, portanto, uma oferta da casa!
Embora já estivesse satisfeito com o "prato" que havia acabado de comer, experimentei e realmente gostei do, então, misterioso "bacalhau com natas". Apreciei mais ainda a simpatia e a generosidade daquela senhora portuguesa que, interrompendo sua própria refeição, atendeu um turista brasileiro retardatário, esfomeado e "ignorante", e ainda lhe ofereceu gratuitamente um dos principais pratos da casa para experimentar.
Contudo, ao pagar a conta, há uma coisa que fiz (ou que não fiz!) e da qual me envergonho até hoje. Já no final da viagem e com poucos escudos disponíveis, ofereci a ela apenas a gorjeta protocolar de 10%. A ocasião merecia um pouco mais de generosidade também da minha parte. Imperdoável!
Essa foi apenas a primeira, talvez a mais trivial, das inúmeras lições que aprendi nesses quase 30 anos de viagens.
Lições de vida que não aprendemos nos livros!

terça-feira, 26 de março de 2024

Eu queria ser Carlos Kleiber!

Apontado numa eleição promovida pela BBC, há alguns anos, como o melhor maestro de todos os tempos, Carlos Kleiber foi filho de pai austríaco e mãe americana. Viveu toda a infância e juventude na Argentina, mas acabou conquistando o mundo com uma carreira peculiar e brilhante.
Se Leonard Bernstein, com a paixão com que conduzia os concertos, representava a mais bela e comovente relação do artista com a música, Kleiber, por sua invejável independência, era o símbolo perfeito do homem que só se submetia às próprias preferências e convicções. Ele nunca assinou contrato de exclusividade com gravadora e jamais aceitou assumir o cargo de regente titular em qualquer orquestra, atuando apenas como maestro convidado. Chegou a dizer não até para a mítica Filarmônica de Berlim. Além disso, conduziu e gravou poucas obras, somente aquelas que efetivamente admirava, em especial algumas sinfonias de Beethoven e de Brahms e as óperas "O Franco Atirador", de Carl Maria von Weber, "O Cavaleiro da Rosa", de Richard Strauss, e "Tristão e Isolda", de Richard Wagner.
Como se isso não bastasse, em quase 50 anos de carreira, concedeu uma única entrevista, desprezando o poder da mídia na promoção do seu trabalho. O que mais seria necessário para transformar Carlos Kleiber em lenda?
Por tudo isso, ou algo mais que desconheço, tenho verdadeira obsessão por saber tudo sobre a vida desse grande e controverso maestro. Admiro, em particular, a maneira com que conduziu a carreira e lidou com a música. Com escolhas incomuns, na "contramão" do que fizeram os grandes regentes do passado, acabou se transformando, por meios "tortuosos", no "produto" que renegou a vida inteira.
Mas, segundo um crítico inglês, "por trás da adoração (ou aclamação) universal, Kleiber era uma figura trágica que, no final das contas, e a despeito de sua genialidade, não conseguiu cumprir seu próprio destino".
E assim (ou por isso) mesmo se tornou lenda!


quinta-feira, 21 de março de 2024

Wagner, anjo ou demônio?

 

Em Bayreuth, na Baviera, diante do teatro construído exclusivamente para a montagem das óperas de Richard Wagner

Richard Wagner foi o maior manipulador da história da música. A cada vez que ouço uma obra sua encontro algo diferente e terrivelmente sedutor.  Nenhum compositor, até hoje, fez uso de tamanho domínio da linguagem musical para envolver e "subjugar" o ouvinte como o "diabólico" Wagner. 
O que Hitler obteve pelas armas com os inimigos (e os próprios alemães), Wagner, décadas antes, conquistou apenas com sua música hipnótica e arrebatadora.
O compositor era tão genial que alguns trechos de suas óperas, em especial as últimas, são infinitamente mais bonitos em versão orquestral do que com o canto, no formato original.
É o caso, por exemplo, da ária "Morte de Isolda", no final de "Tristão e Isolda". Com a performance puramente orquestral é possível atingir um tal nível de êxtase e transcendência que, ouso afirmar, o próprio e célebre canto de Isolda não logra alcançar. E olha que já ouvi várias versões (tradicionais e modernas) da obra!

Anjo ou demônio?

