terça-feira, 20 de abril de 2021

Os clichês que não resumem a vida!

Revisitei “O Turista Acidental” ontem à noite e me lembrei desse comentário que fiz há alguns anos...
Ele odeia surpresas. Vive cada momento de acordo com o "planejado" e nada foge ao seu rígido controle. Tornou-se, então, autor de guias de viagens para pessoas que “detestam” viajar. Isso mesmo, seu público-alvo é formado exatamente por turistas que gostam de reproduzir nas viagens todas as facilidades às quais estão acostumados em suas rotinas diárias.
Quem já assistiu deve saber que estou me referindo a Macon Leary, o protagonista de "O Turista Acidental", uma adaptação para o cinema do romance homônimo de Anne Tyler, escolhida como melhor filme de 1988 pelo Círculo de Críticos de Cinema de Nova York. Assistindo ao filme, confesso que lembrei de um amigo que se parece muito com Leary, o personagem vivido por William Hurt. Ele (o amigo) não abre mão da rotina e receio que só não viajou até hoje para a Europa (um sonho antigo) porque não conhece um guia de viagens como o de Leary.
Mas todos sabemos que em viagens, como na vida, não é possível controlar e prever tudo, daí as dificuldades enfrentadas pelo personagem em sua história pessoal. A partir da trágica perda do filho de 12 anos, sua vida toma um rumo completamente inesperado, o que leva Leary a vivenciar situações novas, algumas desconfortáveis e outras que certamente o ajudarão a ver as coisas de maneiras diferentes.
Nesse sentido, não há nada no filme que contrarie mais as expectativas do personagem e da maioria das pessoas do que os acontecimentos mostrados na sequência final em que Leary, hospedado em Paris, resolve retornar aos Estados Unidos. Após arrumar rapidamente a pequena bagagem, ele deixa o hotel sentindo fortes dores na coluna. Na rua, à procura de um táxi para levá-lo ao aeroporto e não resistindo às dores, Leary acaba abandonando a maleta. Em seguida, ele avista um táxi parado de onde sai um adolescente. Com pressa (e dificuldade), Leary grita "espera", mas o motorista não ouve e arranca com o carro. O garoto, ao ver Leary e percebendo que ele desejava pegar o mesmo táxi, pede para o motorista esperar. O carro finalmente para e o garoto, com uma gentileza incomum, ajuda Leary a entrar no veículo, despedindo-se com um sonoro "bon voyage!!" antes de fechar a porta. Leary fica tão surpreso com a atitude do rapaz que o acompanha com o olhar por um bom tempo, como que não acreditando que aquele jovem tão atencioso e gentil fosse real.
Como sabemos, há poucas coisas mais previsíveis e familiares na vida do que o clichê. E não há maior clichê a respeito dos franceses (e dos parisienses em particular) do que a grosseria e o mau humor. Muitos podem até pensar que pessoas como o adolescente do filme só existem na ficção, mas não é verdade. Numa de minhas viagens, presenciei situações semelhantes exatamente em Paris. Um rapaz ajudou minha sobrinha a retirar a mala do vagão do metrô e, logo depois, uma senhora de meia idade chegou a carregar a mala dela pelas escadas da estação. Além disso, quando eu estava tirando fotos no interior da Conciergerie, um menino de aprox. 10 anos que integrava uma excursão escolar, ao ver que eu estava fotografando as celas, orientou os colegas para que se mantivessem afastados do local, uma atitude que desmente todos os clichês a respeito do povo francês.
Finalmente, acredito que a diferença (ou uma das diferenças) entre mim e Leary, o personagem, é que, após muitas viagens, aprendi que Paris e a vida definitivamente não se resumem aos clichês.



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