O fato é que Wagner foi um dos maiores gênios da humanidade. Não só pela qualidade de sua música, o que já seria suficiente, mas também pela profundidade e alcance de sua proposta artística, sustentada pelas belíssimas composições que criou. Wagner, além de músico, foi um dos maiores intelectuais do século XIX, a despeito de ter se revelado também um homem de caráter duvidoso, que traiu amigos, enganou credores e até manipulou o rei para pôr em prática suas concepções artísticas. Talvez por isso mesmo, por suas flagrantes contradições, seja uma das personalidades mais fascinantes da história. Infelizmente, sua apropriação pelo regime nazista, por conta de seu comprovado antissemitismo (até um livro ele escreveu!), acabou por reduzir a importância de Wagner apenas à dimensão musical de sua obra artística e intelectual. Isso está muito aquém do que Wagner representa para a arte ocidental.

A Tetralogia de Wagner

A tetralogia "O Anel de Nibelungo" é toda permeada por uma questão (ou dilema) tão presente na época do compositor quanto nos dias de hoje. PODER ou AMOR, o que move o ser humano em sua busca pela felicidade? Você seria capaz de abdicar do Amor (em todas as suas dimensões) em troca de Poder ou de riqueza, ou vice-versa?
Baseado nesse dilema fundamental, Wagner escreveu 4 óperas (O Ouro do Reno, A Valquíria, Siegfried e O Crepúsculo dos Deuses), ao longo de 26 anos, contando a história do mundo desde sua aurora até a destruição total. Uma obra essencial, não só da música, mas da arte ocidental, para compreender os valores básicos da nossa civilização. Infelizmente, uma obra só conhecida pelos iniciados na "Gesamtkunstwerk" ou "Obra de Arte Total", genialmente concebida por Wagner há mais de 150 anos.


terça-feira, 19 de março de 2024

"Terremoto", "Star Wars" e o legado de John Williams!

 

Que tal ser o único responsável por despertar o interesse de milhares (quiçá de milhões!) de pessoas por determinada manifestação artística? Pois é, já há um consenso em torno do fato de que John Williams, o famoso e lendário compositor de cinema, com a trilha sonora criada para o primeiro "Star Wars", em 1977, portanto, com apenas uma obra, levou uma legião de pessoas no mundo inteiro (que mais tarde se tornariam fãs do artista), dentre as quais honrosamente me incluo, a apreciar, de maneira sistemática, trilhas sonoras compostas originalmente para filmes.
Antes disso, mais precisamente em 1974, eu já tinha me impressionado com o score de John Williams para "Terremoto", a lembrança mais remota que tenho de uma música sinfônica assistindo a um filme no cinema. Acreditem, mesmo após 50 anos sem ouvir a obra, consigo cantarolar o tema de abertura a qualquer momento. Eu mesmo acho isso surpreendente, já que eu só tinha 15 anos na época. Mas esse foi um flerte ocasional, que efetivamente só viraria namoro firme (e mais tarde casamento) quando ouvi a antológica trilha sonora de "Star Wars", três anos mais tarde. Exatamente como aconteceu com tantas pessoas por esse mundo afora.
John Williams completou 92 anos no último dia 08 de fevereiro e revelou o desejo de continuar na ativa, desistindo da aposentadoria anunciada no ano passado.
Que Deus lhe dê a oportunidade de seguir em frente, por muito mais tempo, encantando seus numerosos fãs espalhados pelo mundo inteiro.


domingo, 17 de março de 2024

Viagens, clichês e as surpresas da vida!

 


Ele odeia surpresas. Vive cada momento de acordo com o "planejado" e nada foge ao seu rígido controle. Tornou-se, então, autor de guias de viagens para pessoas que detestam sair da rotina. Isso mesmo, o público-alvo do seu trabalho é formado exatamente por turistas que gostam de reproduzir nas viagens todas as facilidades às quais estão acostumados em suas próprias casas e cidades.
Quem já assistiu deve saber que estou me referindo a Macon Leary, o protagonista de "O Turista Acidental", uma adaptação para o cinema do romance homônimo de Anne Tyler, escolhida como melhor filme de 1988 pelo Círculo de Críticos de Cinema de Nova York. Assistindo ao filme, confesso que lembrei de um amigo que se parece muito com Leary, o personagem vivido por William Hurt. Ele (o amigo) não abre mão da rotina e receio que só não viajou até hoje para a Europa (um sonho antigo) porque não conhece um guia de viagens como o de Leary.
Mas todos sabemos que em viagens, como na vida, não é possível controlar e prever tudo, daí as dificuldades enfrentadas pelo personagem em sua história pessoal. A partir da trágica perda do filho de 12 anos, vítima de "bala perdida", sua vida toma um rumo completamente inesperado, o que leva Leary a vivenciar situações novas que certamente o ajudarão a ver as coisas de outra maneira.
Nesse sentido, o final do filme reserva ao personagem (e a muitos espectadores) uma bela surpresa. Leary, que se encontra em Paris, resolve retornar aos Estados Unidos. Após arrumar rapidamente a pequena bagagem, ele deixa o hotel sentindo fortes dores na coluna. Na rua, à procura de um táxi para levá-lo ao aeroporto, e não resistindo às dores, Leary acaba abandonando a maleta. Em seguida, ele avista um táxi parado, de onde sai um adolescente. Com pressa (e dificuldade), Leary grita "espera", mas o motorista não ouve e arranca com o carro. O garoto, ao ver Leary, e percebendo que ele desejava pegar o mesmo táxi, também grita para o motorista esperar. O carro finalmente para e o garoto, com uma gentileza incomum, ajuda-o a entrar no veículo, despedindo-se com um sonoro "Au revoir Monsieur, bon voyage!!", antes de fechar a porta. Leary fica tão surpreso com a atitude do rapaz que o acompanha com o olhar por um bom tempo, supostamente não acreditando que aquele jovem, tão atencioso e gentil, pudesse ser real.
Como sabemos, há poucas coisas mais previsíveis e familiares na vida do que o clichê. E não há maior clichê a respeito dos franceses (e dos parisienses em particular) do que a grosseria e o mau humor. Muitos, portanto, podem pensar que pessoas como o adolescente do filme só existem na ficção, mas não é verdade. Numa de minhas viagens, presenciei situações semelhantes exatamente em Paris. Um rapaz ajudou minha sobrinha a retirar a mala do vagão do metrô e, logo depois, uma senhora chegou a carregar a mala dela pelas escadas. Além disso, quando eu estava tirando fotos no interior da Conciergerie, um menino de aprox. 10 anos que integrava uma excursão escolar, ao me ver fotografando as celas dos presos da Revolução Francesa, orientou os colegas para que se mantivessem afastados, uma atitude que desmente todos os clichês a respeito do povo francês.
Felizmente, após algumas viagens, e a exemplo de Leary, já tive a oportunidade de aprender que Paris e a própria vida não se resumem aos clichês.



sábado, 16 de março de 2024

Barcelona, os primos e a hospitalidade espanhola

 

Com a prima Elisa, em Barcelona, diante da catedral "Sagrada Família", de Gaudí.

Conheci Barcelona em minha primeira viagem à Europa. Naquele longínquo maio de 1995, quando atravessei de trem, com mochila nas costas, cinco países (Portugal, Espanha, França, Alemanha e Áustria), conhecendo novos lugares e pessoas de diferentes culturas, vivi emoções inéditas que mudariam a minha vida. 
Mas vou tratar aqui apenas da minha experiência com os primos espanhóis, dos quais nunca tinha ouvido falar até poucos meses antes daquela visita. Foi minha querida e já falecida tia Aurinha, de quem me aproximei bastante em seu final de vida, exatamente por conta desse novo contato com os primos, que me forneceu as informações básicas a respeito da família Saeta e dos tempos em que viveu na Espanha, no final da década de 1920. Ninguém por aqui se lembrava tão bem quanto ela da aventura dos meus avós, que colocaram a família inteira num navio, retornando à Galícia numa época em que a região ainda atravessava uma fase de muita pobreza, com poucas perspectivas econômicas.
Voltando a 1995, após passar alguns dias em Lisboa, minha primeira escala na Europa, hospedado na casa de uma amiga brasileira, na noite de 08 de maio (2ª feira) embarquei no trem que me levaria a Madrid e posteriormente a Barcelona, a cidade da moda na época, em função da Olimpíada realizada em 1992.
Naquela oportunidade, eu estava chegando à cidade para conhecer os primos espanhóis com os quais minha família já não fazia contato há décadas! Para mim, era tudo novidade e representar, ainda que informalmente, a família Saeta que se estabelecera no Brasil no início do século XX era uma grande responsabilidade. 
Ainda me lembro muito bem da prima Elisa e de Aquilino, seu marido, na noite de 9 de maio de 1995, uma terça-feira, me encontrando na estação de trem de Sants e, logo em seguida, me levando para sua casa para conhecer os três filhos, ainda bem jovens, e Martin, o irmão de Elisa. Era o início de uma relação de amizade que se consolidou ao longo dos anos e da qual muito me orgulho até hoje. 
No ano seguinte (1996), a convite de Elisa, fui passar as férias na Forxa, um pequeno povoado bem próximo de Ginzo de Límia (Ourense-Galícia), terra natal da minha avó Evangelina, para conhecer seu pai José, primo de primeiro grau de meu pai, e sua mãe Esther, ambos já falecidos. José e Esther me receberam muito bem, o que me deixou à vontade para retornar nos anos seguintes, sempre com grande prazer. Guardo de ambos as melhores lembranças, principalmente de Esther, uma pessoa dotada de enorme vitalidade, que dava conta de tudo na casa (e ainda ajudando na colheita de pimentões e batatas), apesar da idade já avançada. Tenho certeza de que em alguma outra dimensão voltaremos a nos encontrar. Acredito que a história que escrevemos ao lado das pessoas que amamos não se esgota na vida frágil e transitória de que desfrutamos neste mundo. Os laços afetivos e a verdadeira amizade permanecem por toda a eternidade. 
O fato é que os saudosos José e Esther cumpriram sua missão e já se foram, mas deixaram dois filhos muito especiais, pelos quais tenho um enorme carinho. A hospitalidade da Elisa em nossa visita a Barcelona em 2011 (estive lá com minha irmã Elaine) me fez lembrar de sua mãe Esther por ocasião de minhas visitas anteriores à Galícia, não medindo esforços para nos agradar durante os poucos dias de nossa estada na capital catalã. Já comentei com o seu filho Javier, que esteve no Rio em 2012, o carinho especial que tenho por sua mãe e também por toda a família espanhola, incluindo Martin, que vive na Galícia, e o atencioso Rafael, o novo companheiro da Elisa. Mas não posso deixar de registrar aqui as queridas lembranças que tenho de Aquilino, falecido marido da Elisa, que sempre foi muito gentil comigo. Lembro de um episódio em particular que ficou marcado em minha memória. Ao me despedir de todos em uma de minhas visitas à Galícia, cumprimentando com um aperto de mão cada um dos primos e amigos, Aquilino não se contentou com essa despedida, digamos, formal e protocolar, e me deu um forte abraço. Jamais esquecerei esse gesto singelo e espontâneo de Aquilino, que infelizmente não está mais entre nós.
Peço desculpas aos primos se há aqui alguma indiscrição, mas já faz tempo que eu queria dar testemunho dessa longa história que, para mim, é muito especial. É uma forma de tornar pública a importância de tudo isso em minha vida.

Casario antigo na chegada à Forxa, na Galícia.

sexta-feira, 15 de março de 2024

Eu juro que vi...e vivi!!

 


A 90 dias do início da Eurocopa 2024 na Alemanha (14 de junho), me vem à mente a lembrança dos momentos (ou horas) que antecederam a abertura da Copa do Mundo de 2006, em 09 de junho, uma sexta-feira, realizada também na Alemanha.
Na véspera, dia 08 de junho, com os amigos da Alemanha e um amigo brasileiro, me hospedei no hotel Gasthof Hartl Zum Unterwirt (foto), em Turkenfeld, pequena aldeia a 34 km de Munique.
Ansioso por tudo que me aguardava no dia seguinte, foi difícil pegar no sono naquela noite. Era a realização do sonho de uma vida inteira, presenciar a abertura de uma Copa do Mundo no país-sede, e particularmente na Alemanha, um país que aprendi a admirar ainda na adolescência.
Na sexta-feira, o dia tão esperado, após um farto café da manhã, pegamos o trem para Munique, uma viagem de pouco menos de meia hora.
Nas primeiras horas da manhã, com o dia ensolarado, a cidade já estava tomada por torcedores de várias nacionalidades. Bares cheios e muita gente já devidamente "calibrada".
Depois de circular um pouco, resolvemos ir à Hofbräuhaus (HB), a mais tradicional cervejaria de Munique, com mais de 500 anos de história, para degustar a Hofbräu, a famosa cerveja da "casa". O clima era de festa, com direito à banda musical em trajes típicos e generosas canecas de cerveja (foto).
Em seguida, pegamos o metrô e nos dirigimos ao Allianz Arena, palco do primeiro jogo da Copa (Alemanha x Costa Rica). Claro, como não poderia deixar de ser, estação cheia e muitos "gritos de guerra" dos torcedores. A impressão era de que todos sabiam que aquele era um momento especial na vida de cada um, da cidade e do próprio país. O que se via em todo canto era uma profusão de bandeirinhas tricolores em janelas, carros, bicicletas e lojas, revelando um povo orgulhoso de sua pátria e ansioso para se mostrar ao mundo com uma nova face, pacífica, tolerante e hospitaleira.
E juro que vi (ninguém me contou!) um policial vestido com a camisa do Brasil dirigindo um carro da polícia. Isso dá uma ideia da atmosfera festiva que tomou conta de Munique naquele mágico 09 de junho de 2006, um dia inesquecível!!
E como estará Munique no dia 14 de junho desse ano, também uma sexta-feira, para a abertura de outra competição internacional de futebol?
Adoraria testemunhar isso. Seria um doce retorno a um dos dias mais felizes da minha vida!



quinta-feira, 14 de março de 2024

Um compositor austríaco na Corte de D. João VI!

Sigismund Neukomm (1778-1858), pianista e compositor austríaco nascido (22 anos depois) na casa onde também nasceu Mozart, em Salzburgo, e aluno de Joseph Haydn, em Viena, se estabeleceu na Corte portuguesa, no Rio, entre 1816 e 1821.
Por sua larga experiência em Viena, Neukomm tornou-se a figura mais expoente da cena musical da Corte, compartilhada com dois outros compositores, o português Marcos Portugal, trazido por D. João VI, e o padre brasileiro José Maurício Nunes Garcia, o qual fora considerado por Neukomm "o maior improvisador do mundo"!
Esse livro, fartamente ilustrado e acompanhado de um cd com obras do compositor, traz o relato da viagem de Neukomm de Viena ao Brasil e sua rica experiência humana e musical no Rio de Janeiro, durante os cinco anos em que permaneceu na cidade.


Todo o dinheiro do mundo!

 

Assistindo, agora há pouco (e novamente), ao episódio de "Mundo Visto de Cima" que mostra Lyon e o TGV (Train à Grande Vitesse), trem francês de alta velocidade, lembrei-me da chegada à estação de Lyon no dia 15 de maio de 1995 (uma segunda-feira), por volta das 6 da manhã, após uma viagem noturna desde Barcelona, atravessando os Pirineus, cordilheira que serve de fronteira natural entre Espanha e França.
Fazia uma manhã muito fria e a expectativa era grande para viajar no famoso TGV francês. O embarque era às 7h e a chegada a Paris estava prevista para as 9h. O passe de trem (Europass), comprado ainda no Brasil, dava direito a um assento na primeira classe, com a condição de que eu fizesse a devida reserva de lugar ainda na estação, o que providenciei imediatamente.
Em seguida, no subsolo da estação, tomei um café bem forte e comprei o "El País", jornal espanhol que conheci durante a estada em Barcelona. Já na plataforma e vestido com vários casacos, mas ainda assim quase morrendo de frio, aguardei ansiosamente pelo TGV, ao lado de dezenas de executivos acompanhados de suas vistosas pastas (não era tempo de notebooks e muito menos de smartphones).
Uns dez minutos antes das 7, o trem se aproximou da estação. Fui um dos primeiros a embarcar e procurei logo o assento reservado. Depois de colocar a mala no compartimento superior, finalmente me acomodei e relaxei. Em questão de minutos o vagão estava lotado. Todos, a maioria homens, impecavelmente vestidos e só eu ali (que eu me lembre) de calça jeans, tênis e mochila. O trem partiu na hora certa e, com uma sensação de "peixe fora d'água" (ou penetra), segui viagem, logo me distraindo com a bela paisagem francesa e a leitura do "El País".
Mas não demorou muito para eu me sentir dominado por um sentimento misto de ansiedade por conhecer a mítica Paris dali a duas horas e o receio de chegar a um país sem conhecer nada do idioma. Até então eu só tinha visitado Portugal e Espanha. O resto da viagem, que incluía França, Alemanha e Áustria, prometia muitas emoções e percalços por conta da comunicação, mas a sorte já estava lançada. E bota sorte nisso!!
Enfim, foi o início de um período de descobertas e novas emoções. Aquela viagem mudou a minha vida, enriqueceu a minha vida, deu sentido à minha vida...
Por isso, agradeço a Deus todos os dias pela inspiração e coragem (também saúde e recursos) para superar o medo e viabilizar aquela mágica (e pioneira) viagem, em 1995.
Por fim, todos nós temos momentos em nossas vidas que adoraríamos reviver. No meu caso, a maioria deles faz parte das viagens. Para reviver esse, em particular, entre a chegada a Lyon e o embarque no famoso TGV para a primeira visita a Paris, pagaria todo o dinheiro do mundo!

A lembrança mais remota...

A lembrança mais remota que eu tenho do rádio é de uma radionovela da Rádio Nacional.
D. Nilza, que ainda vive (lúcida e na mesma casa!) com seus 103 anos completados no último dia 24 de dezembro, alfabetizou quase todas as crianças da vila onde eu morava, em Cascadura.
A aula começava às 14h em ponto, o mesmo horário do início da radionovela. Ao entrar na casa dela, a "recepção" era justamente com a bela música de abertura da novela, sempre acompanhada de uma voz grave masculina apresentando o resumo do capítulo anterior. Durava apenas alguns minutos, até a chegada de todos os "alunos", quando o rádio, claro, era desligado. Mas nunca me esqueci.
Fora isso, minha experiência com rádio se limitou a ouvir os indefectíveis programas matinais que as empregadas adoravam (Haroldo de Andrade, Antônio Carlos, Paulo Barbosa etc.) e a narração de jogos de futebol. E isso só até a adolescência.
Desde então, passados mais de 45 anos, não ouço rádio. Sou "filhote" da TV. Gosto de ver quem fala e como fala. Apenas ouvir a voz, nunca me "seduziu"...


Não é só a impunidade!

 

Por que "produzimos" tantos criminosos (e até assassinos!) nesse país?
A cultura da impunidade explica tudo?
Acho que não! É muito mais grave do que isso. Vivemos uma séria crise de valores civilizacionais, que se reflete no suborno ao guarda na esquina, no "atalho" do acostamento da estrada, na fila "furada", na bronca ao motorista do ônibus que não para fora do ponto, nos políticos já desmascarados que continuamos elegendo a cada escrutínio e, mais grave, na "banalização" do homicídio. Não creio, sinceramente, que, na equação criminosa que leva tantos nesse país a cometerem assassinatos, o fator impunidade seja tão determinante. Tudo isso é uma crise da própria "civilização" brasileira. Como nos aproximamos da barbárie é uma história de ignorância, estupidez e negligência que envolve várias gerações.
Nesse caldeirão cultural indigesto, a fronteira entre legal e ilegal, entre legítimo e ilegítimo, é perigosa e desgraçadamente frágil. E pior, como nenhum de nós é uma ilha, cada um, diariamente, dá sua pequena (ou grande) contribuição pra alimentar tudo isso.

Um olhar curioso...

Em Portbou...há 29 anos!

Barcelona, 14 de maio de 1995, um belo domingo de sol na capital catalã. Por volta das 18h, eu embarcava para a longa viagem de trem até Paris, com conexões na fronteira e em Lyon, o que levaria a noite/madrugada inteira. Durante as primeiras horas da viagem percorrendo o litoral, foi possível acompanhar, à direita do trem, o lento cair da tarde sobre o Mediterrâneo, que culminou com um belíssimo pôr do sol.
Já à noite, na estação de Portbou, uma cidadezinha bem próxima da fronteira com a França (1000 habitantes), desembarca uma numerosa família, um casal de meia idade com 3 crianças e dois adolescentes. Com olhar curioso, acompanho cada um saltar do trem e a emoção com que todos se dirigem a um casal de idosos, talvez avós, que os esperava ali. Entre beijos e abraços "infindáveis", percebo uma das crianças, uma garotinha de uns 4 ou 5 anos, virar-se para o trem ainda a tempo de acenar timidamente para mim, ao que, surpreso, retribuo em seguida.
Sim, ela deve ter percebido minha curiosidade com a família e, em sua inocência, espontaneamente resolveu "se despedir" daquele estranho com um aceno e um doce, ainda que contido, sorriso.
O trem parte lentamente, me permitindo acompanhar a família ao deixar a plataforma. A próxima parada seria em Cerbere, do outro lado da fronteira, já em território francês, prometendo novas emoções, mas aquela singela cena de encontros/despedida em Portbou se tornaria uma das mais singelas e inesquecíveis que presenciei em todas as minhas viagens de trem na Europa.
Há 29 anos...